GUARACI LIMA SILVEIRA
glimasil@hotmail.com
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)
O Deus das lacunas
“Deus age por meio da poesia e da arte, dos santos e dos místicos.
Você não pode apreciar totalmente uma obra de arte examinando
a composição química de sua tinta. Da mesma forma, você não
pode entender a função de Deus no universo olhando apenas
para a sua natureza física.”- John Polkinghorne
Se o planeta possui hoje avançados conhecimentos nos campos das ciências e tecnologias que o capacitam a oferecer aos seus moradores situações de conforto pelo acréscimo e aprimoramento das estruturas em seus vários tópicos como nas áreas da saúde, segurança, indústria, transporte, arquitetura, justiça, comércio e tantas que permeiam o viver humano, tudo em parte deve ser creditado aos ilustres pesquisadores que, dos seus laboratórios, manipularam e manipulam recursos e informações que tornam capaz a vida na Terra como ela se faz hoje. Vale perpassar os olhos pelas histórias de todos os segmentos que compõem a ciência e o pensamento humano para vermos esforços hercúleos e gigantescos de pessoas que dedicaram suas vidas em procuras intermináveis de coisas novas que pudessem favorecer o homem para que sua caminhada fosse menos penosa e mais justa. Vale, igualmente, um olhar para o cientista e o pensador contemporâneos, fechados em seus isolamentos que os capacitam a ver, entender, modificar, compilar, agregar e engrandecer os recursos técnicos e sociais do nosso presente.
Ocorre, entretanto, que muitos pilares da ciência ainda negam a existência de Deus. Acham desnecessária Sua presença no mundo, uma vez que o mundo resolve a si mesmo. As reações físico-químicas, a justaposição dos fenômenos naturais, os ciclos em que eles acontecem, a sequência lógica dos eventos naturais costumam entusiasmar, persuadir e levar o pesquisador do presente a negar a existência de um Ser externo a este quantum de excelências.
Recentemente o teólogo e cientista da Universidade de Cambridge, Inglaterra, John Polkinghorne, fez interessante abordagem sobre este assunto. De maneira sensata e coerente, Polkinghorne, que também é o autor do livro: “Questões de Verdade: Respostas às Perguntas sobre Deus, Ciência e Fé”, colocou que: “a compreensão da relação entre ciência e religião não pode se basear meramente na antiga teoria do "Deus das lacunas", ou seja, a ideia de que Deus só conta para as coisas que a ciência não pode explicar. Ele sugere que, se Deus é o Deus das verdades, talvez, quanto mais a ciência avance, mais aprendamos sobre Ele.
Sabemos nós espíritas que: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”. Desta forma compete-nos colocar sempre esta questão em realce quando o assunto é veiculado, quer seja na mídia ou em conversas familiares e sociais, a fim de esclarecer as pessoas quanto à presença, criação e paternidade de Deus. É comum, ao vivermos situações de desespero, dores causadas por enfermidades físicas ou psicopatológicas, perdas de entes queridos, desentendimentos etc., que fogem ao nosso controle, também procedermos como os cientistas descrentes e buscarmos em Deus a magia dos milagres ou reestruturações indébitas, para, através delas, recebermos a ajuda e a misericórdia avidamente buscadas para, não raro, logo em seguida, retornarmos os mesmos caminhos que nos infelicitaram. Muitos ainda se valem da ideia pífia que possuem de Deus para imputar-Lhe a culpa das suas desditas, maldizendo impropérios e negando as suas responsabilidades, autodeclarando-se vítimas de Deus. Desta forma costumamos ter também o nosso “Deus das Lacunas”, pejorativamente colocado como argumento para encobrir a possível ignorância a respeito da vida e da criação, do universo e das suas leis, e da origem infinita das coisas e dos seres.
De fato estamos ainda muito longe de entendermos o que seja a Essência Suprema, criadora e mantenedora da vida. Contudo, não se deve antecipar fundamentos formulando conceitos primários e apressados sobre a existência ou não do Supremo Criador. Em algumas civilizações antigas ou em escolas iniciáticas e fechadas para o público leigo, onde o conhecimento da Entidade Máxima era tido como certa, o respeito a Seu nome era tal que nem era pronunciado. No decálogo lemos que não devemos dizer “Seu santo nome em vão”.
