O Espiritismo perante a
Ciência
Gabriel
Delanne
(Parte
12)
Damos continuidade nesta edição
ao
estudo do livro O
Espiritismo perante a
Ciência,
de Gabriel Delanne,
conforme
tradução da obra
francesa Le
Spiritisme devant la
science,
publicada originalmente
em Paris em 1885.
Questões preliminares
A. As sugestões
empregadas pelos
hipnotizadores persistem
por muito tempo?
Sim. O hipnotizado
torna-se um autômato
inconsciente e conserva,
durante dias ou semanas,
traços desse
automatismo, a tal ponto
que as sugestões
anteriores persistem por
muito tempo e podem
levá-lo à prática de
atos independentes da
sua vontade.
(O
Espiritismo perante a
Ciência, Segunda Parte,
Cap. IV – O
hipnotismo.)
B. Quais os caracteres
comuns ao sonambulismo,
ao hipnotismo e à
anestesia produzida por
substâncias químicas?
Os caracteres comuns
observados nos fenômenos
citados são a
insensibilidade, a perda
da lembrança ao acordar
e a dupla vista.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. V – Ensaio
de teoria geral.)
C. O fluido tem
existência real no corpo
humano?
Sim. Segundo Delanne, o
que os magnetizadores
chamam de fluido
tem uma existência real
no corpo humano e pode
agir a distância e ser
lançado pela vontade em
determinada direção.
(Obra citada, Segunda
Parte, Cap. V – Ensaio
de teoria geral.)
Texto para leitura
293. O sistema nervoso
pode ser influenciado
por causas externas,
ainda mal definidas, a
ponto de modificarem
completamente o
indivíduo no moral e no
físico, de
transformarem-no em
autômato e de
substituírem, por várias
sugestões, à sua vontade
uma vontade estranha. As
experiências tentadas na
Alemanha e na França,
nesses últimos anos, não
deixam nenhuma dúvida a
respeito.
294. Liégeois, professor
em Direito da Faculdade
de Nancy, acaba de
chamar a atenção
novamente sobre estes
fatos, em uma memória
interessante lida na
Academia de ciências
morais e políticas, a 5
de abril de 1884.
Liégeois quis, a
princípio, verificar
pessoalmente a realidade
dos fenômenos hipnóticos
e ver até que extremos
limites se podem
estender a influência do
homem a seu semelhante.
Com o concurso do
Professor Bernheim, seu
colega cuja maneira de
operar explicamos,
hipnotizou certo número
de pessoas, sãs de
corpo e de espírito,
e chegou às mesmas
conclusões de seus
antecessores.
295. O hipnotizado
torna-se um autômato
inconsciente; o mais
curioso é que conserva,
durante dias, semanas,
traços desse
automatismo, a tal ponto
que as sugestões
anteriores persistem
muito tempo e podem
levá-lo à prática de
atos independentes da
sua vontade.
296. O operador poderá
inspirar a seu paciente
a ideia de ações
criminosas que, ao
despertar, serão
executadas fatalmente,
em todos os pontos, com
dias e meses de
intervalo, segundo
afirma Liégeois. Assim,
certos pacientes foram,
no dia e hora fixados
por Liégeois, acusar-se
na polícia ou ao
procurador da República,
de crimes imaginários,
com todos os pormenores
e nos termos que lhes
haviam sido ditados na
véspera ou antevéspera.
297. Alguns hipnotizados
executaram ou julgaram
executar atos terríveis.
Uma rapariga, entre
outras, deu em sua mãe
um tiro de pistola, com
o maior sangue frio;
inútil dizer que a arma
não estava carregada.
Outros reconheceram
obrigações que
absolutamente não tinham
contraído. Outros,
enfim, a quem se havia
sugerido certas frases,
certas narrativas,
afirmaram, sob sua
honra, que tinham visto
ou ouvido o que lhes
tinha sido indicado
durante o sono
hipnótico.
298. Há, pois,
incontestavelmente, um
campo novo aberto à
medicina legal. É
conhecida a história de
Didier, condenado uma
primeira vez pela
polícia correcional, sem
saber do que se tratava,
e que agira em estado
sonambúlico; foi depois
absolvido, na Corte de
Apelação, graças ao
Doutor Motet,
comissionado para o
exame médico legal, e
que, magnetizando-o, o
fez repetir a cena que
motivara a prisão.
