DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
O último requinte da
vaidade
Se alguém diz:
modéstia à parte,
logo, denota falta de
modéstia... “O último
requinte da vaidade é a
falsa modéstia“,
frase do célebre
ensaísta e moralista
francês Jean de La Bruyère (1645/1696). Com
base na mencionada
máxima do notável
escritor, compomos:
“A falsa modéstia
não passa de virtude
ostentosa“.
Aliás, virtude ostentosa
é ótimo! Tremendo contrassenso igual a
este: caridade
orgulhosa...
De contínuo, isso me fez
lembrar uma fábula (1),
tendo como
figura principal bizarra
criatura onívora e cursora, ave estrutioniforme do
gênero Struthio,
a maior delas, de asas
rudimentares, com apenas
dois dedos em cada pé,
oriunda das zonas
semidesérticas da Arábia
e África: a avestruz.
Reuniram-se diversos
tipos de aves para um
encontro recreativo, num
determinado local da
floresta. Entrementes,
em conversa animada e
fraterna, após
encomiásticas
referências às
aves-do-paraíso, aos
canários, beija-flores,
periquitos e papagaios,
comentou-se sobre a
beleza, a agilidade, a
astúcia e a elegância do
voo das águias. Dada a
palavra à avestruz,
partícipe também do
encontro, disse ela:
—
Jamais serei como uma
águia!
As colegas ovíparas e
emplumadas
entreolharam-se,
experimentando súbita
admiração por aquele ato
de modéstia. Porém, ela
estragou o gesto, ao
acrescentar:
—
É.
Eu não só voo
perfeitamente como
também posso caminhar e
correr qual perfeita e
exímia velocista!
Brilho
apagado
À vista do até aqui
exposto, dizemos que
toda pessoa apontada por
suas atitudes de
arrogância há de
surpreender
desagradavelmente aos
que lhe dão ouvidos.
Esse tipo de pessoa,
pela antipatia que
provoca, perde o
respeito até de quem a
estima. A ausência de
modéstia é uma falha
que, a propósito, mancha
todos os pensamentos
delicados. Alojada no
íntimo, ela sufoca as
virtudes, apaga o brilho
de toda qualidade moral.
Por sua vez, o portador
dessa tola vaidade não
deixa de se decepcionar
por não poder fruir de
um carinhoso e franco
agradecimento pelo
benefício, por algum
serviço que prestou.
Depois de um obséquio,
principalmente, após um
gesto nobre, se alguém
se deixa levar por tal
exibicionismo, querendo
se impor, forçando
elogios, é digno de
pena; revela sobremodo
pouquíssima elevação
espiritual.
Modéstia:
o inverso da vaidade que
jamais deve permanecer
no íntimo de quem se diz
cristão, especialmente,
espírita. Afirmou o
Espírito
François-Nicolas-Madeleine:
“Não
imiteis esse
homem que se apresenta
como modelo e se gaba
das próprias qualidades
para todos os ouvidos
tolerantes“
(2).
Segundo essa mensagem
dada em Paris, França,
1863, muitas vezes, quem
se apresenta como
modelo, e ainda por cima
se gaba do que faz,
quase sempre esconde
“pequenas
torpezas e odiosas
fraquezas“.
A vanglória de uma
qualidade, de uma
aptidão, da inteligência
que se supõe ter, provém
do sentimento de
orgulho.
É
compreensível
Não que seja errada a
íntima sensação de
euforia, seguidamente ao
se despender com
generosidade um bem. É
compreensível sentir-se
profundo e demorado
contentamento ao se
minimizar a dor, a
carência do próximo, por
torná-lo feliz, em
outras palavras
ressaltadas pela
Entidade da referida
mensagem. Conforme ela,
trata-se de intenso
júbilo do fundo do
coração. Mas,
contrapondo, disse que,
desde o instante em que
esse júbilo se
exteriorize a fim de
auferir elogios,
degenera em
amor-próprio.
Amor-próprio, por
extensão: vaidade,
não passa de orgulho que
faz o insensato
acreditar que possui
supostas virtudes, e o
orgulho está vinculado
ao egoísmo,
origem de todas as
misérias deste mundo.
Portanto, a falsa
modéstia é decorrente do
orgulho e
egoísmo, e, neste
caso, necessário se
torna saber se estamos
em falta com a modéstia
antes que nos igualemos
à avestruz da narração
sobredita. Se quisermos
ser mesmo virtuosos,
perseveremos em pensar,
meditar, submetendo-nos
a um autoexame profundo
e sincero, com o
propósito de não
decepcionarmos os outros
e sermos malvistos como
indivíduos antipáticos
pelo alardeio, pela
vanglória e arrogância
que nos caracterizem.
Em suma: a falsa
modéstia nada mais é que
hipocrisia, ou impostura
de uma virtude. E qual o
antídoto da vaidade?
Segundo o Espírito
Georges: a prece
(3). Para se
vencer essa tolice, é
preciso valer-se da
prece, mas, é claro, da
prece sincera, e da
efetiva vigilância de
pensamentos e
sentimentos. “Vigiar e
orar“, indicou Jesus...
Qualquer um pode
utilizar-se de judicioso
expediente, se, de fato,
quiser ser feliz, ainda
que, neste mundo, tenha
esta ou aquela crença. E
os espíritas —
especialmente os
espíritas! —,
sabemos como ninguém que
a única grandeza
reconhecida por Deus é a
humildade e que só serão
reconhecidos pelo
Altíssimo através dos
esforços empregados no
combate ao referido
defeito que deslustra e
enfraquece a força de
todo ato generoso (4).
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1) A partir de um breve
texto do poeta alemão
Christian Friedrich
Hebbel (1813/1863).
2) KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o
Espiritismo.
Tradução Herculano
Pires. 62. ed. São
Paulo: Lake
— Livraria Allan
Kardec Editora, 2001.
Cap. 17, item 8, p. 228.
3) KARDEC, Allan.
Revista Espírita:
jornal de estudos
psicológicos (1860). São
Paulo: Edicel
— Editora
Cultural Espírita Ltda.,
s/d., p. 197.
4) Idem. O
Evangelho segundo o
Espiritismo. Trad.
H. Pires. Cap. 17, item
4, p. 224.
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