A Revue Spirite
de 1868
Allan Kardec
(Parte
6)
Continuamos a apresentar
o
estudo da Revue
Spirite
correspondente ao ano de
1868. O texto condensado
do volume citado será
aqui apresentado com base na
tradução de Júlio Abreu
Filho publicada pela EDICEL.
Questões preliminares
A. O Espiritismo admite
a existência da
fatalidade?
Sim. Ele jamais a negou;
ao contrário, sempre
reconheceu a fatalidade
de certos
acontecimentos. O que
ele diz é que essa
fatalidade não entrava o
livre-arbítrio. Por
exemplo, o homem deve um
dia morrer; isso é
fatal; mas ele pode
apressar esse momento
pelo suicídio ou
cometendo excessos. O
indivíduo pode, pois,
ser livre em suas ações,
a despeito da fatalidade
que preside o conjunto.
A fatalidade é, assim,
absoluta para as leis
que regem a matéria, mas
não existe para o
Espírito, que pode
reagir sobre a matéria,
em virtude da liberdade
relativa que Deus lhe
concedeu.
(Revue Spirite de 1868,
pp. 193 a 201.)
B. Como explicar certos acontecimentos que parecem atingir uma pessoa
fatalmente?
Esses acontecimentos têm duas fontes bem
distintas: uns são
consequência direta da
conduta da pessoa na
existência presente;
outros são inteiramente
independentes da vida
presente e parecem, por
isso mesmo, devidos a
uma certa fatalidade.
Mas esta é aparente,
porque resulta da
escolha das provas que o
Espírito fez na
erraticidade, antes de
encarnar-se, com vistas
ao seu adiantamento. Os
acontecimentos
desagradáveis são, pois,
produto do
livre-arbítrio, não da
fatalidade, e se algumas
vezes são impostos por
uma vontade superior, o
fato se deve às más
ações cometidas em
existência precedente, e
não como consequência de
uma lei fatal.
(Obra citada, pp. 193 a 201.)
C. Alguma vez o
Espiritismo admitiu a
ideia da metempsicose?
Não. O Espiritismo jamais admitiu a ideia da
alma humana
retrogradando na
animalidade, o que seria
a negação da progresso.
A metempsicose não
existe.
(Obra citada, pp. 214 a
216.)
Texto para leitura
73. Além de vários elogios a Kardec e à sua
obra, o articulista,
reportando-se à doutrina
espírita, diz que nos
encontramos em presença
de uma doutrina geral
“que está perfeitamente
em relação com o estado
da ciência em nossa
época, e que responde
perfeitamente às
necessidades e às
aspirações modernas”. “E
o que há de notável –
acrescenta o jornalista
– é que a doutrina
espírita é mais ou menos
a mesma em toda a
parte.” (Pág. 177.)
74. Numa série de conferências feitas em abril
de 1868 pelo Sr. Chavée,
no Instituto livre do
boulevard dos
Capuchinhos, o orador
fez um estudo analítico
e filosófico dos Vedas e
das Leis de Manu,
comparados com o livro
de Jó e os Salmos. Eis,
do texto transcrito pela
Revue, algumas
observações feitas pelo
conferencista: I – A
alma é sem extensão; ela
não é estendida senão
por seu corpo etéreo e
circunscrita pelos
limites desse corpo, que
São Paulo chama
organismo luminoso.
II – Depois da morte, a
alma continua sua vida
no espaço, com seu corpo
etéreo, conservando
assim a sua
individualidade. III –
Entre nós, assistindo
invisíveis às nossas
palestras, certamente se
encontram muitos dos que
já morreram; eles estão
ao nosso lado e planam
acima de nossas cabeças;
veem-nos e nos escutam.
IV – Há fenômenos
patológicos que provam a
existência da alma após
a morte? Sim, há e vou
citar um. É ao
sonambulismo e ao êxtase
que vou pedir essas
provas. Diz Kardec que o
orador citou então
numerosos exemplos de
sonambulismo e de êxtase
que lhe deram a prova,
de certo modo material,
da existência da alma,
de sua ação isolada do
corpo carnal, de sua
individualidade após a
morte e, finalmente, de
seu corpo etéreo ou
perispírito. “As
conferências do Sr.
