MARCELO
MARCONDES SENEDA
marcelo.seneda@gmail.com
Londrina, Paraná
(Brasil)
Sobre o aborto
dos
anencéfalos
Nos últimos dias
temos visto à
nossa volta uma
grande polêmica:
a questão do
aborto dos anencéfalos.
Diversos núcleos
apresentam
argumentos prós
e contras, em
uma discussão
extremamente
importante, pois
se trata de
tornar
institucional a
decisão sobre a
continuidade ou
não de um evento
referente à
vida.
Considerando o
parecer
francamente
favorável do
Ministro da
Saúde ao aborto,
tenha o feto
encéfalo ou não,
causam-me
preocupação
alguns
argumentos
mencionados
pelos grupos
pró-aborto.
Vou abrir um
parêntesis, para
enfatizar o uso
do termo
“aborto”, pois
considero um
eufemismo essa
recente
substituição por
“antecipação
programada do
parto”. Pois
bem, os grupos
pró-aborto
enfatizam o
sofrimento da
gestante de um
feto anencéfalo,
alegando uma
‘agressão à
dignidade da
pessoa humana’.
Seguramente
essas mães
sofrem e a
preocupação com
o sofrimento
alheio é sempre
meritória. No
entanto,
pergunto: qual
mãe não sofre
por seus filhos?
Sofre mais a mãe
cujo
recém-nascido
vem a óbito em
um curto
período, ou
aquela mãe que
vê seu filho
morrer
lentamente, nos
descaminhos da
droga? Sofre
mais a mãe cuja
gestação
enfrenta sérios
riscos, ou
aquela mãe que
vê seu filho,
saudável e
bem-formado,
contrair uma
doença causada
pela falta de
saneamento
básico? Aliás, é
possível
mensurar o
sofrimento?
Há outro aspecto
muito sério. Os
atuais recursos
diagnósticos
permitem a
identificação de
centenas de
alterações
durante a vida
fetal. Síndromes
diversas podem
ser
diagnosticadas com
relativa
segurança.
Então, depois do
anencéfalo, qual
será a próxima
alteração fetal
a justificar o
aborto? Isso me
traz à mente
qualquer coisa
de “pureza
racial”
enrustida. Saber
da surdez,
cegueira,
agenesia de
membros, retardo
mental,
intersexualidade
etc. não são
situações
capazes de
causar
sofrimento nas
mães e pais, de
“agredir a
dignidade da
pessoa humana?”
Mas o mundo hoje
tem se empenhado
tanto na
inclusão dos
portadores de
necessidades
especiais,
então, como
estabelecer
quais anomalias
podem ou não ser
mantidas durante
a gestação?
A ação
pró-aborto é
movida por um
sindicato ligado
aos
profissionais da
saúde. Fico
surpreso com
isso, seria de
se esperar ações
pró-vida dessas
pessoas. Algo
como cobrar do
Ministério mais
investimentos no
diagnóstico
precoce de
anomalias
embrionárias e
fetais. E
incentivar
pesquisas para,
a partir do
diagnóstico,
haver medidas
capazes de atuar
na ativação ou
repressão dos
genes
responsáveis por
tais alterações.
Afinal, a
sequência gênica
não pode ser
alterada, mas a
epigenética hoje
nos mostra ser
possível modular
a ação dos
genes.
Gostaria de ver
o Ministro
defendendo mais
recursos para a
Saúde,
eliminando
doenças
vinculadas à
falta de
saneamento
básico. Gostaria
de ver os
profissionais
desse sindicato
promovendo uma
educação de
qualidade aos
jovens e
adolescentes,
para permitir o
exercício da
sexualidade de
maneira saudável
e equilibrada.
Finalmente,
enfatizo minha
estranheza à
afirmação do
Ministro,
afirmando uma
acurácia de 100%
no diagnóstico
da anencefalia.
Em geral, os
profissionais
das ciências da
vida evitam
sistematicamente
o “100%”, porque
todos os dias
somos
surpreendidos
com fatos
inesperados.
Mais ainda, me
recordo de um
fato amplamente
noticiado pela
mídia há alguns
anos. Por
apresentar
aumento de
volume
abdominal, dor e
náuseas, uma
mulher recebeu o
diagnóstico de
um tumor
maligno,
confirmado por
ultrassonografia.
Meses de
angústia depois,
o suposto tumor
“se transformou”
em um bebê
saudável, após
parto normal.
Será mesmo tão
eficiente assim
o nosso atual
sistema de
saúde?