O caso Heitor
Furtado,
28 anos depois
Fez na semana
passada 28 anos
que Chico Xavier
serviu de médium
ao jovem
deputado Heitor
Furtado, morto
na
campanha
eleitoral de
1982, que enviou
expressiva
mensagem aos
seus pais
Alencar Furtado
e Miriã
Heitor de
Alencar
Furtado (foto)
nasceu em
Paranavaí-PR
em 1º de
maio de
1956 e
faleceu em
22 de
outubro de
1982,
quando
buscava
eleger-se
deputado
estadual,
em
dobradinha
com seu
pai, que
tentava a
volta à
Câmara dos
Deputados
após ter
tido seu
mandato
cassado em
1977, por
ato do
presidente Ernesto
Geisel.
Com a
impossibilidade
do pai de
candidatar-se
em 1978, a
tarefa
coube ao
seu filho
Heitor
Furtado,
que, aos
22 anos de
idade, se
elegeu
deputado
federal e
chegou ao
posto de
vice-líder
da
bancada.
Em 1982,
em meio à
agitação
da
campanha
eleitoral,
Heitor
viajava na
companhia
de um
assessor,
quando
resolveu
acatar
a |
|
sugestão
do
companheiro
e
descansar
alguns
minutos no
próprio
carro, que
tinham
acabado de
abastecer
num posto
de
gasolina
na cidade
de
Mandaguari-PR. |
Em função da
atitude,
considerada
suspeita pela
polícia, eles
foram abordados
por alguns
policiais que
faziam a ronda
naquela região.
Sobressaltado ao
ser despertado,
ao ouvir a voz
de um dos
policiais, o
jovem político
foi atingido por
um tiro
disparado por um
deles, o
policial
Aparecido
Andrade Branco,
o "Branquinho".
O ferimento foi
fatal, tendo
Heitor Furtado
morrido no
próprio local. O
fato ocorreu no
dia 22 de
outubro de 1982.
Sua morte
despertou grande
reação em todo o
país e a
repercussão do
fato na imprensa
foi enorme,
inclusive no
exterior.
Na época, várias
autoridades como
Ulysses
Guimarães e
Tancredo Neves
falaram sobre o
lamentável
episódio e
exigiram
justiça.
O policial foi
preso e levado a
júri dois anos
depois, em
1984. Depois de
mais de 30 horas
de julgamento, o
Tribunal do Júri
de Mandaguari
acolheu a tese
de que o
tiro havia sido
acidental e o
magistrado
classificou o
crime como
homicídio
simples,
decorrente de
negligência,
condenando o réu
a 8 anos e 20
dias.
Para tal
desfecho foi
decisiva uma
mensagem que o
próprio Heitor,
valendo-se da
mediunidade de
Chico Xavier,
enviou a seus
pais. A
mensagem
psicografada por
Chico e assinada
pelo deputado
morto relatou
como se
desenrolou a
morte e disse
que tudo tinha
sido um
acidente. A
letra, a
assinatura e as
informações
trazidas nas
mensagens foram
reconhecidas
pelo pai de
Heitor e
anexadas aos
autos do
processo.
O promotor de
justiça que
atuou no caso
disse que a
legislação
brasileira não
admite provas
consideradas
subjetivas,
não-materiais, a
exemplo das
psicografias,
que “nada mais
são do que uma
nova versão dos
fatos, narrada
pelo espírito de
alguém que já
morreu”, como
ele definiu.
Contudo, lembrou
que, em casos
como os que
Chico Xavier
esteve
envolvido, as
psicografias
foram
adicionadas a
outras provas e
testemunhos.
Como foi obtida
a mensagem de
Heitor Furtado
Foi a mãe do
deputado, Miriã
Furtado, que
pediu a Alencar
providenciasse
uma viagem a
Uberaba, visto
que estava
inconformada com
a morte trágica
do filho.
Freitas Nobre,
jornalista e
deputado
federal,
espírita e amigo
pessoal de Chico
Xavier e de
Alencar Furtado,
levou-os ao
Grupo Espírita
da Prece, na
conhecida cidade
mineira. Foram
eles num grupo
de cinco
pessoas: Miriã e
Alencar Furtado,
Marlene Nobre e
Freitas Nobre,
além de Evelyn,
jovem viúva de
Heitor.
A fila, como o
leitor pode
imaginar, era
enorme e eles,
apesar do
prestígio de
Freitas Nobre,
resolveram –
democraticamente
– aguardar a vez
de serem
chamados. Quando
entraram na
pequena sala,
antes de
qualquer
conversa, Chico
perguntou-lhes:
“Quem na família
de vocês
chama-se Heitor
e Maria?”
Alencar
respondeu que
Heitor era seu
avô, mas ninguém
se lembrava de
Maria. Chico
então disse:
“Vocês devem ter
antepassados
chamados Heitor
e Maria, pois o
irmão Heitor (o
jovem Heitor
desencarnado)
está na
companhia dos
dois”.
