ANSELMO FERREIRA
VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
Variantes do
livre-arbítrio:
dois
casos reais
No apagar das luzes da
primeira década do
presente século fomos
brindados com duas
notícias muito
importantes e, ao mesmo
tempo, absolutamente
contrastantes.
Entendemos que ambas
merecem uma reflexão à
luz dos postulados espíritas-cristãos.
Ambas, aliás, foram
noticiadas pela
prestigiosa revista
Veja - considerada a
mais importante
publicação do país no
segmento de interesse
geral - na edição de 22
de dezembro de 2010. No
primeiro caso, o assunto
central foi o
estratosférico aumento
de salário autoconcedido
– com repercussão
altamente negativa -
pelos nossos
parlamentares. É de
conhecimento geral que
os “representantes do
povo” não têm medido
esforços nos últimos
anos, quando se trata de
legislar em causa
própria.
Não queremos nos colocar
contra o direito de
vossas excelências
receberem uma
remuneração digna e
justa, em que pese que
tais adjetivos
hodiernamente possam ter
uma conotação
exageradamente elástica.
Na verdade, nada mais
próximo de um pensamento
cristão do que uma
sociedade igualitária,
onde absolutamente todos
pudessem ter acesso a
direitos básicos, bem
como desfrutar das
mesmas oportunidades de
desenvolvimento social.
Mas não é assim ainda.
O fato é que vivemos
numa sociedade
fortemente regida pelo
signo da competição.
Desse modo, o mais
preparado, o mais rico,
o mais privilegiado,
enfim, desfruta de
condições de vida
excepcionais. Os mais
humildes, os mais
desprovidos, em
contrapartida, vivem uma
existência extremamente
penosa na qual
geralmente prevalece a
ausência de itens
básicos. A doutrina
espírita nos alerta –
com muita propriedade –
que os mais abastados
devem se precaver, pois
ao usufruírem um
presente róseo, eles
podem se perder e, em
consequência, semear um
futuro cinzento. Jesus
Cristo, a propósito, foi
muito específico com
relação aos perigos –
nem sempre claramente
detectados – que rondam
a vida dos
endinheirados.
É fato também que
vivemos numa sociedade
egoísta, em que o
“salve-se quem puder” ou
o “quem pode mais chora
menos” são pensamentos
que moldam de maneira
explícita as relações
humanas existentes. Os
setores e as classes com
mais poder de defesa dos
seus próprios interesses
cobram o quanto acham
que devem sem um mínimo
de hesitação. Já se foi
o tempo, por exemplo, em
que se chamava um
prestador de serviços e
ele nos cobrava um preço
justo pelo seu trabalho.
Mas tais coisas denotam,
grosso modo, um baixo
nível de consciência e
de espiritualidade.
Nesse sentido,
declarar-se profitente
desta ou daquela
religião não nos faz
necessariamente
criaturas
espiritualizadas. Mas
nenhuma classe se
encaixa melhor no perfil
acima descrito do que a
dos políticos. Salvo
raríssimas exceções, a
grande maioria é movida
apenas e tão-somente
pelo autointeresse.
Posto isto, o que
causou-nos sobressalto –
e certamente a milhões
de brasileiros – foi a
avidez, a
insensibilidade e a
falta de bom senso de
nossos deputados e
senadores ao se
permitirem um reajuste
de 62%. Além de se
tratar de um percentual
exorbitante e descabido,
já que ultrapassa em
larga medida a inflação
acumulada dos últimos
três anos, somados os
benefícios que cada um
deles deverá receber
mais de R$ 100.000,00
por mês. Ademais,
tamanha generosidade com
o dinheiro do
contribuinte tem um
efeito cascata
devastador. Afinal,
devido às leis vigentes,
as assembleias estaduais
e câmaras municipais
podem igualmente
reajustar os vencimentos
dos seus deputados
estaduais e vereadores,
respectivamente. Tal
medida enfraquece ainda
mais as já combalidas
finanças dos municípios
e estados brasileiros
considerando que irão
dispor de menos verbas
para investimentos. Mas
o que é mais triste é
ver o minguadíssimo
percentual de reajuste
que se cogita para os
aposentados. Na verdade,
ser aposentado no Brasil
é fazer parte de um
grupo que está sob
intensa provação
coletiva, exceção aos
oriundos de determinadas
classes trabalhadoras
como juízes, deputados,
senadores, fiscais etc.
