ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel Delanne
(Parte 4)
Damos continuidade nesta
edição ao estudo do
livro O Espiritismo
perante a Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science, publicada
originalmente em Paris
em 1885.
Questões preliminares
A. As questões
metafísicas entram no
campo de estudo dos
positivistas?
Não. Os positivistas têm
por objetivo o estudo da
natureza pelos sentidos,
pela observação e pela
análise. Tudo o que se
afasta dessa ordem de
coisas é para eles o
desconhecido, o
porquê, ao qual
renunciam,
deliberadamente,
pesquisar. As realidades
dos metafísicos podem
existir, não as negam;
mas como não entram no
domínio dos fatos
sensíveis, acham inútil
e perigoso querer
defini-las.
(O Espiritismo perante a
Ciência, Primeira Parte,
Cap. II, O materialismo
positivista.)
B. Podemos explicar, de
modo preciso, o que se
chama senso íntimo?
Não se pode precisar em
que consiste essa
propriedade de nos
conhecermos, que se
chama senso íntimo;
é impossível
encontrar o órgão que
lhe corresponda;
entretanto, ninguém
recusará sua
manifestação, que se
afirma por um exercício
ininterrupto.
(Obra citada, Primeira
Parte, Cap. II, O
materialismo
positivista.)
C. No tocante ao estudo
do cérebro, que
contribuição devemos ao
fisiologista J. Luys?
Autor do livro O
Cérebro e suas funções,
Luys aperfeiçoou os
métodos de investigação
da substância cerebral,
empregando uma série de
cortes metodicamente
espaçados, de milímetro
em milímetro, quer no
sentido horizontal, quer
no vertical, quer no
antero-posterior; e
esses cortes, praticados
segundo as três direções
da massa sólida que se
trata de estudar, foram
reproduzidos pela
fotografia.
(Obra citada, Primeira
Parte, Cap. II -
O cérebro e suas
funções.)
Texto para leitura
92. Os positivistas têm
por objetivo o estudo da
natureza pelos sentidos,
pela observação e pela
análise. Tudo o que se
afasta dessa ordem de
coisas é para eles o
desconhecido, o
porquê, ao qual
renunciam,
deliberadamente,
pesquisar. As realidades
dos metafísicos podem
existir, não as negam;
mas como não entram no
domínio dos fatos
sensíveis, acham inútil
e perigoso querer
defini-las; em suma,
elas são incognoscíveis,
isto é, inteiramente
fora do alcance do
entendimento.
93.
Além da esfera dos
fenômenos comprovados,
existe um desconhecido
que o espírito procura
em vão penetrar; assim,
Littré, traçando o
programa da escola,
recomendou absoluta
neutralidade em todas as
questões dogmáticas
relativas à essência das
coisas. Ele o afirma
nitidamente nesta
passagem: “Não se
conhecendo nem a origem
nem o fim das coisas,
não há motivo para negar
que haja algo além dessa
origem e desse fim (isto
é contra os
materialistas e os
ateus), assim como não
há razão para o afirmar
(isto agora é contra os
espiritualistas, os
metafísicos e os
teólogos). A doutrina
positiva põe de lado a
questão suprema de uma
inteligência divina,
pelo fato de reconhecer
sua absoluta ignorância
nesse sentido, como
aliás acontece às
ciências particulares,
que lhe são afluentes,
no que toca à origem e
ao fim das coisas, o que
implica necessariamente
que, se a doutrina
positiva não nega a
inteligência divina, não
a afirma; conserva-se
perfeitamente neutra
entre a negação e a
afirmação, as quais se
valem, no ponto em que
estamos.
Não é preciso dizer que
ela exclui o
materialismo, que é uma
explicação daquilo que
ninguém pode explicar.
Não busca mais o que o
naturalismo tem de
exorbitante, pois
exclama, como De
Maistre, falando da
Natureza: quem é esta
mulher?”