Apenas no outro
dia, consultando
membros da
família, foi que
Alencar ficou
sabendo que
Miriã tivera uma
bisavó chamada
Maria.
|
À
meia-noite
(era dia 4
de
dezembro
de 1982),
Chico
acabou de
atender a
última
pessoa da
fila e
passou
para o
salão do
Centro
onde
começou a
psicografar.
Alencar
Furtado
espantou-se
com a
rapidez do
fenômeno.
Às duas
horas da
madrugada,
Freitas
Nobre, que
estava
sentado
entre
Alencar e
Miriã,
começou a
chorar.
“Não era
bem um
choro. As
lágrimas
saíam de
seus
olhos, mas
ele
sorria,
enquanto
os pelos
dos braços
se
eriçavam”,
disse
Alencar
Furtado. E
Freitas
então lhe
disse:
“Alencar,
ele está
aqui. Eu
|
sinto que
Heitorzinho
está
presente.
Ele está
entre nós,
Alencar”. |
Miriã permanecia
calada. Seu
rosto abatido
era a própria
imagem da dor.
Às quatro horas,
Chico ainda
escrevia. O
silêncio era
completo, embora
o salão
estivesse
lotado. De
repente, Chico
parou e anunciou
que tinha ali
algumas
mensagens de
nossos irmãos
desencarnados.
Eram 6 horas da
manhã quando
Chico disse:
“Agora eu vou
ler a mensagem
do nosso irmão
Heitor Furtado”.
Revelou o
deputado Alencar
Furtado: “Eu
quase saltei da
cadeira, tal foi
o impacto da
informação. Meu
corpo foi todo
tomado por uma
estranha e
profunda emoção.
Eu nem sequer
olhei para Miriã
ou Freitas. Tudo
em mim era
ouvidos, e antes
que Chico Xavier
terminasse a
leitura, eu
estava
absolutamente
convencido de
que era de meu
filho a
mensagem. Não
havia dúvida. A
estrutura de
pensamento era
dele. As
revelações
minuciosas
também.
Inclusive coisas
que eu lhe
ensinara, ali
estavam
reunidas”.
O que disse aos
pais o jovem
Heitor Furtado
Meu pai e
querida mamãe
Miriã:
Estamos na
situação que em
verdade não
prevíamos. No
plano físico, a
inteligência não
se entrega a
qualquer cuidado
diante das
ideias da morte.
E é pena que não
se tenha por aí
alguma ponta de
esclarecimento
sobre assunto
tão grave, quão
inevitável. As
religiões nos
deixaram quase
sozinhos. Não
fomos nós que as
largamos
desprevenidos e
é muito difícil
para o homem
integrado nos
seus próprios
ideais refletir
nos problemas da
morte. Não posso
queixar-me
quando a
complicação é de
tantos. Aprendi
com meu pai que
ninguém nasce no
mundo com o
privilégio de
uma estrela na
testa.
Deixemos as
divagações e
vamos ao que nos
interessa
objetivamente. A
sexta-feira fora
de muita
atividade
(1) e a
estafa
provisória nos
apanhou em
caminho. Tão
fatigado me via
nosso Fábio
(2) que me
aconselhou o
repouso, muito
rápido. Não
resisti ao
apelo.
Desligamos o
motor e, com
naturalidade,
como se
estivéssemos em
nossa própria
casa, curtimos a
pausa, que nos
pareceu
necessária e
oportuna.
Acredito que o
amigo velava
enquanto o sono
me anestesiava a
mente e os
nervos cansados.
Sinceramente,
não conseguiria
imaginar que
alguém nos
tomasse por
malfeitores
potenciais.
Entretanto, de
lado,
conterrâneos ou
amigos nossos
espreitavam o
carro parado com
dois homens que
não conhecíamos
de imediato. O
que se seguiu
sabem todos: os
homens armados
chegaram com
vozes altas.
Acordei
surpreendido e
notei, mais com
a intuição do
que com a
lógica, que os
recém-chegados
eram pessoas
inofensivas, tão
inofensivas que
um deles tocou a
arma sem saber
manejá-la. O
projétil me
alcançou sem
meios termos e,
embora o tumulto
que se
estabeleceu,
guardei a
convicção de que
o tiro não fora
intencional.
(3) O
olhar ansioso
daquele
companheiro a
desejar
socorrer-me sem
qualquer
possibilidade
para isso não me
enganava.
Ouço aqui muitas
preleções sobre
princípios de
causas remotas
com efeito
presente, mas
por enquanto
penso que ali
estávamos sob
uma força
inexorável do
destino.
Refletimos, pais
dedicados e
amigos, em nossa
querida Evelyn
(4),
mas isso foi por
um instante
rápido. A cabeça
pendeu sem força
para
equilibrar-se
nos ombros e os
raciocínios se
misturaram numa
estranha gama de
sofrimento e
esperança, até
que o sono me
envolveu de
todo.
