ÂNGELA MORAES
anjeramoraes@hotmail.com
Bauru, São Paulo
(Brasil)
Há muitas
moradas na casa
de meu Pai
“Não se turbe o
vosso coração. –
Credes em Deus,
crede também em
mim. Há muitas
moradas na casa
de meu Pai. Se
assim não fosse,
já eu vo-lo
teria dito, pois
me vou para vos
preparar o
lugar. – Depois
que me tenha ido
e que vos houver
preparado o
lugar, voltarei
e os retirarei
para mim, a fim
de que onde eu
estiver, também
vós aí
estejais.” (S.
João, cap. XIV,
vv. 1 a 3.)
Na residência da
família Cardoso,
além de Seu
Cardoso e sua
esposa, dona
Júlia, moravam
os filhos Pedro,
Paulo, Tarsílio
e Luciana, a
caçula.
Seu Cardoso, o
pai, era um
homem de bom
coração, pulso
firme e boa
vontade. Bem
aceito e querido
por todos,
apenas o filho
do meio, Paulo,
tinha o condão
de tirá-lo
do sério a ponto
de querer partir
para a
violência.
- É um
insolente!
Irresponsável!
Já tem quase
trinta e ainda
não terminou um
só curso
profissionalizante!
Vive fazendo
besteiras!
Impossível, para
Seu Cardoso,
compreender o
espírito livre e
despreocupado do
filho, cujos
valores que
trazia da poeira
dos tempos era o
de um bon
vivant,
passando pela
Terra a passeio.
Assim vivera
Paulo em sua
última
encarnação, e
nesta custava a
entrar nas
rédeas do pai.
Pedro, o mais
velho, muito
cobrado pelo
genitor desde a
primeira
infância e,
trazendo em seu
espírito índole
severa e
trabalhadora,
voltara para o
lar paterno
temporariamente,
enquanto
assistia a seu
casamento
desmanchar-se.
Soubera da
traição da
esposa com o
coração aos
pedaços. Em seu
mundo íntimo,
Pedro não se
conformava:
tinha feito tudo
certo.
- Trabalhei
todos os dias
longas horas
para poder dar o
melhor a ela!
Já no mundo
carente e
magoado em que a
esposa situava
seus
sentimentos, ela
pensava:
- Para ele, só
dinheiro e
trabalho
importavam.
Nunca estive em
primeiro plano!
Tarsílio, o
terceiro filho,
tinha cerca de
vinte de cinco
anos, e dez de
péssimas
decisões no
currículo. Aos
quinze, fumara o
primeiro cigarro
de maconha, só
pra ver como
era. Aos vinte,
era líder do
tráfico em sua
região, o que
acabou levando-o
à cadeia por
dois anos, para
desespero de
toda a família.
- Um garoto que
teve de tudo,
meu Deus! –
culpavam-se os
pais.
Na cabeça de Seu
Cardoso, era um
caso perdido. Na
de dona Júlia,
uma vergonha
perante os
outros. Já no
mundo pessoal de
Tarsílio, a vida
era assim mesmo.
Não tinha
paciência para
as formalidades
dos grã-finos
nem achava graça
em seus
relacionamentos
superficiais.
- Eu quero a
vida real. As
prostitutas pra
mim têm nome,
sobrenome,
sentimentos,
vontades. Os
cachaceiros
choram suas
dores agudas, de
suas vidas
destroçadas.
Agora, dos
riquinhos,
eu quero mais é
o dinheiro, eles
não sabem o que
é dor! Meus pais
nunca vão
entender que
mundo é este -
dizia-se,
ignorando que
também entre os
ricos, a dor é
inevitável...
Por fim,
Luciana, a
caçula, trazia
em si a
maturidade de
suas muitas e
muitas
encarnações em
seus poucos
dezenove anos.
Lidava
compreensivamente
com as falhas de
todos porque já
havia
presenciado,
participado,
errado,
perdoado, pecado
e reparado de
tudo um pouco em
sua trajetória
íntima. Com seu
jeito tolerante
e inteligente,
cuidava mais de
sua mãe do que
esta dos
familiares. Ao
contrário de
dona Júlia,
espírito mimado
e infantil que
mais buscava a
atenção de todos
do que dedicava
à sua, em
absurdas
exigências.
Enfim, na
residência da
família Cardoso,
habitavam seis
diferentes
mundos. Cada um
deles com seus
valores,
crenças, paixões
e graus de
maturidade, em
uma santificada
oportunidade
oferecida por
Jesus de se
influenciarem
positivamente
uns aos outros:
Seu Cardoso, com
medo de que o
filho insolente
caísse nas
drogas, como o
mais novo,
arrefecia seus
ímpetos de
violência,
fazendo com que
buscasse
vencer-se;
Dona Júlia, em
contato com as
dificuldades
reais que os
filhos lhe
apresentavam,
haveria de
amadurecer a
ilusão burguesa;
Pedro haveria de
repensar seus
valores
materialistas em
contato com a
irmã mais
espiritualizada,
a incentivar-lhe
o perdão;
Paulo, por sua
vez, pediria ao
irmão mais velho
uma boa
orientação anos
depois, quando
finalmente se
cansara da vida
vazia dos bares.
Por fim,
Tarsílio, ao ver
a maldade de
perto dentro da
cadeia, percebeu
que a pobreza
não tornava
ninguém mártir,
como também a
riqueza não
evitara olheiras
sofridas e
verdadeiras em
seus irmãos, ao
visitá-lo.
E assim foi,
ante a
oportunidade
bendita da
reencarnação,
que Jesus
preparou a todos
um bom lugar na
Casa do Pai,
aquela em que há
muitas moradas,
cada uma
habitada por
vários mundos
pessoais.