ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
Preconceitos
e discriminações: sinais
de atraso espiritual
Um dos mais salientes
sinais de atraso
espiritual - ainda
fortemente presente
neste planeta – é o
preconceito. Embora
seja socialmente
constrangedor admitir
que temos preconceitos,
o fato é que os
cultivamos lá no âmago
do nosso ser. Raríssimos
são aqueles que
conseguem a proeza de
respeitar os outros e as
suas respectivas
particularidades na mais
ampla acepção da
palavra. Paralelamente,
as manifestações de
intolerância,
discriminação e
estereótipos também
grassam nas sociedades
humanas.
Tais coisas representam
verdadeiras chagas
sociais e mesmo morais,
já que denigrem o meio
em que vivemos, bem como
escancaram – de maneira
estrepitosa – a nossa
condição evolutiva
inferior. O preconceito
e a sua irmã dileta – a
discriminação – têm
causado muitos
sofrimentos, assim como
sérios comprometimentos
cármicos.
Posto isto, cabe
inicialmente distinguir
o que são exatamente
essas doenças sociais –
assim as denominamos –
com graves repercussões
no bem-estar do
espírito. Assim sendo,
renomados cientistas
sociais definem
preconceito como os
sentimentos negativos ou
vieses direcionados a
particulares grupos
sociais como, por
exemplo, negros, gays,
lésbicas etc.
Por outro lado, os
estereótipos são as
nossas crenças
estabelecidas – que
geralmente primam pela
falta de sabedoria – a
respeito de determinados
grupos sociais, tais
como mulheres,
trabalhadores mais
velhos ou minorias
étnicas. Nesse sentido,
em decorrência da nossa
deficiente formação
cultural, social e
religiosa, dificilmente
conceberíamos a ideia de
um membro da raça
indígena, por exemplo,
por mais apto que fosse,
vir a ocupar a direção
do Hospital das Clínicas
(HC) em São Paulo. Em
nossas mentes –
impregnadas, não raro,
por pensamentos e ideias
intolerantes e
inflexíveis – tal
posição deve caber
preferencialmente a uma
pessoa do sexo
masculino, no mínimo na
faixa dos cinquenta anos
de idade e já exibindo
algumas cãs.
De maneira similar,
seria um estrondoso
choque para a maioria de
nós ver um homem negro –
por mais lustroso que
fosse o seu currículo
profissional, assim como
o seu diploma de
Master in Business
Administration (MBA)
– ocupar a presidência
de certas empresas que
operam no território
brasileiro. A nossa
forma estereotipada de
enxergar o mundo – em
resumo – determina em
nossas mentes o que é
“certo” ou “errado”,
assim como o que é
aceitável ou não. A
partir daí, tomamos
decisões e assumimos
pontos de vistas nem
sempre justos e
corretos.
Finalmente, a
discriminação
refere-se à manifestação
de um viés
comportamental injusto
demonstrado contra
determinadas pessoas.
Por exemplo, (1)
cidadãos mais velhos são
sumariamente descartados
para o preenchimento de
determinadas vagas de
trabalho por causa da
sua idade, o que
expressa conduta ageísta
por parte do empregador;
(2) trabalhadores obesos
enfrentam igualmente
grandes dificuldades de
se recolocar em razão da
sua aparência
considerada fora dos
“padrões estéticos”.
De qualquer maneira, os
scholars
consideram que um
indivíduo pode a
priori ser alvo de
preconceito sem ser, no
entanto, discriminado.
Mas também é possível
discriminarmos alguém
sem sermos
preconceituosos. No
geral, o que prevalece é
“o preconceito levando
ao tratamento
discriminatório e o
tratamento
discriminatório levando
a atitudes
preconceituosas”.
