O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel
Delanne
(Parte
11)
Damos continuidade nesta edição
ao
estudo do livro O
Espiritismo perante a
Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science,
publicada originalmente
em Paris em 1885.
Questões preliminares
A. Há alguma semelhança,
quanto ao modo de
operar, entre o
hipnotismo e o
magnetismo?
Sim. Delanne menciona
essa semelhança
comparando a maneira de
operar de Bernheim para
hipnotizar e a que
empregava Deleuze para
magnetizar. O professor Bernheim fazia gestos,
passeava as mãos de cima
a baixo do doente e
terminava pronunciando
com voz imperiosa a
palavra durma! Os
magnetizadores não
faziam outra coisa, e
como os resultados
obtidos por Bernheim
eram os mesmos, Delanne
entende que magnetismo e
hipnotismo não passam de
denominações diferentes
do mesmo fenômeno.
(O Espiritismo perante
a Ciência, Segunda
Parte, Cap. IV –
O hipnotismo.)
B. Os animais podem
também ser hipnotizados?
Sim. Um frango, que se
prende a uma tábua, onde
se traça um risco, fica
logo em estado
hipnótico, se o obrigam
a olhar para esse risco,
durante certo tempo.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. IV –
O hipnotismo.)
C. Os sentidos se
ampliam quando a pessoa
está no estado
sonambúlico?
Sim. Certos sentidos ou
certas faculdades,
conforme os indivíduos,
adquirem uma acuidade ou
um poder verdadeiramente
espantosos. O Doutor
Brémaud cita a respeito
exemplos muito notáveis,
se bem que estejam longe
de poder comparar-se aos
assinalados por Braid.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. IV –
O hipnotismo.)
Texto
para leitura
273. Voltemos aos
trabalhos de Charcot. O
estado letárgico ou
soporífero, que vimos
suceder ao estado
cataléptico, cessa
imediatamente quando se
sopra a fronte do
paciente. Há, ainda, uma
particularidade notável:
pode-se, à vontade,
passar o doente do
estado letárgico ao
cataléptico; basta para
isso abrir-lhe a
pálpebra, de sorte que a
luz possa
impressionar-lhe a
retina. É preciso, para
obter as alterações, que
a claridade ou a
obscuridade sejam
produzidas bruscamente,
sem o que o paciente se
conservará na última
fase em que estava. A
influência luminosa não
é o único agente que
provoca o hipnotismo.
274. Sentando-se uma
doente na caixa de
ressonância de um grande
diapasão, e afastando-se
por meio de uma haste,
violentamente, os ramos
deste, o diapasão vibra
e a sensitiva entra em
catalepsia;
suprimindo-se
instantaneamente o som,
a letargia se declara
com os mesmos sintomas
que no caso precedente.
Enfim, chegou-se também
a produzir os mesmo
efeitos por meio do
olhar. Nesse caso, o
olho do experimentador
substitui as ações
físicas mencionadas
acima e é dessa maneira
que Donato e Carl Hensen
obtêm magníficos
resultados.
275. Uma passagem do
livro que Bernheim,
professor da Faculdade
de Nancy, publicou,
ultimamente, sobre o
hipnotismo faz-nos ver
que ele se ocupou muito
com o assunto: “Eis como
procedo para obter o
hipnotismo. Começo por
dizer ao doente que é
possível curá-lo ou
aliviá-lo pelo sono; que
não se trata de nenhuma
prática nociva ou
extraordinária, mas de
simples sono que se pode
provocar em qualquer
pessoa, sono calmo,
benéfico, etc. Em caso
de necessidade faço
dormir em sua presença
uma ou duas pessoas,
para mostrar-lhe que o
sono nada tem de penoso,
nem servirá para
experiências; quando
afasto do seu espírito a
preocupação que a ideia
do magnetismo faz nascer
e o temor um tanto
místico ligado a esse
desconhecido, o paciente
se torna confiante e
entrega-se. Digo-lhe,
então: Olhe-me bem e só
pense
em dormir. Vai
sentir peso nas
pálpebras e fadiga nos
olhos; seus olhos
piscam, vão umedecer-se;
a vista torna-se
confusa, os olhos
fecham-se. Alguns
pacientes fecham os
olhos e dormem
imediatamente. Com
outros, repito, acentuo,
acrescento o gesto,
pouco importa a sua
natureza. Coloco dois
dedos da mão direita
diante dos olhos da
pessoa e convido-a a
fixá-los, ou, com as
duas mãos, passo-as de
cima para baixo, diante
dos seus olhos; ou,
ainda, faço com que fixe
meus olhos, e me esforço
em concentrar sua
atenção na ideia do
sono. E digo: suas
pálpebras se fecham; não
poderá mais abri-las;
tem um peso nos braços,
nas pernas; não sente
mais nada; suas mãos
estão imóveis, nada mais
vê; o sono chega, e
acrescento em tom
imperioso: – durma.