Na verdade todos somos um pouco cientistas. A palavra: “cientista” refere-se a qualquer pessoa que exerça uma atividade sistemática para obter conhecimento. Isto, segundo os dicionários. Estamos em constantes atividades e nelas sempre à procura de descobertas e aprimoramentos das nossas capacidades intelectivas e de criação. Somos, pois, cientistas num grau qualquer. Como tal, devemos nos cuidar em relação a teorias funestas que se perderão por falta de comprovação. Penaliza-nos alguém que queira demonstrar a inexistência de Deus. Acabarão desistindo por falta de argumento.
Polkinghorne sugere que: “esse mundo, com a capacidade de mudança e de criatividade, é indicativo de um deus que não intervém de forma mágica. Por exemplo, a crosta terrestre, como resultado do projeto de Deus, é livre para se comportar de acordo com a sua natureza. Isso pode levar a terremotos e tsunamis, mas, entretanto, a terra é livre para agir à sua maneira, assim como nós somos livres para agir à nossa maneira”. Cabendo aqui ressaltar o comprometimento que todos temos com o meio ambiente. Na questão 132 de “O Livro dos Espíritos”, respondendo a Kardec sobre qual o objetivo da encarnação dos Espíritos, os benfeitores espirituais colocam que, além da finalidade de nos levar à perfeição, tem também outra finalidade que é a “de pôr o Espírito em condições de encarregar-se de sua parte na obra da Criação”. Fica claro assim a nossa responsabilidade perante a Obra Divina. Somos partícipes dela, se até agora de forma inconsciente, que o façamos a partir de já de uma forma mais consciente. O planeta necessita da nossa ajuda para que ele possa cumprir os desígnios para os quais foi criado.
Cada vez mais o homem se aproxima da realidade de Deus. Cada vez mais os estudos estão convergindo para substituirmos o “Deus das Lacunas”, ou seja, aquele que aparece somente na hora em que não se podem explicar certos fatos, para o Deus eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom e que criou o universo, que compreende todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais, conforme consta no item VI da Introdução de “O Livro dos Espíritos”. Léon Denis em “O Porquê da Vida”, no cap. 4, descreve com maestria que “Deus é o centro para o qual convergem e onde vão terminar todas as potências do Universo. É o foco de que emana toda a ideia de justiça, de solidariedade, de amor, o alvo comum para o qual todos os seres se encaminham, consciente ou inconscientemente”.
Seria tão bom se a ciência se aliasse de vez a Deus. Ambos têm tudo a oferecer ao homem, às vezes perdido, às vezes disperso, às vezes confuso, obtuso, intransigente... Deve ser de todos a decisiva informação da verdade que se pode viver aqui e a consequente paz advinda dela para que possamos caminhar com harmonia e grandeza. E é tudo ainda tão novo nesta relação. Segundo Michael Turner, da Universidade da Califórnia, antes de um microssegundo de nascimento do Universo, até mesmo prótons e nêutrons não podiam existir: “o Universo era uma sopa dos constituintes básicos da natureza: quarks, léptons e os carregadores de força (os fótons, os bósons W e Z e os flúons)”. Vemos aí que os constituintes básicos da matéria são partículas menores do que os prótons e os nêutrons que compõem os átomos, juntamente com os elétrons. Suas propriedades são inteiramente aleatórias e ninguém nunca isolou um único quark em laboratório. E daquelas partículas primordiais se origina a matéria em todos os seus estados, em todas as suas expressões.
Aí a prova da necessidade de nos aliarmos definitivamente a Deus para entendermos nosso mundo e para entendermos como tudo se originou. Perguntamos: de onde vieram os quarks, os léptons e os carregadores de forças? Quem os produziu com tamanha textura embora de apresentação ínfima? Onde a causa principal de tudo isto? Esta é mais uma “Lacuna de Deus”. É onde a Ciência O busca como fator de explicação, porém taxando o caso como mistério, possibilidades e ainda: “por enquanto acreditamos que exista sim uma força propulsora e primeira”.