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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 215 - 26 de Junho de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 8)
 

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. No sonambulismo natural quem dirige o movimento do corpo?

Segundo Delanne, é a alma quem, mesmo sem o socorro do sentidos, dirige o corpo e suas ações, como é comprovado pelos fatos. (O Espiritismo  perante a Ciência, Segunda Parte, Cap. II – O sonambulismo natural.)

B. É verdade que o sonâmbulo pode agir tendo os olhos completamente fechados?

Sim. Vários fatos o demonstram. O caso do farmacêutico da Pavia, relatado pelo professor Soave, da Universidade de Pádua, é um exemplo expressivo das ocorrências desse tipo. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. II – O sonambulismo natural.)

C. Há uma característica peculiar aos casos de sonambulismo magnético. Qual é ela?

A inteira insensibilidade da pele. Em tal estado, pode-se impunemente picar o adormecido, beliscá-lo, fazer-lhe queimaduras e ele não desperta nem dá qualquer sinal de sofrimento. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. III – O sonambulismo magnético.) 

Texto para leitura

201. Os fatos que se seguem foram tomados ao Doutor Debay, que faz profissão de materialismo e que não é benévolo para com os espiritualistas, em geral, e os espíritas, em particular. Exporemos, depois, as teorias luminosas que ele apresenta, admitidas em geral pelos incrédulos, e mais uma vez assinalaremos a lamentável insuficiência desses sistemas, que querem dispensar a alma, na explicação dos fenômenos da vida.

202. É este o primeiro caso observado pelo próprio doutor: “Por bela noite de verão, percebi, à claridade da lua, uma forma humana caminhando pelos telhados de uma casa muito alta; vi-a rastejar, estender-se, e depois se agarrar fortemente aos ângulos agudos do teto e assentar-se no alto da cumeeira. Para melhor observar essa estranha aparição, muni-me de um binóculo, e distingui, claramente, uma mulher ainda jovem com o filhinho nos braços, estreitado ao peito. Ela ficou perto de meia hora nessa perigosa posição; desceu, depois, com surpreendente agilidade e desapareceu. No dia seguinte, à mesma hora, fez a mesma ascensão, na mesma atitude, e com a mesma agilidade percorreu os telhados. De manhã, relatei ao proprietário da casa o que vira. Ele me ouviu assustado e contou que sua filha era sonâmbula, mas ignorava completamente os seus passeios noturnos; induzi-o a tomar minuciosas precauções, a fim de impedir um terrível acidente. Veio a noite e vi, ainda, a moça executando as manobras dos dias precedentes; corri de novo a advertir o pai; encontrei-o triste e pensativo. Disse-me que, depois de a filha deitar-se, tinha ele mesmo lhe fechado a porta do quarto, com dupla volta, tomando ainda a precaução de colocar um cadeado por fora. Ah! – dizia ele – a pobre rapariga, não tendo outra salda, abriu a janela, e, como de costume, dirigiu-se para o telhado. De volta, após um quarto de hora, bateu com o punho num batente da janela que o vento fechara, ferira-se ligeiramente e acordou dando um grito agudo. Por inaudita felicidade, a criança, que escapara de suas mãos, caíra numa poltrona, que ela tivera o cuidado de colocar junto à janela, para lhe servir de degrau. Nesse momento, a sonâmbula entrou. Era uma mulher delicada e adoentada; trazia no rosto, interessante, o cunho da tristeza e denotava uma idiossincrasia histérica. A prisão do marido, condenado político, impressionara-a extremamente e contribuía para sua exaltação moral. Quando lhe falei dos seus passeios perigosos, sorriu languidamente e não quis acreditar. Enfim, interrogando-a sobre a natureza dos seus sonhos, disse ela que parecia ter tido, havia já alguns dias, um sono pesado, penoso; umas vezes sonhava que gendarmes, guardas, toda a horda de policiais lhe invadia o domicílio, para apoderar-se do republicano; outras vezes era ao filho e a ela que queriam levar. Seguia-se-lhe ao despertar grande lassidão; sentia-se fatigada, triste, abatida, com dor de cabeça, e tudo atribuía à dolorosa separação que a privava do esposo.”