Chavée são, pois,
verdadeiras conferências
espíritas, menos a
palavra”, adverte
Kardec. “E, sob esse
último aspecto, diremos
que arvoram abertamente
a bandeira. Popularizam
as suas ideias
fundamentais sem ofuscar
os que, por ignorância
da coisa, tivessem
prevenção contra o
nome.” (Págs. 178 a
181.)
75. Uma alentada crítica assinada pelo Sr. Emile
Barrault a respeito da
obra A Religião e a
Política na Sociedade
Moderna, de Frédéric
Herrenschneider, antigo
sansimonista que depois
se tornou espírita,
fecha o número de junho
de 1868. Diz Emile
Barrault que a obra em
apreço é notável e que o
Sr. Herrenschneider
revelou-se um pensador
profundo e espírita
convicto, mas que não
concordava com todas as
conclusões a que ele
chegou, como, por
exemplo, a ideia de que
existem Espíritos que se
podem chamar Espíritos
ingleses, franceses,
italianos etc. Diremos,
sim - propõe o Sr.
Barrault -, que não há
Espíritos franceses ou
ingleses, mas que há
Espíritos cujo estado,
hábitos e tradições
impelem uns a se
encarnarem na França,
outros na Inglaterra,
como se vê, durante a
vida terrestre, as
pessoas agrupar-se
segundo suas simpatias e
caracteres. (N.R.:
Sansimonista: partidário
do sansimonismo, sistema
político e social
proposto por Claude
Henri de Rouvroy, Conde
de Saint-Simon
{1760-1825}, filósofo e
economista francês, um
dos precursores do
socialismo.) (Págs. 181
a 191.)
76. O número de julho da
Revue se inicia
com artigo de Kardec
sobre numerologia e
fatalidade. Do artigo
extraímos as
considerações que se
seguem: I – É certo que
leis numéricas regem a
maior parte dos
fenômenos de ordem
física. Dá-se o mesmo
nos fenômenos de ordem
moral e metafísica? Sem
dados mais certos do que
os que se possuem, não
há como responder
afirmativamente a tal
questão. II – O
Espiritismo jamais negou
a fatalidade de certos
acontecimentos; ao
contrário, sempre a
reconheceu. O que ele
diz é que essa
fatalidade não entrava o
livre-arbítrio. III –
Por exemplo, o homem
deve um dia morrer; isso
é fatal; mas ele pode
apressar esse momento
pelo suicídio ou
cometendo excessos. IV –
O indivíduo pode, pois,
ser livre em suas ações,
a despeito da fatalidade
que preside o conjunto.
A fatalidade é, assim,
absoluta para as leis
que regem a matéria, mas
não existe para o
Espírito, que pode
reagir sobre a matéria,
em virtude da liberdade
relativa que Deus lhe
concedeu. V – Nada há de
impossível que o
conjunto dos fatos de
ordem moral e metafísica
seja subordinado a uma
lei numérica, cujos
elementos e bases não
conhecemos ainda. A
fatalidade do conjunto,
contudo, de modo algum
eliminaria o
livre-arbítrio do
indivíduo. VI – Quanto
aos acontecimentos da
vida privada, que por
vezes parecem atingir
uma pessoa fatalmente,
têm duas fontes bem
distintas: uns são
consequência direta de
sua conduta na
existência presente;
outros são inteiramente
independentes da vida
presente e parecem, por
isso mesmo, devidos a
uma certa fatalidade.
VII – Esta é, porém,
aparente, porque resulta
da escolha das provas
que o Espírito fez na
erraticidade, antes de
encarnar-se, com vistas
ao seu adiantamento. Os
acontecimentos
desagradáveis são, pois,
produto do
livre-arbítrio, não da
fatalidade, e se algumas
vezes são impostos por
uma vontade superior, o
fato se deve às más
ações cometidas em
existência precedente, e
não como consequência de
uma lei fatal. VIII – Em
resumo, se um
acontecimento está no
destino de uma pessoa,
realizar-se-á a despeito
de sua vontade e será
sempre para o seu bem,
mas as circunstâncias de
sua realização dependem
do emprego que ela faça
do seu livre-arbítrio.