Portanto, trata-se de
coisas extremamente
negativas que brotam dos
valores distorcidos ou
das convicções
infundadas que
acalentamos, muito
distantes de um ideal de
igualdade, fraternidade
e respeito
que deveria imperar,
de modo geral, nas
relações humanas. O
Espiritismo tem sólida
posição a respeito do
tema. Assim sendo,
vejamos primeiramente a
questão nº 799 de O
Livro dos Espíritos (LE)
(edição americana):
“Como pode o Espiritismo
contribuir para a
evolução humana? Pode
ajudar a derrubar as
ideias da filosofia
materialista e assim
fazer os seres humanos
entenderem onde se
encontram os seus reais
interesses. Pode
eliminar as dúvidas
acerca da vida após a
morte, de modo que as
pessoas possam se sentir
seguras a respeito do
futuro. E pode ser
vital em erradicar os
preconceitos de
religiões, classes
sociais e raças. A
doutrina irá, por fim,
ensinar à humanidade a
grande lição de
irmandade sob a qual
todos os homens e
mulheres irão
eventualmente viver
em solidariedade”.
(Ênfase nossa.)
Afinal de contas,
adotando a premissa da
pluralidade das
existências – embasada
em evidências
absolutamente concretas
–, o Espiritismo ensina
que o Espírito passará,
na sua trajetória
evolutiva, por muitas
situações e papéis até
que expurgue todas as
suas imperfeições.
Não faz sentido,
à luz dos princípios
espíritas, criticar e/ou
discriminar uma pessoa
por causa da cor da sua
pele, orientação sexual,
crença religiosa,
aparência ou idade.
Mas como dissemos
anteriormente, a
discriminação e o
preconceito existem e
estão em toda parte.
Vejamos, assim, alguns
dados:
·
Estimativas do Instituto
Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE)
projetam para o ano de
2010 haver, para cada
grupo de 100 mulheres,
96,3 homens.
·
Em 2009 as mulheres
ocupavam 43,9% da
população economicamente
ativa do país, conforme
a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD).
·
No entanto, os homens,
na média, ganhavam 21%
mais do que as mulheres,
conforme o relatório
RAIS 2009 do Ministério
do Trabalho.
·
Quando se analisa o
grupo de
trabalhadores com curso
superior, a
diferença é simplesmente
brutal à medida que os
homens percebem ganhos
cerca de 72% superiores
ao das mulheres (RAIS
2009).
·
Na média geral uma
pessoa negra ganha -32%
do que a branca e -4% do
que a parda (RAIS 2009).
·
A trabalhadora negra,
por sua vez, ganha -33%
do que a branca (RAIS
2009).
·
As pessoas acima de 40
anos estão
sub-representadas no
conjunto total de
empregados das 150
Melhores Empresas para
Você Trabalhar no
país, publicado pelas
revistas Você S/A
e Exame.
·
Já os trabalhadores na
faixa dos 50-64 anos de
idade ocupam – no mesmo
contingente de empresas
citado – cerca de -25%
das vagas do que a média
do mercado para esse
grupo etário.
·
As mulheres que vivem em
países mulçumanos como o
Afeganistão e o
Paquistão são tratadas
abaixo de certos
animais, sendo agredidas
pelos seus parceiros –
culminando, não raro,
com a completa
deformação de seus
rostos – de forma
indiscriminada e sem
punição.
Posto isto, a questão nº
201 do LE (edição
brasileira), enfocando a
orientação sexual, é
assim abordado:
“Em nova existência,
pode o Espírito que
animou o corpo de um
homem animar o de uma
mulher e vice-versa?
Decerto; são os
mesmos os Espíritos
que animam os homens e
as mulheres”. (Ênfase
nossa.)
Já na questão nº 202, o
tema é mais bem
explicado:
“Quando errante, que
prefere o Espírito:
encarnar no corpo de um
homem, ou de uma mulher?
Isso pouco lhe
importa. O que o
guia na escolha são as
provas por que haja de
passar”. (Ênfase nossa.)
Por fim, Kardec
acrescenta ainda que:
“Os Espíritos
encarnam como homens ou
como mulheres, porque
não têm sexo. Visto
que lhes cumpre
progredir em tudo, cada
sexo, como cada posição
social lhes
proporciona provações
e deveres especiais
e, com isso, ensejo de
ganharem experiência.
Aquele que só como homem
encarnasse só saberia o
que sabem os homens”.
(Ênfase nossa.)