203. Sobre a narrativa precedente, o doutor fez as seguintes observações: “Refletindo-se nas condições físicas e morais dessa moça, descobre-se que ela era predisposta ao sonambulismo, por sua organização, e que um pensamento a acompanhava sempre: a prisão do marido. Dessa ideia, durante o sono, nasciam muitas outras, por associação: o órgão encefálico, fortemente estimulado, punha em jogo o aparelho locomotor e o dirigia para o teto da casa. O motivo dessa perigosa ascensão eis o perigo de que se acreditava ameaçada, ela e seu filho.”

204. Comentando tal explicação, Delanne diz que, em tal estado, era preciso reconhecer que a alma dirigia o corpo sem o socorro dos sentidos, e, para que a dúvida não seja possível, apresenta, do mesmo autor, dois outros fatos nos quais, com o corpo adormecido, gozava a alma de todas as suas faculdades intelectuais.

205. Segundo o professor Soave, da Universidade de Pádua, um farmacêutico da Pavia, sábio químico, a quem se devem importantes descobrimentos, levantava-se todas as noites, durante o sono, e ia a seu laboratório continuar os trabalhos inacabados. Acendia os fornos, preparava os alambiques, retortas, vasos, etc., e prosseguia em suas experiências com uma prudência e agilidade, de que, acordado, talvez não fosse capaz. Ele manejava, então, as mais perigosas substâncias e os mais violentos venenos, sem que jamais lhe acontecesse o menor acidente. Quando lhe faltava tempo para preparar, durante o dia, as receitas mandadas aviar pelos médicos, ia buscar na gaveta onde estavam fechadas, abria-as, colocava-las na mesa, umas sobre as outras, e procedia ao seu preparo, com todo o cuidado e as precauções requeridas. Terminados os trabalhos, ele extinguia os fornos, punha em ordem os objetos e voltava para a cama, onde dormia tranquilo até à hora de acordar.

206. Nota o prof. Soave que o sonâmbulo tinha constantemente os olhos fechados, Ora, se a memória dos lugares e a ideia de acabar os trabalhos bastassem para guiá-lo no laboratório, a leitura e o preparo das receitas, cujo conteúdo ignorava, ficariam inexplicáveis.

207. Conta também o Dr. Esquirol que um farmacêutico se levantava todas as noites e preparava as poções cujas fórmulas se encontravam na mesa. Para verificar se havia discernimento por parte do sonâmbulo, ou apenas movimentos automáticos, um médico colocou no balcão da farmácia a nota seguinte: “Sublimado corrosivo, 2 oitavas;  Água destilada, 4 onças. Para tomar de uma vez.” O farmacêutico levantou-se durante o sono e, como de hábito, desceu a seu laboratório; apanhou a receita, leu-a várias vezes, pareceu muito espantado e entabulou o seguinte monólogo, que o autor da narrativa, oculto no laboratório, escreveu palavra por palavra: “É impossível que o doutor não se tenha enganado nesta fórmula; 2 grãos já seria bastante; mas há aqui legivelmente escrito 2 oitavas, que são mais de 150 grãos. Isto é mais do que suficiente para envenenar 20 pessoas. Ele enganou-se, indubitavelmente. Não preparo esta porção.” O sonâmbulo tomou, em seguida, diversas prescrições que estavam na mesa, preparou-as, rotulou-as e colocou-as em ordem para serem entregues no outro dia.

208. Temos três casos de sonambulismo natural, impossíveis de compreender sem admitir-se a existência de um princípio espiritual, diretor da matéria e não submetido ao sono como o corpo, mas os sábios procuram disfarçar a ignorância, por meio de teorias obscuras, mais difíceis de admitir que as nossas. Assim, Debay explica que o olho não é o único órgão por onde se opera a visão e que pode transmitir ao cérebro a percepção dos objetos.

209. Somos desta opinião; onde diferimos é na interpretação do mecanismo da vista sonambúlica, que, segundo, o nosso doutor, se pode fazer pela ponta do nariz, pelo epigástrio ou pela extremidade dos dedos! Não ria, leitor! Dr. Debay pretende que a visão pelo epigástrio ou pela ponta do nariz não é tão sem fundamento como poderia acreditar-se; que existem, talvez, ramificações do nervo ótico, que vão a essas extremidades, e por elas o sonâmbulo poderá guiar-se.