[i]
94. Vê-se, está bem
claro, que o verdadeiro
positivista não se deve
inclinar para nenhum
sentido; é-lhe
absolutamente interdito
meditar sobre os
problemas que não se
podem resolver pelo
método direto da análise
e da observação. Mas, em
que pese isso, o mais
ilustre representante da
ciência positiva é
materialista, senão em
princípio, pelo menos
efetivamente. Contrário
ao seu programa e à
realidade, afirma que a
matéria pensa, e crê que
a Natureza se governa
por si mesma. São estas
conclusões que nós
denunciamos como falsas,
em virtude das razões
que expusemos no
capítulo precedente.
95. O método positivo
rejeita todo instrumento
de estudo que não os
sentidos; mas existe em
nós essa propriedade de
nos conhecermos que se
chama senso íntimo,
e que tem seu valor,
pois é por ele que somos
informados da existência
do pensamento. Sem
dúvida, não se pode
precisar em que
consiste; é impossível
encontrar o órgão que
lhe corresponda;
entretanto, ninguém
recusará sua
manifestação, que se
afirma por um exercício
ininterrupto.
96. Esse declive, por
onde escorregam os
positivistas, leva-os,
fatalmente, ao
materialismo, do qual,
teoricamente, têm a
pretensão de se
afastarem. O desdém que
mostram por tudo que não
é diretamente mensurável
denota a negação
antecipada das
realidades espirituais.
Apesar de toda a sua
ciência, não podem
explicar o pensamento;
ele se produz em
condições determinadas
que têm, sem dúvida,
certa relação com
estados especiais do
cérebro; mas, como
sucede com Moleschott,
não lhes é possível
afirmar que esse
pensamento seja produto
do cérebro.
97. O cérebro, sua
composição, seu modo de
funcionamento, tal é o
campo de batalha atual
onde se concentram os
esforços dos partidos
opostos. É penetrando
nas profundezas de sua
constituição íntima,
perscrutando com
tenacidade os recônditos
desse órgão, que um
sábio fisiologista,
Luys, espera dar ganho
de causa aos
positivistas. Ele quer
mostrar que a atividade
intelectual é produzida
simplesmente pelo jogo
das forças naturais das
células do córtice
cerebral, estimuladas
pelas excitações do
exterior e trazidas
pelos nervos
centrípetos.
98. É consequente com
suas doutrinas, porque,
hoje, a maior parte dos
discípulos de Littré
professam injustificável
horror pela antiga
filosofia; repelem em
bloco todos os fatos
certos, aos quais se
tinha chegado pelo
estudo atento dos
estados de consciência,
para adotar uma
psicologia nova, que
absolutamente não
participa de qualquer
filosofia, antes
constitui outra ciência.
99. Essa psicologia não
se ocupa da alma e de
suas faculdades,
consideradas em si
mesmas, senão dos
fenômenos pelos quais se
manifesta a inteligência
e das condições
invariáveis das leis que
regem a sua produção.
Ela não pede só à
consciência que lhe faça
conhecer o espírito; não
se limita à ação
interna, que julga,
muitas vezes, ilusória,
mas apela para o método
das ciências naturais e
dispõe, por vezes,
apesar da delicadeza do
assunto e do temor
respeitoso que a domina,
da própria
experimentação, graças à
patologia.
100. Seu primeiro
princípio, seu ponto de
partida, é o fato,
admitido há pouco tempo
pela ciência oficial, de
que o cérebro é o órgão
do pensamento, do
espírito, ou melhor, que
a inteligência, a alma –
se quisermos compreender
sob esse vocábulo o
conjunto das ideias e
dos sentimentos – é uma
função do cérebro.
101. Retomemos, ainda
uma vez, o estudo do
cérebro, não mais o
encarando, com
Moleschott, sob o ponto
de vista de sua
composição química, mas
em sua estrutura
anatômica e em sua vida
fisiológica. Seguiremos,
passo a passo, o livro
do fisiologista J. Luys:
O Cérebro e suas
funções, e poremos
ainda aí, em evidência,
todos os artifícios
empregados para falsear
as conclusões naturais
dessas investigações,
que são todas a favor
dos espiritualistas.
102. Luys é um
experimentador de
primeira ordem;
aperfeiçoou os métodos
de investigação da
substância cerebral,
empregando uma série de
cortes metodicamente
espaçados, de milímetro
em milímetro, quer no
sentido horizontal, quer
no vertical, quer no
antero-posterior; e
esses cortes, praticados
segundo as três direções
da massa sólida que se
trata de estudar, foram
reproduzidos pela
fotografia.