Portanto, haveremos de
nascer e renascer tantas
vezes quanto necessário
até assimilarmos as
virtudes essenciais.
Assim sendo, habitaremos
em corpos e viveremos em
contextos que nos
conduzirão aos
aprendizados
imprescindíveis. Desse
modo, as infindáveis
discussões sobre qual
dos sexos é mais
inteligente, mais
sensato, mais sensível
etc., passam ao largo
das verdades
transcendentais e, por
isso, são irrelevantes.
Não passam de discussões
rasas à luz da
imortalidade da alma e
da plasticidade do
espírito.
Nesse sentido, o
Espírito Irmão José nos
esclarece que eventuais
preconceitos
que alimentemos
são demonstrações de
limitações de nosso
Espírito. Lembra-nos o
benfeitor que embora
estejamos a caminho da
perfeição, “...
falta-nos muito chão a
percorrer”.
Recomenda-nos ainda para
não nos escandalizarmos
“... diante das atitudes
que nos causem
estranheza”. Afinal,
nenhum de nós é igual ao
outro. “Não sabemos o
que fomos e nem podemos
prever o que seremos”,
pondera o benfeitor. Por
isso, devemos tratar a
todos com respeito e
consideração, já que
também apreciamos
receber, por nossa vez,
esse tipo de
tratamento.
No mesmo diapasão, o
Espírito Joanna de
Ângelis ressalta que
“Entre outros, a
equanimidade
constitui um valioso
tesouro a ser adquirido,
num estágio mais nobre
da existência”. E
acrescenta igualmente
que:
“A equanimidade propõe
que se estabeleçam
vínculos de bondade e de
respeito com os mais
diferentes biótipos
existentes, de forma que
o bem esteja acima das
vicissitudes e das
lastimáveis
consequências das
ocorrências infelizes ou
funestas”.
Por fim, Joanna de
Ângelis observa que:
“A equanimidade oferece
a medida exata de como
proceder-se em relação
ao próximo e de como
reagir-se diante de
fatos penosos,
afligentes, mantendo-se
sempre no mesmo estado
de harmonia.”
Noutra abordagem
convergente, o Espírito
Ermance Dufaux propõe a
solução pela via da
alteridade,
considerando que “Nas
abordagens filosóficas,
a alteridade tem
conotações de rara
beleza e profundidade,
demonstrando a
importância da
diversidade humana
[...]”. Ela recorre à
questão nº 804 do LE
para consolidar a sua
argumentação – ou seja:
“Necessária é a
variedade das aptidões,
a fim de cada um possa
concorrer para a
execução dos desígnios
da Providência, no
limite do
desenvolvimento de suas
forças físicas e
intelectuais”.
um homem, ou de uma
mulher? spele, pela sua
orientaç
Lembra-nos Irmão José
que Jesus “não se
esquivava das
prostitutas e dos homens
de má vida”. Cabe
ressaltar também que
Jesus nos deu outros
extraordinários exemplos
de tolerância e
inclusão social. Um
dos mais marcantes foi o
episódio da mulher
samaritana. Destaca
Cairbar Schutel que:
“Chegando Jesus a Sicar,
a cidade da Samaria,
repousou perto de Jacó,
quando, à hora sexta
(12h), uma mulher veio
tirar água. O Mestre
pediu-lhe de beber e ela
admirou-se de lhe pedir
água um ‘judeu’, porque
os judeus não se
comunicavam com os
samaritanos, por motivos
religiosos”.
“Jesus fez-lhe ver,
então, que o ‘dom’
de Deus era mais do que
judeu, mais do que
samaritano, e disse à
mulher: “Se tu
conhecesses o “dom” de
Deus e quem que pede
água, tu lhe terias
pedido “água” e ele te
daria, porque quem beber
da “água” que eu lhe
der, nunca mais terá
sede” [...]”.
Um outro exemplo
fascinante foi relatado
pelo Espírito Humberto
de Campos. Conforme o
autor espiritual, no
começo do apostolado
cristão havia – como em
todos os agrupamentos
humanos – uma exaltação
natural por parte dos
mais jovens. Eles
vislumbravam em suas
conversações levar a
boa nova para todos
os recantos do planeta.