Reconheceu-se a não
culpabilidade, ou pelo
menos, a
irresponsabilidade do
paciente, e o julgamento
do qual se apelava foi
anulado.
299. Não insistiremos
nos fenômenos mais
conhecidos, mas
examinaremos alguns
casos em que a
personalidade desaparece
completamente. “Estás
mais velha”, diz-se a
uma jovem hipnotizada e
logo o seu caminhar, os
seus sentimentos são de
uma velha. “Estás uma
menina” e logo a
paciente apresenta a
linguagem, os gestos, os
gostos de uma criança.
Pode-se transformar a
hipnotizada em
camponesa, atriz,
general ou sacerdote.
Nada tão curioso como
fazê-la general, com uma
palavra.
300. E tudo isto é
pronunciado em voz
baixa, com um simples
mover de lábios. A
paciente acredita-se a
personagem que se lhe
diz que é, e tanto assim
que se encoleriza quando
a acusam de enganar a
assistência. Pode-se,
ainda, pela sugestão,
metamorfosear um homem
em animal, em cão, em
macaco, em papagaio.
301. Conta Richet que,
certa vez, hipnotizara
um amigo e lhe disse: –
Eis transformado em
papagaio, meu pobre
rapaz. Após um momento
de hesitação, respondeu
este: – Devo comer a
semente que está na
gaiola?
302. De outra vez, uma
dama a quem persuadiram
que era uma cabra,
trepou com agilidade num
canapé e fez todos os
esforços para subir numa
estante.
303. Verificamos que o
hipnotizado vê,
realmente, o que se lhe
quer mostrar, mas o que
há de mais notável é a
sugestão por ordem,
devendo realizar-se em
tempo determinado. A
mais simples a
produzir-se é a do sono.
– “Amanhã dormirás às 3
horas”. E, no dia
seguinte, o paciente
dorme quando soam as
três horas, não importa
o lugar em que se ache.
Não parece um sonho de
fadas, em que um mal
encantador faz dormir um
palácio inteiro?
304. O operador,
provavelmente, não pensa
mais na recomendação;
ela está, porém,
gravada, burilada no
cérebro do hipnotizado,
e o autômato obedece,
assim como um aparelho
registrador que
indicasse um fenômeno no
momento em que se
produz, movido por
máquina de relógio.
305. Eis uma prova ainda
mais demonstrativa dessa
espécie de obsessão
imperativa. A. está
adormecida. Richet lhe
diz: “Quando acordar,
pegue este livro, que
está na mesa, leia o
título, e o coloque em
minha biblioteca.” A.
acorda, esfrega os
olhos, olha em redor,
espantada, põe o chapéu
para sair, depois lança
a vista sobre a mesa, vê
o livro, apanha-o, lê o
título. Em seguida,
coloca-o na biblioteca.
306. Ao terminar,
diremos com Parville:
Magnetismo, hipnotismo,
ilusões ontem, realidade
hoje. Certamente, foi
preciso tempo, muito
tempo, antes de se
decidirem a estudar de
perto esses fatos
estranhos, mas pode-se
afirmar, agora, que os
mais eminentes
fisiologistas consideram
como incontestáveis os
principais fenômenos do
hipnotismo e do
magnetismo animal. É,
pois, com certeza
absoluta que concluímos
pela existência da alma,
que se afirma em todas
essas experiências.
307. Ao lado dos
fenômenos que estudamos,
podem enfileirar-se os
estados produzidos pelos
anestésicos, como o
clorofórmio, o éter, o
protóxido de azoto e
outros. Os pacientes,
submetidos à ação desses
agentes, são de uma
insensibilidade completa
às impressões
exteriores. É essa
propriedade que se
utiliza em cirurgia para
tirar ao doente a
sensação da dor.
308. Não podendo, visto
o quadro restrito desta
obra, estudar
detalhadamente todos os
efeitos provocados por
esses produtos químicos,
limitar-nos-emos ao fato
seguinte: O Doutor
Velpeau, num relatório
que apresentou à
Academia de Ciências, em
1842, concluiu pela
adoção do tratamento
pelo clorofórmio, em
todas as operações
cirúrgicas bastante
dolorosas. Cita grande
número de circunstâncias
em que os anestésicos
deram bons resultados e
assinala, como caráter
distintivo do sono
produzido, a perda de
lembrança do que se
passou ao acordar.