210. Se nos deixássemos levar por essa concepção, docemente fantasista, seria possível justificar a crença de que o homem perfeito seria o que possuísse um olho fixo à extremidade de uma longa cauda móvel. “Pela hipótese das ramificações – continua Debay – o estímulo exterior agiria sobre essas anastomoses desconhecidas e as vibrações que determinassem no cérebro bastariam para produzir a percepção.” E acrescenta gravemente: “Não convém negar; mais sábio é duvidar, esperando novas demonstrações.”

211. Que se deve dizer diante de tais suposições? Para uma discussão séria é preciso examinar o primeiro caso assinalado. Debay explica esses fenômenos por uma comparação. Assim como um comandante dirige seu navio servindo-se de um mapa, da mesma forma, no sonambulismo, a memória dirige o corpo pelas impressões que ela lhe fornece. Admira ver um médico, um fisiologista emitir tal asserção. Não sabíamos que a memória dirige o corpo, mas a vontade, guiada por diversas influências, de que uma delas poderia ser a memória.

212. Apesar da dificuldade em admitir tal teoria quando os movimentos do indivíduo se produzem numa residência que lhe é habitual, que dizer das circunstâncias em que o sonâmbulo se conduz, maravilhosamente, e com uma segurança que não teria, mesmo acordado, em meios que lhe são totalmente desconhecidos?

213. Tomemos o exemplo daquela jovem senhora cujo marido foi preso. É possível afirmar que a memória a conduzia, quando ela caminhava pelo telhado, rastejava, esgueirava-se pelas arestas pontiagudas e se assentava, enfim, na cumeeira? Impossível supor que se entregasse a tais exercícios, em seu estado normal. Mas, então, que poder a protegia e lhe evitava as quedas? Por que órgão via ela, desde que em tal estado tinha os olhos completamente fechados?

214. Não se pode imaginar que ramificações do nervo ótico, terminando no epigástrio ou alhures, sejam capazes de transmitir vibrações luminosas ao cérebro, porque sabemos, e desde muito, que as sensações luminosas e auditivas são localizadas nos órgãos desses sentidos, e que é tão difícil explicar a visão pelos ouvidos como a audição pelos olhos. E ainda que o nervo ótico se ramificasse, como quer Debay, não tendo as extremidades aparelho receptor, ou seja, a câmara escura que constitui a parte essencial do olho, elas não poderiam, de forma alguma, transmitir vibrações luminosas ao cérebro.

215. Entretanto, o fato aí está; ele se apresenta inegável; é preciso explicá-lo exclusivamente pelo mecanismo da máquina humana ou admitir a alma como causa eficiente. Dir-se-á, com o doutor, que quando a visão não se dá, o cérebro supre essa função por uma visão interna dos objetos que procura. Que quer isto dizer? E como poderia existir essa percepção íntima para objetos que não foram vistos pelos olhos do corpo? Essa hipótese é absolutamente inadmissível e o autor apresenta logo outra.

216. Os órgãos dos sentidos, diz ele, desenvolvidos em excesso no sonâmbulo, experimentam, à distância, a ação dos corpos e lhe fazem evitar os perigos que o ameaçam. Entramos no domínio da fantasia com esta suposição, que não pode, mesmo, explicar todas as particularidades observadas.

217. Com efeito, no caso referido por Esquirol, o farmacêutico adormecido que preparava suas poções pôde ser advertido do perigo que correria seu cliente se ele se conformasse com a receita, não por uma emanação do papel. Ele procedeu como em estado ordinário e discutiu metodicamente a impossibilidade de um tal remédio. Perguntamos: quem discutia, quem via?

218. Poder-se-ia admitir, em rigor, que um indivíduo praticasse durante o sono, atos puramente mecânicos, como os que executa acordado e não exigem qualquer aplicação do espírito; assim, que o cocheiro cuide de seus cavalos, que o artista toque piano, que a cozinheira lave sua vasilhame. Neste caso, é natural conceber certas ações reflexas do sistema nervoso, superexcitado por ideia fixa. Mas quando o raciocínio entra em jogo, quando todas as faculdades funcionam, como de ordinário, e é notório que o indivíduo está adormecido, ou por outra, quando as funções da vida de relação cessam, dizemos que é preciso aceitar a existência de um agente que não dorme, que pensa, que arrazoa, que quer, e a esta força que vela sobre o corpo e o conduz chamamos alma.

