MARCUS
VINICIUS DE AZEVEDO
BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II, Distrito
Federal (Brasil)
O real e o engenho
“(...) o meu primeiro
dia na escola, como
senti vontade de ir
embora.” -
Renato Russo (Legião
Urbana)
- Música O REGGAE
Naquela manhã todos os
pais levaram suas filhas
até as portas das salas
de aula. Não importava a
idade... Mais por medo
do que por zelo. Afinal,
as manchetes, os
telejornais, a internet
somente falavam da
tragédia que se abateu,
de mais um massacre de
crianças, que teve como
palco os bancos
escolares. Os muros mais
uma vez não protegeram a
nossa infância...
De todos os espaços
públicos – a praça, o
shopping, o hospital – a
escola se sagrava mais
uma vez eleita no mundo
das almas sofridas, como
lócus
privilegiado do seu
espetáculo, na busca de
chamar a atenção do
universo para os seus
demônios interiores.
Emblemático a escola ter
sido escolhida... Seria
lá o nascedouro desses
gênios do mal, dessa
raiva do mundo? Ou seria
apenas um lugar que pela
sua pureza, pelo seu
teor latente de
esperança, se viu como
alvo dessa loucura,
repleta de influências
da violência televisiva?
O perfil do agente da
barbárie não foge à
regra dessa casuística
no mundo. Dos problemas
familiares, na retração
do quarto escuro da sua
solidão, entre o real e
a loucura, no fascínio
pela revanche, de forma
apoteótica, sonhada de
forma ritualística.
Como professor, sempre
pensei que o nosso olhar
mais acurado deve se
voltar para os
retraídos, enquanto o
senso comum mira os
bagunceiros. Os mais
fechados não são
atingidos pelas nossas
interações e guardam em
si um fosso profundo em
que eles se escondem,
inatingíveis, vendo o
real de forma enviesada.
Mas, naquela manhã, o
real se fez tenebroso em
engenhos da morte. Mais
uma escola foi palco do
medo. Dessa vez, não de
balas perdidas típicas
da cidade maravilhosa, e
sim de balas doentes.
Como chegaram a essas
mãos as armas? Para a
nossa sociedade que
renegou o desarmamento,
por medo, é fácil de
responder.
Caso inédito no Brasil,
tirou de nós o restinho
de tranquilidade que
ainda tínhamos quando
deixamos, diariamente,
nossos filhos na escola
e encaramos o batente.
Digo ainda tínhamos,
pois os riscos na
escola, para alunos e
professores, são
inúmeros:
atropelamentos, bombas,
abuso sexual, drogas,
armas trazidas de casa,
bullying,
agressões verbais,
sequestros relâmpagos.
Podemos acrescentar
muito mais a essa lista,
verificando os
periódicos de nosso
Brasil varonil.
A escola encerra entre
seus muros as
contradições da
sociedade, a soma de
problemas e neuroses das
famílias, postos ali aos
cuidados de funcionários
e professores em seu
labor desvalorizado.
Esperam todos dessa
escola, como último
bastião da ordem social,
que ela dê conta de toda
essa gama de questões,
enquanto seguimos todos
amarelos de medo, como
dizia Drummond – pais,
alunos, professores e a
comunidade.
Tudo isso não justifica
por que em Realengo ou
em Columbine a escola é
pensada como palco desse
ódio. Faltam psicólogos
e assistentes sociais
nesse espaço? Falta
diálogo com a família?
Falta mais contato e
menos currículo? Ou será
que falta o lúdico, o
prazer coletivo de se
viver o tempo escolar?
Difícil de responder,
pois a escola reproduz
essa selva desvairada
que é a vida, de
exclusão e opressão, de
tribos e fossos.
Na escola deságua tudo,
como repositório das
memórias felizes de uns
e o suplício de outros.
Para Paulo Freire:
”Escola é... o lugar
onde se faz amigos. Não
se trata só de prédios,
salas, quadros,
programas, horários,
conceitos... Escola é,
sobretudo, gente, gente
que trabalha, que
estuda, que se alegra,
se conhece, se estima.”
Mas, para todo mundo é
essa escola que é
percebida?
Toda esta nossa teoria,
esta tergiversação e as
entrevistas com
especialistas não vão
equacionar o que
transcende um caso de
polícia, mostrando mais
uma faceta dessa
tragédia moderna, de
jovens revoltados com o
mundo, imbricados de
fundamentalismo, na
busca de encontrar a
atenção que valorize a
sua loucura.
Nem toda esta teoria vai
nos afastar do medo que
sentimos, a cada manhã,
ao deixar nossos filhos
na escola, em uma nova
Columbine tupiniquim,
onde só tínhamos medo de
ir ao cinema.
O medo é uma defesa
natural, mas fica a
reflexão de que a escola
e a comunidade têm que
trabalhar juntos, em uma
versão integral, sobre
cada um de seus filhos.
Mas, na atual
conjuntura, penso se
isso não é pedirmos
demais da escola e dos
professores, carentes de
recursos e repletos de
demandas.
O título deste artigo -
O real e o engenho
– advém da origem da
palavra Realengo, nome
de um bairro situado na
Zona Oeste do município
do Rio de Janeiro. Dom
Pedro I costumava ir
para a fazenda de Santa
Cruz pela estrada Real
de Santa Cruz, que
passava pelo Real
Engenho, onde muitas
vezes pernoitou. Como
"Engenho" era uma
palavra muito grande, a
abreviatura usada era "Engo".
E ficou "Real Engo" nas
placas de orientação
utilizadas na época,
surgindo daí o nome
Realengo, palco da
tragédia ocorrida no dia
7 último.