Nos seus impulsos
juvenis imaginavam que
companheiros como Pedro
– premido pelas
responsabilidades do lar
– e Mateus – amarrado às
obrigações de cada dia –
pouco poderiam fazer.
Entretanto, Simão, “O
Zelote”, algo mais
velho, ouvia-os e temia
não ser útil aos
desafios do porvir.
Afinal de contas, os
anos já lhe pesavam
sobremaneira no corpo e
as suas energias já
demonstravam certo
esgotamento, embora o
Espírito se conservasse
atento. Assim sendo, com
a autoestima meio
conturbada, o velho
pescador procurou o
Mestre a fim de lhe
rogar orientações.
O Mestre ouviu-o
atentamente, embora já
tivesse pleno
conhecimento das
tempestades que lhe
intranquilizavam a alma.
Resumidamente,
esclareceu-o que “a
existência humana é uma
hora de aprendizado, no
caminho infinito do
Tempo...”. Além disso,
argumentou que, sob a
perspectiva
intergeneracional, ambos
jovens e idosos tinham
obrigações e deveres
para a manutenção do
equilíbrio da vida em
sociedade. A fim de
motivar o velho
apóstolo, alertou-o
quanto à sua parte no
esforço geral, bem como
a sua importância
naquele momento na obra
que se erigia.
Concitou-o a ter
paciência com os mais
jovens – levianos ou não
– e conservar o bom
ânimo.
Simão retornou aos seus
afazeres com as suas
energias retemperadas.
Ao voltar à casa pobre,
encontrou Tiago, filho
de Cleofas, conversando
à margem do lago com
outros jovens e no calor
da suas argumentações
aludiu à idade de Simão.
Embora não tenha se
sentido – desta vez –
ofendido ou magoado,
oportunamente Simão
procurou o impetuoso
companheiro de luta. Com
extraordinária brandura
e lógica fez o jovem
apóstolo entender que a
idade era um aspecto
irrelevante diante do
desafio de edificar o
reino de Deus no íntimo
das criaturas.
Nessa noite, ao
repousar, Simão teve um
sonho arrebatador no
qual ele “se encontrava
com o Messias, no cume
de um monte que se
elevava em estranhas
fulgurações”. Conforme
relata o Espírito
Humberto de Campos,
Jesus o abraçou com
carinho e lhe agradeceu
“o fraterno
esclarecimento fornecido
a Tiago e pelo seu terno
cuidado com duas
crianças desconhecidas –
que ele horas antes
havia, de certa forma,
salvado – por amor de
seu nome”.
“O discípulo sentia-se
venturoso naquele
momento sublime. Jesus,
do alto da colina
prodigiosa, mostrava-lhe
o mundo inteiro. Eram
cidades e campos, mares
e montanhas... Em
seguida, o antigo
pescador compreendeu que
seus olhos assombrados
divisavam o futuro. Ao
lado de seu
deslumbramento passava a
imensa família humana.
Todas as criaturas
fitavam o Mestre, com os
olhos agradecidos e
refulgentes de amor
[...].”
“Simão acordou,
experimentando
indefinível alegria.” Ao
procurar Jesus para
agradecê-lo com profunda
humildade, ouviu-o
dizer: “Em verdade,
Simão, ser moço ou
velho, no mundo, não
interessa!... Antes de
tudo, é preciso ser de
Deus!...”
Parafraseando o Mestre
inolvidável, é de
somenos importância se
somos altos ou baixos,
gordos ou magros,
bonitos ou feios; se
somos negros, brancos,
indígenas ou amarelos;
se somos homens ou
mulheres ou ainda se
somos heterossexuais ou
homossexuais.
Fundamentalmente, o que
importa é que tenhamos
Deus em nossos corações!
Por fim, como espíritas,
nos cabe o esforço de
eliminarmos qualquer
laivo de preconceito ou
discriminação de dentro
de nós, pois amanhã
poderemos estar numa
condição igual à daquele
que hoje criticamos ou
prejudicamos.
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