A Revue Spirite
de 1868
Allan Kardec
(Parte
1)
Iniciamos esta edição
o
estudo da Revue
Spirite
correspondente ao ano de
1868. O texto condensado
do volume citado será
aqui apresentado com base na
tradução de Júlio Abreu
Filho publicada pela EDICEL.
Questões preliminares
A. Quais os princípios
do Espiritismo mais
facilmente aceitos?
Segundo Kardec, são a
pluralidade dos mundos
habitados e a
reencarnação. O primeiro
reúne adeptos até mesmo
no seio do materialismo.
O segundo está no estado
de intuição numa porção
de indivíduos, nos quais
é uma crença inata. Essa
crença tende, pois, a se
vulgarizar cada vez
mais, com o que o
Espiritismo só tem a
ganhar em termos de
adeptos.
(Revue Spirite de 1868,
pp. 4 e 5.)
B. O abade Poussin, em
sua obra sobre o
Espiritismo, reconhece
dois fatos positivos por
ele atribuídos à
doutrina espírita. Quais
são esses fatos:
O primeiro: O
Espiritismo envolve,
como numa imensa rede, a
sociedade inteira. O
segundo: Ele prestou à
Igreja o serviço de
derrubar as teorias
materialistas do século
18. As consequências
desses dois fatos são
comentadas por Kardec na
Revue.
(Obra citada, pp. 7 a
13.)
C. Que ideias contidas
no livro do abade
Poussin fortalecem o
Espiritismo?
Na Revue Kardec
menciona estas ideias:
1. A crença nos
Espíritos e sua
intervenção no domínio
de nossa vida remontam à
mais alta antiguidade.
2. Deus fez os Espíritos
seus embaixadores, diz o
salmista. São os
ministros de Deus, diz
São Paulo. 3. Cada ser
vivo neste mundo tem um
anjo que o dirige,
ensina Santo Agostinho.
4. O fato mais
interessante e mais
autêntico da história é
a evocação de Samuel por
uma pitonisa de Endor, a
pedido do rei Saul. A
médium que atendeu Saul
disse, depois do
episódio: “Eis que há
quarenta anos faço
profissão de evocar os
mortos a serviço de
estranhos; mas jamais vi
semelhante aparição”. 5.
O Eclesiástico,
reportando-se ao fato,
prova que ocorreu ali
uma verdadeira aparição,
e não uma alucinação de
Saul.
(Obra citada, pp. 13 a
17.)
Texto para leitura
1. O ano de 1867 foi,
como havia sido previsto
pelos Espíritos, muito
proveitoso para o
Espiritismo. Diversas
obras popularizaram na
França os seus
princípios. O número de
reuniões particulares,
ou de família, cresceu
em grande proporção. As
ideias espíritas se
infiltraram por uma
porção de brechas.
Dizendo isso, Kardec
adverte que estava,
porém, distante o dia em
que todas as prevenções
erguidas contra a
Doutrina seriam postas
abaixo, o que exigiria
tempo. Cada espírita
deveria, pois, trabalhar
e fazer a sua parte, sem
desânimo com a pouca
importância do resultado
obtido individualmente,
certo de que com o
acúmulo de grãos de
areia se pode formar uma
montanha. (Págs. 1 e
2.)
2. Os princípios do
Espiritismo mais
facilmente aceitos, diz
o Codificador, são a
pluralidade dos mundos
habitados e a
reencarnação. O primeiro
reúne adeptos até mesmo
no seio do materialismo.
O segundo está no estado
de intuição numa porção
de indivíduos, nos quais
é uma crença inata.
Trata-se de uma ideia
que sorri a muitos
incrédulos, porque aí
eles encontram
imediatamente a solução
de muitas dificuldades
que os levaram à dúvida.
Essa crença tende, pois,
a se vulgarizar cada vez
mais, com o que o
Espiritismo só tem a
ganhar em termos de
adeptos. O futuro do
Espiritismo, sem
contradita, está
assegurado; é preciso
ser cego para disso
duvidar; mas, adverte
Kardec, os seus piores
dias ainda não passaram
e muitos desafios virão
pela frente. (Págs. 4
e 5.)