Pai, é preciso
muita força para
que a gente se
veja assim sem
ideias para o
controle
próprio.
Escutava os
gritos e as
exclamações em
derredor, mas
tudo se
distanciou de
mim e fiquei só
com minha
sonolência a
mergulhar na
inconsciência
total. Sonhei
que me
carregavam para
um sítio
diferente da
paisagem de
Paranavaí, no
entanto estava
inabilitado a
formular
perguntas. Seria
aquilo a morte?
– indagava a mim
mesmo.
Entretanto, o
tempo não me
proporcionou
qualquer ensejo
a novas
inquirições e
dormi
profundamente,
até que
despertei sob as
atenções de um
amigo que me
seguia os
movimentos.
Depois do
assombro
natural, vim a
saber que estava
diante do vovô
Heitor, nada
menos que isto.(5)
E isso
era o bastante
para que me
certificasse
quanto ao
transplante real
de que fora
vítima, e não
alimentei
qualquer dúvida.
Era eu um morto
vivo naquele
ambiente novo e
devia ser um
vivo morto no
conceito da
família e dos
amigos.
Não fomos
habituados ao
choro ou
fraqueza e muito
menos ao temor;
busquei entrar
em nível de
entendimento com
meu avô e a
realidade se me
fixou na cabeça;
havia perdido a
viagem, não
colhera os votos
que imaginara
semear. Recebera
o veto do
destino e isto
não devia me
arrefecer o
ânimo. Estou
aqui sem muitas
possibilidades
de crédito,
porque até hoje
nunca escrevi
por mãos
alheias, mas sou
eu mesmo.
Compreendo que o
fenômeno é
complexo, se um
considerado
ausente, com
certidão de
óbito, não tem
facilidade de se
identificar à
frente dos vivos
que ficaram num
mundo de que
este homem
procede.
Peço-lhe, porém,
reabilitar o
ânimo de mamãe,
cuja palidez me
assusta.
Precisamos vê-la
corajosa e
imbatível. O
mesmo peço
aconteça a
Evelyn, que não
tem por que
chorar ou
lamentar-se. Se
um pobre amigo,
inseguro na
própria função,
foi vítima da
própria dúvida e
se fui eu o
escolhido para
perder o corpo,
não há razão
para que ninguém
se lastime.
Formulo votos
aos poderes
divinos para que
o acontecimento
seja assinalado
sem qualquer
conotação
política, de vez
que o Fábio e eu
repousávamos por
alguns momentos
ao lado de gente
pacífica, mas
naturalmente
receosos de
contato com
aventureiros que
enxameiam por
aí.
Espero que o seu
ânimo, pai
amigo, prossiga
com firmeza para
diante. Vejo-o
em companhia do
nosso amigo
Freitas.
Caminhem para
frente,
contornando as
pedras da marcha
sem
dinamitá-las,
enquanto
prossigo aqui na
direção da
frente, rodeando
os obstáculos
sem a ideia de
eliminá-los de
vez. O tempo não
falha e o
espírito de
serviço nunca se
engana.
Avancemos agora
nessas bases de
lealdade a nós
mesmos, sem
desconhecer o
espírito de
sequência que
rege todas as
realizações.
Estimaria
continuar, mas
não posso; o avô
Heitor e a vovó
Maria (6),
amigos do
coração,
recomendam o
estacato,
fim de assunto e
mudança de
negócio.
Estou na fase de
adaptação, como
é compreensível,
no entanto sei
que melhorarei
mais depressa do
que espero.
Perdi o meu
mandato provável
na Câmara, mas
não deixo de
estar numa
instituição
nova, na qual os
oradores ou
representantes
das “ideias
renovadoras” que
os animam, falam
o que querem e
como querem.
Isso aqui nos
cheira também à
libertação e,
pela mostra, já
sei que disporei
brevemente de
muito pano para
colaborar na
renovação da
vestimenta de
nossa vida
comunitária.
Muitas
lembranças para
Evelyn, e para
os pais queridos
fica o
respeitoso
carinho do filho
e amigo que lhes
deve tanto. (Heitor)
Observações:
Os números
anotados na
mensagem acima
significam:
(1) A
sexta-feira
referida é
22/10/1982,
momentos antes
da desencarnação
de Heitor.
(2) Fábio
Alencar, primo
de Heitor, com
16 anos na
época. (3)
A informação de
que o tiro foi
acidental foi
decisiva no
julgamento do
policial
Branquinho.
(4) Evelyn
é a viúva de
Heitor. (5)
Vovô Heitor é na
verdade bisavô
do comunicante e
avô de seu pai
Alencar Furtado.
(6)
Vovó Maria foi
bisavó de Miriã.
Nota do Redator:
O depoimento de
Alencar Furtado
e a descrição da
reunião em
Uberaba foram
extraídos do
jornal Folha
de Londrina
de 13/2/1983,
pág. 10.
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