103. O sistema nervoso
do homem apresenta 3
grandes divisões:
1 - O cérebro e o
cerebelo
[ii]
2 - A medula espinhal
3 - Os nervos.
104. Não trataremos aqui
da medula espinhal nem
dos nervos; o que nos
interessa é o cérebro,
que é constituído por
dois hemisférios - A e C
- reunidos por meio de
uma série de fibras
brancas transversais - B
-, que fazem comunicar
as partes semelhantes de
cada lobo, de modo que
as duas metades façam um
só corpo, cujas
moléculas estão todas em
relação umas com as
outras.
105. Cada lobo, tomado
separadamente, apresenta
por seu turno: 1 -
Massas de substância
cinzenta; 2 -
Aglomerações de fibras
brancas, que fazem
comunicar duas partes
semelhantes de cada
hemisfério.
106. A substância
branca, inteiramente
composta de tubos
nervosos justapostos,
ocupa os espaços
compreendidos entre a
superfície dos lobos e
os núcleos centrais. As
fibras que a constituem
representam traços de
união entre tal ou qual
região do córtice
cerebral e tal ou qual
dos núcleos centrais.
107. Podem ser
consideradas como uma
série de fios elétricos
estendidos entre duas
estações e em duas
direções diferentes. As
que reúnem os diversos
pontos da superfície dos
hemisférios aos núcleos
centrais são comparáveis
a uma roda, cujos raios
ligam a circunferência
ao centro; as outras se
dirigem transversalmente
e juntam duas partes
semelhantes de cada
hemisfério.
108. A substância
cortical cinzenta se
apresenta sob a
aparência de uma lâmina
cinzenta, ondulosa,
dobrada muitas vezes
sobre si mesma, e
formando uma série de
sinuosidades múltiplas,
cujo fim é aumentar-lhe
a superfície.
109. Pensou-se que havia
nessas dobras certas
disposições gerais; seu
maior número, porém,
toma as mais variadas
formas, conforme os
indivíduos. A espessura
da camada cerebral é em
média de 2 a 3
milímetros; em geral, é
mais abundantemente
repartida nas regiões
anteriores do que nas
regiões posteriores. A
massa varia conforme a
idade e a raça:
Gratiolet notou que nas
espécies de pequena
estatura a massa da
substância cortical é
pouco abundante.
110. Quando se toma uma
fatia delgada dessa
matéria cinzenta do
córtice cerebral e a
comprime entre duas
lâminas de vidro,
nota-se que ela se
divide em zonas de
desigual transparência e
que estas zonas se
dispõem em uma estriação
regular e fixa. Veremos
o que apresenta o
córtice cerebral, visto
a olho nu, o que todos
podem verificar em
cérebros frescos.
(Continua no próximo
número.)
[i]
Revue de
Philosophie
Positive,
jan. 1880. |
[ii]
Embora o autor
refira apenas o
cérebro e o
cerebelo, é mais
correto dizer: o
cérebro e o
cerebelo, a
protuberância
anular e o bulbo
raquidiano, a
menos que se
prefira dizer
simplesmente o
encéfalo.
Em verdade,
podemos, com
Testut,
considerar o
sistema nervoso
do homem formado
de duas classes
de órgãos,
grupados em duas
grandes
divisões:
1) órgãos
centrais -
centros nervosos
- que constituem
o sistema
nervoso central;
2) órgãos
periféricos -
nervos - que
constituem o
sistema nervoso
periférico.
O sistema
nervoso central
é formado por um
eixo de
substância
nervosa, que
ocupa
integralmente a
cavidade óssea
constituída pelo
crânio e pela
coluna
vertebral; é o
neuro-eixo, eixo
encéfalo-medular
ou cerebrospinal
ou ainda
mielencéfalo.
Dois órgãos
proeminentes
formam esse eixo
nervoso: o
encéfalo e a
medula espinal,
aquele de forma
ovoide, ocupando
a cavidade
craniana, esta
de forma
tronco-cônica
alongada,
enchendo a
cavidade ou
canal existente
na coluna
vertebral,
formada pelo
empilhamento das
vértebras.