O político brasileiro
tem, de modo geral, uma
lamentável tendência de
demonstrar permanente
menosprezo e indiferença
pela opinião pública que
chega a gerar
indignação. Parece que
nada abala certas
“convicções” de vossas
excelências. Vale
ressaltar que o nosso
parlamento é considerado
um dos mais bem pagos do
mundo (ver, a propósito,
em Veja de 29 de
dezembro de 2010,
matéria cujo título é
“Muito dinheiro, pouco
mérito”). Não obstante
essa “honrosa posição”
no ranking mundial das
remunerações de
políticos que ultrapassa
países ricos como Japão,
EUA, Canadá, Alemanha,
Reino Unido etc., nossos
parlamentares –
repetindo, uma vez mais,
salvo honrosas exceções
– apresentam um
desempenho e uma
produtividade pífios.
Afinal de contas,
quantos projetos
cruciais há anos estão
enfurnados nos porões do
Congresso aguardando
votação? Quantas
reformas básicas e
essenciais ainda não
foram colocadas em
prática porque nossos
congressistas não as
priorizaram? Quantas
leis que poderiam elevar
a condição geral do país
para melhor se nossos
digníssimos “servidores
públicos” lotados no
Congresso tivessem se
disposto a cumprir a
função básica (trabalhar
pela sociedade) para a
qual foram eleitos?
Infere-se, portanto, que
esmagadora percentagem
dos membros da classe
política – que milita,
aliás, numa atividade
extremamente importante
e necessária para dar
conta das demandas
sociais e institucionais
do mundo moderno – está
totalmente divorciada da
realidade que a cerca. É
igualmente paradoxal
observar que muitos,
embora sendo eleitos
para um cargo no
parlamento, “abdicam” do
mandato e acabam em
algum ministério ou
outra função no
executivo. Apesar de
estarmos vivendo num
século de profundas
transformações e
alterações na vida
humana, nossos
parlamentares não ouvem
o clamor dos seus
semelhantes (isto é, nós
eleitores). Embalados
por um egoísmo doentio
sem falar no irrefreável
desejo de ampliar os
seus espaços de
influência (poder) – em
todas as frentes
possíveis – não atinam
com o que os aguarda no
além-túmulo. A
preocupação de mandar,
tirar proveito e
barganhar lhes consome
inteiramente as energias
e os pensamentos. Almas
profundamente
insensíveis, insaciáveis
e egocêntricas não
percebem que “amanhã”
terão de prestar contas
dos seus atos para uma
justiça infalível e
incorruptível, muito
diferente da que, de
certa maneira, lhes
beneficiam. Aliás,
várias obras espíritas
recentemente publicadas
dão uma clara ideia dos
terríveis padecimentos
que aguardam todos os
que se escondem atrás de
um mandato quando
retornam ao mundo dos
Espíritos.
Mas felizmente nem tudo
é negro na atualidade.
Existe gente nesse mundo
devotada a fazer o bem
aos seus semelhantes,
apesar dos péssimos
exemplos advindos da
classe política. Assim
sendo, na aludida edição
da revista Veja,
como afirmamos no
início, também há um
exemplo maravilhoso e
inspirador do bom uso do
livre-arbítrio. São os
“Anjos de carne e osso”,
conforme se lê no
adequado título da
matéria. Ou seja, são
pessoas que empregam as
suas capacidades e mesmo
recursos para aliviar a
dor e o sofrimento dos
mais infelizes. Pessoas
notáveis que se empenham
vigorosamente em dar
algo mais à sociedade.
São empresários,
dentistas, médicos,
professores, artistas e
até mesmo jogadores de
futebol, entre outros,
cada qual contribuindo
com as suas habilidades
próprias para minorar a
dura experiência de vida
dos menos afortunados. A
reportagem relata
inúmeros casos que não
seria possível – por
falta de espaço –
descrever aqui. Todavia,
o que queremos enfatizar
é que existem diferentes
formas de empregarmos o
nosso livre-arbítrio.
Enquanto alguns fazem um
uso turvado,
inconsequente e perverso
dessa condição, outros
há que aproveitam-na
para se enriquecer em
virtudes e em ações
concretas voltadas ao
bem-estar dos seus
irmãos. O planeta Terra,
talvez mais do que
nunca, precisa de
Espíritos engajados no
ideal cristão dispostos
a servir para que se
alcance o equilíbrio da
natureza e o bem geral
das sociedades humanas,
por fim. São
oportunidades reais que
temos de usar o nosso
livre-arbítrio de
maneira positiva e
construtiva que, no
final, beneficiarão a
nós próprios.