309. Relata ele a
seguinte experiência em
uma senhora, a quem
operava um câncer num
seio. Depois de havê-la
adormecido pelos
processos ordinários,
efetuava a operação,
quando a doente lhe
disse, com grande
espanto para ele, que
via o que se passava em
casa de uma de suas
amigas, não longe dali.
Ele não ligou maior
importância a essa
comunicação, que tomou
por fantasia da
paciente. Mas, qual não
lhe foi a surpresa,
quando a senhora em
questão, ao vir inquirir
da saúde da amiga,
declarou que fazia
exatamente o que a
doente vira durante o
seu sono.
310. Assinalem-se, pois,
as analogias notáveis
existentes entre o
sonambulismo magnético,
o hipnotismo e a
anestesia provocada por
substâncias químicas.
Nestas três categorias
de fenômenos é fácil
constatar caracteres
comuns, que vamos
assinalar:
1 - a insensibilidade;
2 - a perda da
lembrança, ao acordar;
3 - a dupla vista.
311. Essa identidade nos
resultados indica
identidade de causa.
Devemos procurá-la e
podemos, nos três casos,
atribuir os fenômenos
verificados a uma
modificação no sistema
nervoso.
312. Essa modificação,
produzida no conjunto do
sistema nervoso,
determina o
desprendimento da alma;
e quando esta parte
imaterial de nós mesmos
se torna mais livre que
no estado normal, quando
está menos ligada ao
corpo, pode irradiar a
distância, e apresentar
os caracteres que se
atribuem, à falta de
melhor explicação, a uma
superexcitação dos
órgãos dos sentidos.
313. É incontestável que
o sistema nervoso fica
profundamente modificado
nesses fenômenos;
estudemos, pois, com
Claude Bemard, quais os
excitantes que o podem
influenciar.
314. Há 3 espécies de
excitantes do sistema
nervoso: os físicos, os
químicos e os vitais.
Fixemos mais
especialmente nossa
atenção nos irritantes
químicos e entre esses
estudemos a ação dos
anestésicos no
organismo.
315. Segundo Claude
Bemard, “os anestésicos
diminuem a
excitabilidade, não,
porém, de maneira geral
nem em todos os tecidos:
assim, o clorofórmio só
atua nos nervos da
sensibilidade; o mesmo
se dá com o éter, o
álcool, o protóxido de
azoto. Quando estão sob
a influência dos
anestésicos, os nervos
sensitivos não são mais
atacados pelos
excitantes normais, nem
mesmo pelos anormais,
que, em estado
ordinário, aumentariam a
intensidade dos
fenômenos, a ponto de
produzir a morte. É que
a vida dos nervos se
torna, então, quase
latente, ou pelo menos,
se encontram eles num
estado de entorpecimento
que os protege”.
316. Quando se aplicam
no homem os anestésicos,
podemos notar, no caso
citado por Vulpian, que
o estado nervoso em que
se achava o paciente,
caracterizado pela
insensibilidade, pela
perda da lembrança, ao
acordar, e pela dupla
vista, coincide com a
insensibilidade dos
nervos, com a do
sentimento, com uma vida
latente dos nervos
sensitivos. Cremos,
pois, que, todas as
vezes que encontrarmos
reunidas essas
condições, o sistema
nervoso sensitivo estará
paralisado.
317. É o que acontece
quando se examinam os
fenômenos do hipnotismo.
Todos os agentes físicos
empregados, como a luz,
o som, o olhar, são
excitantes do sistema
nervoso, que mergulham o
paciente num estado
especial, chamado sono
hipnótico.
318. O método operatório
do Professor Bernheim,
que alia aos processos
hipnóticos as práticas
dos magnetizadores,
leva-nos a perguntar se
os excitantes físicos
poderiam, por vezes,
substituir-se aos
excitantes vitais.
Responde Claude Bemard:
“Algumas vezes, os
excitantes físicos podem
produzir os efeitos que
resultam igualmente da
ação dos excitantes
vitais. Assim, certos
ácidos provocam a
contração do másculo; a
eletricidade produz o
mesmo efeito. Mas, no
estado fisiológico, esse
fenômeno se manifesta
sob a influência do
nervo. Du Bois-Reymond
acreditava poder
atribuir essa influência
a uma causa física,
considerando o nervo
como um órgão que
segregasse, de algum
modo, a eletricidade.