3. A
Revue analisa o
livro que o abade
Poussin, professor no
Seminário de Nice,
escreveu sobre o
Espiritismo, sua origem,
natureza, certeza e
perigos. Trata-se de uma
obra de refutação do
Espiritismo do ponto de
vista católico. A
primeira parte do livro
é consagrada ao
histórico do Espiritismo
na Antiguidade e na
Idade Média. A segunda
parte é dedicada à parte
doutrinária. O abade não
contesta nenhum dos
fenômenos espíritas, mas
conclui que esses fatos
são miraculosos e de
fonte divina em certos
casos, e diabólicos em
outros. Na visão do
abade Poussin, o
Espiritismo “esforça-se
por minar surdamente a
Igreja católica”.
(Págs. 5 a 7.)
4. Embora seu propósito
fosse denegrir e não
enaltecer o Espiritismo,
o abade Poussin
reconhece em sua obra
duas coisas: 1a
– Que o Espiritismo
envolve, como numa
imensa rede, a sociedade
inteira. 2a –
Que prestou à Igreja o
serviço de derrubar as
teorias materialistas do
século 18. As
consequências desses
dois fatos são
comentadas por Kardec,
que faz a respeito as
seguintes observações: I
– Os espiritistas, em
grande maioria, são
recrutados entre os
incrédulos. II – Os
espíritas não creem nos
demônios nem nas chamas
do inferno, mas
acreditam firmemente em
um Deus soberanamente
justo e bom e entendem
que o mal não provém do
Pai, fonte de todo o
bem, nem dos demônios,
mas das próprias
imperfeições do homem;
que o homem se reforma e
que, por fim, vencer-se
a si mesmo é vencer o
demônio. III – Tal é a
fé dos espíritas, e a
prova de sua força é que
se esforçam por
tornar-se melhores,
dominar suas inclinações
más e pôr em prática as
máximas do Cristo,
olhando todos os homens
como irmãos, perdoando
aos inimigos e fazendo o
bem pelo mal, a exemplo
do Mestre. IV – O
Espiritismo não buscou
os que tinham fé e a
quem esta bastava, mas
sim aqueles a quem a fé
faltava. Como Jesus, ele
foi aos doentes e não
aos sãos, aos famintos e
não aos saciados. V –
Que foi que fez para os
trazer a si? Reclames,
anúncios, pregação em
praça pública? Violentou
as consciências?
Absolutamente, porque
esses são os meios da
fraqueza e ele tem como
regra invariável não
constranger ninguém,
respeitar todas as
convicções. VI – Os que
dizem que tais coisas
são obra de Satã devem
lembrar-se da resposta
que o Cristo deu aos
fariseus, que o acusavam
de curar os doentes e
expulsar os demônios com
a ajuda destes. VII –
Como dizia monsenhor
Frayssinous em suas
conferências sobre
religião, um demônio que
procurasse destruir o
reino do vício para
estabelecer o da virtude
“seria um demônio
esquisito, porque se
destruiria a si
próprio”. (Págs. 7 a
12.)
5. Concluindo seus
comentários e antes de
transcrever alguns
fragmentos da obra do
Sr. Poussin, o
Codificador asseverou:
“O Espiritismo não teme
a luz; ele a chama sobre
suas doutrinas, porque
quer ser aceito
livremente e pela razão.
Longe de temer para a fé
dos espíritas a leitura
de obras que o combatem,
ele lhes diz: Lede tudo;
pró e contra, e escolhei
com conhecimento de
causa”. (Pág. 13.)
6. Das ideias defendidas
pelo abade Poussin
destacamos os pontos
seguintes: I – Negar o
demônio é negar o
Cristianismo e negar
Deus. II – A crença nos
Espíritos e sua
intervenção no domínio
de nossa vida remontam à
mais alta antiguidade.
III – Deus fez os
Espíritos seus
embaixadores, diz o
salmista. São os
ministros de Deus, diz
São Paulo. IV – Cada ser
vivo neste mundo tem um
anjo que o dirige,
ensina Santo Agostinho.