(Págs. 193 a 201.)
77. Examinando a teoria
da geração espontânea,
Kardec explica por que
em seu livro “A Gênese”
ele desenvolveu o tema
como uma hipótese
provável, não como um
princípio doutrinário. É
que, informa o
Codificador, a ciência
ainda não se definira
sobre o assunto. Embora
ele pessoalmente
aceitasse a teoria da
geração espontânea como
ponto resolvido, não
poderia inserir numa
obra constitutiva da
doutrina espírita algo
que pudesse mais tarde
ser decidido de forma
diferente. A cautela em
tudo é essencial e esse
foi o segredo do sucesso
d’ O Livro dos
Espíritos, cujos
princípios,
sucessivamente
desenvolvidos e
completados, jamais
foram desmentidos, a
despeito do tempo
decorrido. (Págs. 201
e 202.)
78. Em seguida,
resumindo seu pensamento
sobre a questão, Kardec
diz que os primeiros
seres dos reinos vegetal
e animal surgidos na
Terra devem ter-se
formado sem procriação,
mas pertenciam,
evidentemente, às
classes inferiores. À
medida que se reuniram
os elementos dispersos,
as primeiras combinações
formaram corpos
exclusivamente
inorgânicos, como a água
e os diferentes
minerais. Quando esses
elementos se modificaram
pela ação do fluido
vital, formaram corpos
dotados de vitalidade,
de uma organização
constante e regular,
cada um na sua espécie.
(Págs. 202 e 203.)
79. Os seres não
procriados formariam,
dessa forma, o primeiro
escalão dos seres
orgânicos. Quanto às
espécies que se
propagaram por
procriação, a opinião
geral no seio da ciência
é que os primeiros tipos
de cada espécie são o
produto da espécie
imediatamente inferior,
estabelecendo-se assim
uma cadeia ininterrupta,
desde o musgo e o líquen
até o carvalho, desde o
verme de terra e o oução
até o homem. Então o
corpo do homem pode ser
perfeitamente uma
mutação do corpo do
macaco, sem que se diga
que o seu Espírito seja
o mesmo que o do macaco.
(Págs. 203 e 204.)
80. O que se passou na origem do mundo para a formação dos
primeiros seres
orgânicos acontece ainda
em nossos dias? Essa é a
questão-chave e sobre a
qual a doutrina espírita
não firmara até então
nenhum entendimento,
embora Kardec se
pronunciasse claramente
pela afirmativa,
conforme os argumentos
que fecham seu artigo.
(N.R.: Emmanuel e
André Luiz tratam do
assunto objetivamente em
duas obras psicografadas
por Chico Xavier:
A Caminho da Luz,
de 1938, e
Evolução em Dois Mundos,
de 1958. Segundo
eles, a chamada geração
espontânea foi fruto, em
verdade, da ação
decisiva dos Gênios
Construtores que
operavam no orbe
nascituro sob o comando
de Jesus, trabalho que
não seria possível sem a
participação do
princípio inteligente
que, unido à matéria,
iniciava ali um longo
processo evolutivo.)
(Págs. 204 a 206.)
81. O Sr. Genteur,
Comissário do Governo,
em relatório enviado ao
Senado francês, atribuiu
ao Espiritismo o caráter
de partido
político, uma coisa
inconcebível sobretudo
quando se sabe que
Kardec jamais tratou em
suas obras e na Revue
de questões
políticas. Quatro
jornais: o Moniteur,
La Liberté, a
Revue Politique
Hebdomadaire e Le
Siècle,
reportaram-se ao
assunto, tendo um deles
– La Liberté –
afirmado que o
partido espírita
contribuía, no limite de
suas forças, para
“abalar as instituições
do império”. (Págs.
207 a 211.)
82. Dos quatro
periódicos, somente o
Le Siècle examinou o
assunto com moderação e
valeu-se até mesmo de
fina ironia ao comentar
o despropósito da
acusação do conselheiro
francês, o que se pode
aquilatar pelo trecho
seguinte: “Como este
inimigo, invisível até
agora para o próprio Sr.