Muitas vezes esta
palavra tudo resolve os
olhos se fecham, o
doente dorme.”
276. Paremos um
instante, para assinalar
a curiosa semelhança
entre a maneira de
operar de Bernheim para
hipnotizar e a que
emprega Deleuze para
magnetizar. O professor
Bernheim faz gestos,
passeia as mãos de cima
a baixo do doente e
termina pronunciando com
voz imperiosa a palavra
durma! Os magnetizadores
não fazem outra coisa, e
como os resultados
obtidos por Bernheim são
os mesmos que relatamos
no artigo do
sonambulismo, estamos no
direito de concluir que
magnetismo e hipnotismo
não passam de
denominações diferentes
do mesmo fenômeno. Os
processos descritos no
memorial do doutor, para
determinar o
sonambulismo, podem ser
considerados como um
aperfeiçoamento do
método magnético,
relativo à produção do
sono, como vamos ver; o
que se segue vai
prová-lo de modo
evidente.
277. Bernheim prossegue:
“Se o paciente não fecha
os olhos ou não os
conserva fechados, não
prolongo a fixidez das
suas vistas nas minhas
ou nos meus dedos:
porque alguns mantêm os
olhos indefinidamente
arregalados, e em vez de
conceberem, assim, a
ideia do sono, só têm a
de fixar com rigidez;
fechar os olhos dá então
melhor resultado. Ao fim
de dois minutos ou três,
no máximo, mantenho-lhe
as pálpebras fechadas ou
as abaixo, lenta e
docemente, sobre os
globos oculares,
fechando-os
progressivamente cada
vez mais, imitando o que
se dá quando o sono vem
naturalmente; acabo por
mantê-los fechados,
continuando com a
sugestão: – Suas
pálpebras estão coladas,
não poderá mais
abri-las; torna-se cada
vez maior a necessidade
de dormir; não resistirá
mais. Abaixo
gradualmente a voz e
repito a injunção –
durma! É raro que se
passem quatro ou cinco
minutos sem que o sono
venha. Em alguns,
consegue-se melhor,
procedendo com doçura;
em outros, rebeldes à
sugestão doce, convém a
aspereza, o tom
autoritário, para
reprimir a tendência ao
riso ou a veleidade de
resistência involuntária
que esta manobra pode
provocar. Muitas vezes,
em pessoas aparentemente
refratárias, fui bem
sucedido, mantendo por
muito tempo a oclusão
dos olhos, impondo
silêncio e imobilidade,
falando continuamente e
repetindo as mesmas
fórmulas: ‘Você sente
um entorpecimento, um
torpor; seus braços e
suas pernas estão
imóveis; eis que aparece
calor em suas pálpebras;
seu sistema nervoso se
acalma; você não tem
mais vontade; seus olhos
permanecem fechados; o
sono chega’, etc. Ao
fim de oito a dez
minutos dessa sugestão
auditiva prolongada,
retiro os dedos e os
olhos ficam fechados;
levanto os braços, eles
permanecem no ar; é o
sono cataléptico. Muitas
pessoas se impressionam
logo na primeira sessão;
outras, na segunda ou na
terceira. Depois de uma
ou duas hipnotizações, a
influência torna-se
rápida. Basta, quase,
olhá-las, estender os
dedos diante dos seus
olhos e dizer “durma”,
para que, em alguns
segundos,
instantaneamente, mesmo,
os olhos se fechem e
todos os fenômenos do
sono apareçam. Outros
não adquirem, senão ao
fim de certo número de
sessões, em geral pouco
numerosas, a aptidão de
dormir depressa.”