Infelizmente, os fatos
não vieram, ainda,
demonstrar esta
hipótese, à qual o
próprio Bois-Reymond
parece ter renunciado.
Somos, pois, forçados a
chamar esta força
nervosa, até nova ordem,
um irritante vital, isto
é, uma força que ainda
não se pôde fazer entrar
no número das forças
físico-químicas, visto
que esta expressão vital
não tem outro sentido.”
319. O que os
magnetizadores chamam de
fluido, em que
pese a Bersot, tem,
pois, uma existência
real no corpo humano.
Esse fluido nervoso é um
irritante vital, pode
agir a distância, ser
lançado pela vontade em
determinada direção,
como se vê nas
experiências da
Academia, relatadas por
Husson. Vimos, com
efeito, que o paciente
Cazot adormecia sob o
influxo enviado pelo
magnetizador Foissac,
colocado em outro
quarto.
320. Notaremos, ainda,
que a vontade é uma
força e, de nenhum modo,
como se supôs, simples
estado de consciência. É
o que se verifica do
seguinte lanço de Claude
Bernard: “A ação da
vontade constitui um
excitante vital por
excelência, impossível
de substituir, e que
atuaria de modo
particular sobre a
medula espinal. Estes
fatos foram bem postos
em evidência por Van
Deen.”
321. De outro lado,
Rosenthal, no livro
Les Muscles et les Nerfs,
descreve uma
experiência, por onde se
pode medir a influência
da vontade, pelas
correntes elétricas, que
ela determina nos
músculos.
322. Podemos, portanto,
admitir, que os fatos do
sonambulismo provocado
pelas práticas
magnéticas são devidos à
ação do fluido nervoso
do magnetizador,
dirigido por sua
vontade, e que vai
irritar o sistema
nervoso sensitivo do
paciente, para o
mergulhar em um estado
especial, durante o qual
os nervos sensitivos
ficam aniquilados,
entorpecidos.
323. É pela vontade,
esse irritante vital por
excelência, que se
propaga pelo fluido
nervoso, o qual serve de
condutor, do
magnetizador ao
paciente. No caso do
sonambulismo natural, é
a própria vontade do
paciente que o leva a
esse estado. Basta a
intensa preocupação de
alguma coisa, para
explicar por que o
espírito superexcitado
faz mover seu corpo, no
estado sonambúlico.
324. Os diferentes
excitantes de que
falamos só atuam sobre o
sistema nervoso
sensitivo. Mas não têm
todos e sempre a mesma
intensidade; daí as
diferentes fases dos
fenômenos observados.
Isto está de perfeito
acordo com a fisiologia:
“Todos os irritantes,
qualquer que seja a sua
natureza, físicos,
químicos ou vitais,
devem ser tidos como
irritantes especiais de
certos tecidos, de
certos órgãos. Mas a
especialidade não é
tudo; cumpre, ainda,
ter-se em conta a
quantidade do irritante.
A importância dessa
consideração foi já
indicada por Brown, que
chamava incitação
normal a que
produzia o irritante
empregado em sua dose
ordinária. Quando se
ultrapassava essa dose,
a incitação tornava-se
irritação e
produzia fenômenos
mórbidos. Foram esses
dados que Broussais
seguiu e que formaram a
base de sua patologia
geral. A quantidade do
irritante, é, pois, um
ponto importante. Assim,
quando se faz passar em
um órgão uma corrente
elétrica muito fraca, os
tecidos não são
irritados nem reagem.
Mas, aumentada a força
da corrente, obter-se
fenômenos cuja
intensidade irá
crescendo, com certas
qualidades da corrente,
até tomar um verdadeiro
caráter mórbido. Há,
pois, certa medida a
atingir na aplicação de
um irritante e essa
medida depende, ao mesmo
tempo, da quantidade
maior ou menor do
irritante e da
suscetibilidade mais ou
menos delicada do
próprio órgão.”
325. Daí o poder mais
ou menos forte dos
magnetizadores, conforme
a energia de sua vontade
e a força de seu fluido
nervoso. Também se
compreende que os
pacientes sejam mais ou
menos sensíveis,
conforme mais ou menos
grosseiros ou delicados
sejam seus organismos.
(Continua no próximo
número.)