V – O fato mais
interessante e mais
autêntico da história é
a evocação de Samuel por
uma pitonisa de Endor, a
pedido do rei Saul. VI –
A médium que atendeu
Saul disse, depois do
episódio: “Eis que há
quarenta anos faço
profissão de evocar os
mortos a serviço de
estranhos; mas jamais vi
semelhante aparição”.
VII – O Eclesiástico,
reportando-se ao fato,
prova que ocorreu ali
uma verdadeira aparição,
e não uma alucinação de
Saul. (Págs. 13 a
17.)
7. Entre as curiosidades
atraídas pela Exposição
de Paris, uma das mais
estranhas foi a dos
exercícios executados
pelos árabes da tribo
dos Aïssaouá. O Petit
Journal, de
30/9/1867, relatou uma
dessas sessões, referida
igualmente pela Revue.
Os Aïssaouá, diz a
reportagem, formavam uma
seita religiosa muito
espalhada na África,
sobretudo na Argélia. O
que se viu em Paris
assustou a todos, e com
inteira razão. Eis
alguns dos fatos
relatados pela imprensa:
I – Um árabe tomou um
carvão ardente e o pôs
na boca. II – A um outro
deram um pedaço de vidro
para comer; ele o tomou
e engoliu por inteiro.
III – Outro árabe trouxe
na mão um cacto de
espinhos compridos; cada
aspereza da folhagem era
como uma ponta acerada.
O árabe comeu a folhagem
picante, como comeríamos
uma salada de alface. IV
– Dez serpentes saíam de
um cesto; um árabe lhes
fez um agrado e as fez
enrolar em redor de seu
corpo. Depois escolheu a
maior e com os dentes
mordeu e lhe arrancou a
cauda; em seguida, com
uma dentada, arrancou a
cabeça da serpente e a
comeu. (Págs. 18 a
21.)
8. Encerrando o assunto
e sem aventar para os
fatos qualquer
explicação, Kardec
promete examiná-los
oportunamente. “Quem
sabe se o Espiritismo,
que já nos deu a chave
de tantas coisas
incompreendidas, não nos
dará ainda esta? É o que
examinaremos num próximo
artigo”, disse o
Codificador do
Espiritismo. (Pág.
22.)
9. Um interessante caso
de premonição,
verificado em Marennes,
é relatado pela Revue.
Seis meses antes do
falecimento de seu pai,
a sra. Angelina de Ogé
teve o pressentimento e
todas as sensações de
que tal fato se daria.
Kardec comenta a notícia
e reproduz comunicação
dada na Sociedade
Espírita de Paris sobre
o episódio. O Espírito
do pai tinha, em estado
de desprendimento,
conhecimento antecipado
de sua morte e da
maneira por que ela se
realizaria. Foi ele
próprio quem se
manifestou à filha, seis
meses antes, nas
condições que deviam se
produzir, para que, mais
tarde, ela soubesse que
era ele e, estando
preparada, não ficasse
surpreendida com sua
partida. Angelina tinha
também, como Espírito,
ciência do que iria
ocorrer. Foi isso que
lhe deu a intuição de
que alguém deveria
morrer nas condições por
ela referidas na carta
enviada a Kardec.
(Págs. 23 a 26.)
10. Segundo o Siècle
de 29/4/1867,
reproduzindo notícia
publicada pelo
Observateur, de
Avesnes, um operário
chamado Magnan, de 23
anos, desenterrou o
cadáver de sua mulher,
cuja morte ele não
aceitara de forma
alguma. Haviam-se
passado 17 dias desde o
óbito e, não obstante, o
corpo se achava em
perfeito estado de
conservação. Convencido
por seus amigos a
sepultar novamente o
cadáver, ele o recolocou
na sepultura, mas, no
dia seguinte, dizia não
se lembrar do que fizera
na véspera. Acreditava
tão-somente que sua
mulher o visitara
durante a noite.
(Págs. 26 e 27.)
11. Comunicação dada na
Sociedade Espírita de
Paris em 10/5/1867, por
intermédio do Sr. Morin,
revelou a causa do
curioso episódio. Quando
a mulher morreu, ela ali
permanecera em espírito.