278. Tentaram fazer, a
respeito dessas
experiências, as mesmas
observações que para o
magnetismo; quiseram
atribuí-las a efeitos da
imaginação. Durante
muito tempo, esse
argumento foi o cavalo
de batalha de nossos
adversários, mas
demonstrou-se que o
hipnotismo se exercia,
também, sobre os
animais. Desde então,
foi-se a explicação dos
incrédulos. Um frango,
que se prende a uma
tábua, onde se traça um
risco, fica logo em
estado hipnótico, se o
obrigam a olhar para
esse risco, durante
certo tempo.
279. Deveríamos ter já
mencionado os trabalhos
de Liébault, de Nancy,
que serviram de ponto de
partida a Bernheim, na
publicação de sua
brochura. Liébault, sem
conhecer as pesquisas de
Braid, estudou, muitos
anos, particularmente
sob o ponto de vista
terapêutico, as questões
que se ligam ao
hipnotismo.
280. Em 1886, ele
publicou um livro
importante sobre o
Sono e os estados
análogos, que passou
quase despercebido.
Levando mais longe que o
médico inglês o método
sugestivo, ele o aplicou
com êxito na cura de
algumas doenças.
Ultimamente, a
curiosidade pública foi
vivamente suscitada por
duas conferências feitas
no círculo St. Simon,
por Brémaud, doutor da
infantaria de marinha. O
interesse que elas
apresentavam vinha do
espírito científico do
autor e do caráter
especial do auditório,
composto em grande parte
de membros do Instituto.
281. Tratava-se de
demonstrar não somente
que o hipnotismo é uma
verdade, coisa
incontestável depois dos
sábios trabalhos de
Charcot e Dumontpallier,
mas, ainda, que esse
estado pode ser
produzido em quaisquer
indivíduos, e não
especialmente em
histeroepilépticos, como
pretendiam os
retardatários da
ciência, que fizeram
dessa condição o último
refúgio da resistência
às novas doutrinas.
282. O Doutor Brémaud,
depois de haver sido
testemunha de um caso de
hipnotismo parcial, na
ilha Bourbon, não
pensava mais nessas
estranhas manifestações,
quando, há dois anos, o
famoso Donato veio dar
em Brest representações
de magnetismo. As mesmas
experiências que, por um
momento, abalaram Paris
inteiro, produziram em
Brest extraordinária
emoção. Amigos pediram a
Brémaud, cuja
consciência científica
conheciam, que
investigasse a parte de
verdade e a de
charlatanismo que podiam
existir nessas
exibições.
283. O que intrigara o
doutor, conhecedor dos
trabalhos da Salpêtrière,
era ver Donato operar em
grande número de jovens
de Brest, que não
pareciam doentes, e com
os quais tinha
prontamente obtido
resultados análogos.
Pôs-se à procura da
maior parte dos que se
haviam prestado à
influência de Donato,
fê-los vir a sua casa,
estudou-os de perto e,
sem muito trabalho,
conseguiu produzir neles
os mesmos efeitos que o
magnetizador. Com seu
concurso, deu algumas
sessões na Escola de
Medicina Naval, onde
reproduziu, exatamente,
todos os exercícios de
que tanto o público se
havia admirado.
Prosseguiu as
experiências em muitos
marinheiros postos à sua
disposição e chegou à
certeza de que, entre os
homens reputados sãos de
corpo e de espírito,
havia grande número
suscetível de ser posto
em estado de hipnotismo,
letargia, catalepsia e
sonambulismo, verificado
já em indivíduos
atingidos de histeria e
epilepsia.
284. Um segundo
resultado foi o de
notar, no
desenvolvimento desses
estados mórbidos que
formam série
progressiva, um estado
inicial que, segundo
ele, não se produziria
nos histeroepilépticos,
até aqui observados, e
que denomina
fascinação. O
paciente é, a princípio,
fascinado, isto é, antes
de chegar à letargia ou
à catalepsia, cai em
estado de abulia
completa, ou por outra,
perde a vontade,
torna-se o escravo do
operador; puro autômato,
obedece
inconscientemente a
qualquer impulso. O
segundo grau, provocado
por processos mais
simples, é a letargia e
depois a catalepsia,
pela contração dos
músculos. Esta se obtém
parcial ou total, à
vontade; uma pancada num
membro; ligeira fricção
fá-la cessar.