Genteur, pôde
subtrair-se a todas as
vistas? Há nisto um
mistério, que o Sr.
conselheiro de Estado,
se o penetrar, terá a
bondade de nos ajudar a
compreender. Pessoas
oficialmente informadas
afirmam que o partido
espírita ocultava o
exército de seus
representantes, os
Espíritos batedores,
detrás dos livros das
bibliotecas de
Saint-Etienne e de
Oullins”. (Págs. 211
e 212.)
83. No folhetim de 24 e
25 de abril de 1868, sob
o título de “Paris
Sonâmbula”, Le
Siècle publicou
artigo assinado pelo Sr.
Eugène Bonnemère, autor
do Romance do Futuro,
em que o conhecido
escritor fez uma
exposição das diferentes
variedades de
sonambulismo e citou
claramente a doutrina
espírita e o nome
Espiritismo. Do artigo,
transcrito em parte pela
Revue, colhemos
os trechos que se
seguem: I – A morte não
existe. Ela é o instante
de repouso após a
jornada feita e
terminada a tarefa.
Depois, é o despertar
para uma nova obra, mais
útil e maior que a que
se acaba de realizar. II
– É pela sucessão das
gerações que a
Humanidade progride. III
– Por força das
conquistas
definitivamente
asseguradas, o mundo que
habitamos merecerá subir
na escala dos mundos. De
nós depende acelerar,
pelos nossos esforços, o
advento desse período
mais feliz. IV – O
materialismo e o
ateísmo, que o
sentimento humano repele
com todas as suas
energias, não passam de
uma reação inevitável
contra as ideias,
dificilmente admissíveis
pela razão, sobre Deus,
a natureza e o destino.
Alargando a questão, o
Espiritismo reacende nos
corações a fé prestes a
se extinguir. (Págs.
213 e 214.)
84. Depois de breve nota
sobre duas peças
encenadas em Paris –
O Elixir de Cornélio
e O Galo de Mycille –,
em que o núcleo da
história é a
reencarnação, a Revue
lembra que o
Espiritismo jamais
admitiu a ideia da alma
humana retrogradando na
animalidade, o que seria
a negação da progresso.
(Págs. 214 a 216.)
85. Da obra Monte-Cristo, de Alexandre
Dumas, a Revue
transcreve alguns
trechos em que a alusão
às ideias espíritas é
clara e direta, com
exceção da qualificação
de excepcionais
dada aos Espíritos que
nos cercam. “Esses
seres, afirma Kardec,
nada têm de excepcional,
desde que são as almas
dos homens, e que todos
os homens, sem exceção,
devem passar por esse
estado.” (Págs. 216 e
217.)
86. Kardec apresenta uma
resenha da obra A
Alma, de autoria do
Sr. Ramon de la Sagra,
membro correspondente do
Instituto de França,
sobre a qual ele diz: “A
obra do Sr. Ramon de la
Sagra é uma dessas cuja
publicação temos o
prazer de aplaudir,
porque, posto nela tenha
feito abstração do
Espiritismo, pode
considerar-se, como o
Deus na Natureza, do
Sr. Flammarion, e a
Pluralidade das
Existências, do Sr.
Pezzani, como
monografias dos
princípios fundamentais
da doutrina, às quais
eles dão a autoridade da
ciência”. (Págs. 217
a 222.)
87. Em todos os tempos –
refere o autor de a
Alma – fenômenos
espontâneos muito
frequentes, tais como a
catalepsia, a letargia,
o sonambulismo natural e
o êxtase, mostraram a
alma agindo fora do
organismo, mas a ciência
os desdenhou. Surge
agora uma nova
descoberta: a anestesia
pelo clorofórmio, de
incontestável utilidade
nas operações cirúrgicas
e cuja aplicação tem
permitido observar
exemplos inúmeros de
ação da alma a
distância, análogos aos
fatos relatados pelo Sr.
Velpeau à Academia das
Ciências. (Págs. 219
e 220.)
(Continua no próximo
número.)