Como o casamento dos
fluidos espirituais e
dos fluidos do corpo era
difícil de romper, em
razão da inferioridade
do Espírito, foi-lhe
preciso um certo tempo
para retomar a liberdade
de ação. Depois, quando
pôde, ela apoderou-se do
corpo do homem e o
possuiu, produzindo-se
então um verdadeiro caso
de possessão. Fora ela
quem levou o marido a
fazer o que ela queria,
para vê-lo sofrer. Em
uma anterior existência
cometeu-se um crime.
Aquele episódio foi
apenas o começo de um
processo de vingança que
ainda prosseguiria. Ela
prometera voltar e
voltou, e voltaria
outras vezes. (Págs.
28 e 29.)
12. O último livro de
Kardec: A Gênese, os
Milagres e as Predições
segundo o Espiritismo,
foi afinal posto à venda
a 6 de janeiro de 1868.
Ao dar essa notícia, a
Revue reproduziu
a tábua das matérias que
compõem os dezoito
capítulos da obra.
Desses, doze tratam da
Gênese segundo o
Espiritismo, três
focalizam os Milagres e
três cuidam das
Predições. (Págs. 30
a 32.)
13. Um longo artigo
sobre alucinação e
inspiração abre a
Revue de fevereiro
de 1868. Trata-se de um
dos manuscritos obtidos
mediunicamente pelo
jovem médium bretão que
confiara ao Sr.
Bonnemère o texto do
Roman de l’Avenir
(Romance do Futuro),
referido na Revue
de 1867. (Págs. 33 a
42.)
14. Do artigo citado
transcrevemos os pontos
adiante resumidos: I – A
alucinação é um estado
provocado por uma causa
moral que influi sobre o
físico e à qual se
mostram mais acessíveis
as naturezas nervosas.
II – A alucinação, por
um pequeno lado, toca a
loucura, como todas as
superexcitações
cerebrais. III -
Enquanto o delírio se
expressa sobretudo em
palavras incoerentes, a
alucinação representa
mais particularmente a
ação, a encenação. IV –
Presa de uma espécie de
febre interior, o
alucinado vive em meio
ao mundo imaginário que
sua imaginação
perturbada cria. V –
Essas visões fantásticas
existem para ele; ele as
vê, as toca e se
amedronta. VI – A
inspiração é mais rara
que a alucinação, porque
não se deve somente ao
estado físico, mas
sobretudo à situação
moral do indivíduo
predisposto a recebê-la.
VII – Há tantas
categorias de inspiração
e de inspirados quantas
faculdades existem no
cérebro humano para
assimilar os diferentes
conhecimentos. VIII – Os
inspirados são
geralmente seres puros,
ingênuos e simples,
sérios e refletidos,
cheios de abnegação e de
devotamento, sem
personalidade marcante,
bastante inteligentes
para assimilar os
pensamentos alheios, mas
não moralmente bastante
fortes para os discutir.
IX – Por vezes a
inspiração é
inconsciente de si
mesma. Às vezes um
médico, ao se aproximar
de certos doentes, acha
de súbito o remédio que
pode curá-los. Não foi a
ciência que o guiou; foi
a inspiração. X – O que
se dá com o médico, pode
ocorrer em todos os
outros ramos do trabalho
humano. Em certas horas
o fogo da inspiração nos
devora; há que ceder. XI
– A inspiração vem
indiferentemente de dia,
de noite, em vigília ou
durante o sono; exige
apenas recolhimento. XII
– Posto se dirija a
todos, a inspiração
desce mais geralmente
sobre as naturezas
doentias ou gastas por
uma sucessão de
sofrimentos, materiais
ou morais. XIII – A
alucinação é um estado
doentio, que o
magnetismo pode
modificar de maneira
salutar. A inspiração é
uma assimilação moral
que não se deve provocar
com passes magnéticos.
XIV – O alucinado
entrega-se
voluntariamente a
arroubos e a contorções
ridículas. O inspirado
geralmente é calmo.
(Págs. 33 a 42.)
(Continua no próximo
número.)