285. Da letargia
passa-se ao
sonambulismo. Neste
último estado, certos
sentidos ou certas
faculdades, conforme os
indivíduos, adquirem uma
acuidade ou um poder
verdadeiramente
espantosos. O Doutor
Brémaud citou exemplos
muito notáveis, se bem
que estejam longe de
poder comparar-se aos
assinalados por Braid.
286. Um de seus
pacientes, que ele tinha
em seu gabinete, perto
do fogão, repetiu-lhe a
conversa que duas
pessoas mantinham em voz
baixa na rua, a uns
50 metros. Um dos seus
parentes, sonambulizado,
resolveu, sem esforço,
difícil problema de
trigonometria, que não
compreendia acordado,
nem mesmo compreendeu
depois de voltar ao
estado normal.
287. Notemos ainda, que,
segundo o hábito dos
homens de ciência,
Brémaud atribui aos
sentidos um papel que
eles não podem
representar. Não é
crível que o ouvido,
faculdade particular do
organismo, possa
projetar-se para o
exterior, franquear
paredes e irradiar a
cinquenta metros, de
maneira a acompanhar uma
palestra em voz baixa.
Não se percebe, também,
como um rapaz poderia
resolver melhor um
problema de
trigonometria,
mergulhado no sono do
que em estado normal.
Admitida a alma, tudo se
explica, se torna
simples e compreensível.
288. Como os fatos valem
mais que as narrativas,
Brémaud fazia-se
acompanhar de dois
rapazes de 23 e 26 anos,
pessoas conhecidas, com
uma situação oficial ao
abrigo de qualquer
suspeita e em perfeito
estado de saúde. À
medida que descrevia os
fenômenos, ele os ia
produzindo e fazendo
verificar pelo
auditório. A catalepsia
era bem real; a
contratura das pernas,
dos braços, do corpo bem
positiva, o estado
sonambúlico perfeito.
Todos se renderam à
evidência, e
experiências muito
curiosas foram feitas
sucessivamente. Assim,
viu-se um desses jovens,
posto em estado de
fascinação, obedecer
instantaneamente a
qualquer ordem;
ouviram-no repetir, como
um perfeito fonógrafo,
palavras chinesas,
russas, com exata
entonação, como se
estivesse habituado a
falar esses idiomas e em
estado de
compreendê-los.
289. A outro se fez
beber um copo d'água;
persuadiram-no de que
havia bebido catorze
copos de cerveja, e em
consequência ele
sentiu-se realmente
embriagado, ou então via
efetivamente as figuras
que representavam no
espaço, e ria, se eram
engraçadas,
amedrontava-se, se eram
aterradoras.
290. Observação muito
importante: se, enquanto
o paciente está nessa
contemplação, se lhe põe
diante dos olhos um
vidro prismático, ele vê
duas figuras, o que
prova, diz o Doutor
Brémaud, que não há,
propriamente,
alucinação, isto é,
exteriorização de uma
ideia subjetiva, mas
ilusão sensível
produzida pela ação do
raio luminoso sobre os
nervos oculares.
291. O Doutor Brémaud
mostrou aos assistentes
fenômenos inesperados: a
aniquilação da vontade e
mesmo do eu, a
dissociação das funções,
cuja unidade constitui a
vida psíquica normal,
estado de
insensibilidade,
rigidez, letargia, onde
a própria vida parece
desaparecer, e em
seguida uma excitação
nervosa, onde os
músculos, os sentidos e
certas faculdades
intelectuais adquirem
poder espantoso.
292. Todos esses
fenômenos não são novos
e só são curiosos porque
produzidos em pessoas
jovens perfeitamente
sãs de corpo e de
espírito e porque o
doutor Brémaud não pode
ser acusado de
charlatanismo. (Continua no próximo
número.)