Deixando de
lado, como faz o
autor, a medula
espinal e os
nervos
periféricos,
encaremos apenas
o encéfalo, pois
é deste que faz
parte o cérebro,
a que o autor
empresta
interesse todo
particular.
O encéfalo
apresenta-se
constituído de
cinco partes que
são, indo-se de
baixo e de trás
para cima e para
frente:
1) bulbo
raquidiano,
também chamado
medula
oblongata,
porque continua
para cima a
medula espinal,
no eixo nervoso;
2) protuberância
anular;
3) cerebelo;
4) pedúnculos
cerebrais -
parte do
encéfalo que
liga as três
partes;
5) o cérebro -
com os chamados
hemisférios
cerebrais.
São essas cinco
as partes do
encéfalo
existentes no
homem já
devidamente
desenvolvido. É
útil, no
entanto, para
melhor
compreensão da
anatomia e da
fisiologia
nervosas, saber
que no embrião,
inicialmente, só
existiam três
vesículas
primitivas
chamadas
cérebros
anterior, médio
e posterior.
Mais tarde os
cérebros
anterior e
posterior
dividiram-se,
cada um, em duas
vesículas
secundárias, do
que resultaram
no embrião mais
desenvolvido,
cinco vesículas
cerebrais
distintas, que
se chamam:
cérebro anterior
definitivo,
prosencéfalo ou
telencéfalo, do
qual se
originaram os
hemisférios
cerebrais;
cérebro
intermediário,
talamoencéfalo
ou diencéfalo,
que deu origem
aos tálamos
óticos, também
chamados camas
óticas; cérebro
médio ou
mesencéfalo, de
que se
originaram os
pedúnculos
cerebrais;
cérebro
posterior
definitivo ou
meteno falo, do
qual se
originaram o
cerebelo e a
protuberância
anular;
trascérebro,
medula oblongata
ou mielencéfalo,
do qual se
formou o bulbo
raquidiano. No
curso do seu
desenvolvimento,
entretanto, o
cérebro
intermediário,
talamoencéfalo
ou diencéfalo se
integrou aos
hemisférios
cerebrais,
provenientes do
cérebro anterior
definitivo, pelo
que sob a
designação geral
de cérebro se
estudam os
hemisférios
cerebrais e os
núcleos da base
cerebral - os
tálamos óticos.
É ao cérebro
assim
compreendido,
incluindo em seu
conjunto os
tálamos óticos,
que se refere
amplamente o
autor, em
harmonia, aliás,
com o que se lê
no Tratado de
Anatomia Humana
de
Testut-Latarget,
2º tomo, pág.
896, 9ª edição,
de Salvat
Editores S.A.,
Barcelona,
Madrid, 1960,
que, data vênia,
transcrevemos
atualizada:
“O cérebro
constitui a
parte anterior e
superior do
encéfalo. Dos
diferentes
segmentos que
entram na
constituição do
eixo cérebro
medular, é há um
tempo o mais
volumoso, mais
importante e
mais nobre: a
ele chegam, em
definitivo,
todas as
impressões
chamadas
conscientes,
recolhidas na
periferia pelos
nervos
sensitivos e
sensoriais e
dele partem
todas as
incitações
motoras
voluntárias logo
transportadas
aos aparelhos
musculares pelos
nervos motores;
o cérebro é,
finalmente, o
ponto onde têm
assento as
faculdades
intelectuais,
com as quais tem
relações
íntimas, que,
nem por serem
pouco
conhecidas,
deixam de ser
indubitáveis.
Anatomicamente,
compreende os
hemisférios
cerebrais
propriamente
ditos, com seus
ventrículos
lateriais, e os
tálamos áticos
com o ventrículo
médio, isto é, o
cérebro médio
(diencéfalo) e o
cérebro anterior
(telencéfalo).
No curso de seu
desenvolvimento,
este incorpora o
cérebro médio de
tal maneira que
no adulto não é
possível separar
no estudo um do
outro.” -
(Nota da
Editora.)