219. Diremos, em resumo, para não alongar a discussão: fica estabelecido que o sonambulismo natural oferece caracteres notáveis, que serão incompreensíveis se negarmos a realidade da alma. Poderíamos citar mil outros casos de sonambulismo; deles estão cheios os tratados de fisiologia, mas não nos ofereceriam nada mais típico do que os já apontados.

220. O Curso de Magnetismo do barão du Potet contém, em grande número, documentos que nos persuadem ser uma verdade o sonambulismo artificial, isto é, provocado pelo magnetismo. Acrescentamos-lhes outras narrativas, tomadas às autoridades da ciência magnética Charpignon e Lafontaine, sempre com o apoio das atas assinadas pelos médicos mais conhecidos.

221. O sonambulismo magnético é comumente caracterizado por inteira insensibilidade da pele; pode-se impunemente picar o adormecido, beliscá-lo, fazer-lhe queimaduras: ele não desperta nem dá qualquer sinal de sofrimento.

222. O amoníaco concentrado, levado pela respiração às vias aéreas, não determina a menor alteração, e o que, no estado habitual, poderia produzir a morte, fica sem efeito nesta espécie de sonambulismo. Se a sensibilidade se extingue, o ouvido não parece menos desprovido de ação. Nenhum ruído se faz ouvir; a voz, a queda ou a agitação dos corpos sonoros não comunica qualquer som aos nervos acústicos; eles parecem inteiramente paralisados; tiros de pistola, junto ao orifício do conduto auditivo, ferindo as carnes, deixam crer na privação desse sentido.

223. Esse estado, porém, só não existe para o magnetizador, porque este pode fazer ouvir as mais fracas modulações da sua voz; sua palavra se faz compreender a distâncias onde qualquer outro nada ouviria nem mesmo poderia ver o movimento dos lábios.

224. Numerosas experiências foram feitas por du Potet, em 1820, no “Hôtel Dieu” de Paris. Ele assim as relata aos seus discípulos: “Sabeis que o sonambulismo se ofereceu à nossa observação e que grande numero de médicos incrédulos, atraídos pela novidade do espetáculo, dele foram testemunhas. Quiseram assegurar-se por si mesmos da verdade do que eu lhes dizia. Deixei-os fazer o que entenderam, porque, em fenômenos extraordinários, só se deve acreditar pelo testemunho dos sentidos. A presença de muita gente não impediu a produção do sonambulismo, e uma vez produzido este estado, os assistentes usaram de todos os meios para verificar a insensibilidade dos magnetizados. Começaram por lhes passar fios de pena muito leves nos lábios e nas asas do nariz; depois lhes pinçaram a pele de tal modo que produziram equimoses; introduziram fumaça nas fossas nasais; puseram os pés de uma sonâmbula em um banho de mostarda fortemente sinapizado e com água em alto grau de calor. Nenhum desses meios determinou a menor alteração, o mais ligeiro sinal de sofrimento; o pulso se mostrou regular. Mas, ao despertar, todas as dores, que deviam ser provenientes dessas experiências fizeram-se sentir vivamente, e os doentes se indignaram com o tratamento que os fizeram experimentar.”

225. Não se deve esquecer que essas experiências foram executadas, não por du Potet, mas por incrédulos; ele apenas deu a conhecer os seus (deles) testemunhos escritos. Eis, entre outras, uma ata assinada pelo Dr. Roboam:  “Eu, abaixo-assinado, certifico que a 8 de janeiro de 1821, a pedido do Senhor Recamier, pus em sono magnético a chamada Le Roy (Lise), do leito nº 22, da sala Ste. Agnês; ele a tinha, anteriormente, ameaçado com um cautério, se ela se deixasse adormecer. Contra a vontade da doente, eu, Roboam, fi-la passar ao sono magnético, durante o qual Gilbert queimou agárico junto às fossas nasais e essa desagradável fumaça nada produziu de notável. Recamier aplicou-lhe ele mesmo um cautério na região epigástrica, o qual produziu uma escara de 15 linhas de comprimento e 9 de largura; durante sua aplicação, a doente não manifestou a menor dor, por gritos, movimentos ou variações do pulso; permaneceu em insensibilidade completa; despertada, sentiu muita dor.” Estavam presentes a esta sessão os senhores Crilbert, Créqui, etc. Assinado: Roboam, doutor em Medicina.  (Continua no próximo número.)

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita