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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 219 - 24 de Julho de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 12)

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. As sugestões empregadas pelos hipnotizadores persistem por muito tempo?

Sim. O hipnotizado torna-se um autômato inconsciente e conserva, durante dias ou semanas, traços desse automatismo, a tal ponto que as sugestões anteriores persistem por muito tempo e podem levá-lo à prática de atos independentes da sua vontade. (O Espiritismo  perante a Ciência, Segunda Parte, Cap. IV – O hipnotismo.)

B. Quais os caracteres comuns ao sonambulismo, ao hipnotismo e à anestesia produzida por substâncias químicas?

Os caracteres comuns observados nos fenômenos citados são a insensibilidade, a perda da lembrança ao acordar e a dupla vista. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. V – Ensaio de teoria geral.)

C. O fluido tem existência real no corpo humano?

Sim. Segundo Delanne, o que os magnetizadores chamam de fluido tem uma existência real no corpo humano e pode agir a distância e ser lançado pela vontade em determinada direção. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. V – Ensaio de teoria geral.)

Texto para leitura

293. O sistema nervoso pode ser influenciado por causas externas, ainda mal definidas, a ponto de modificarem completamente o indivíduo no moral e no físico, de transformarem-no em autômato e de substituírem, por várias sugestões, à sua vontade uma vontade estranha. As experiências tentadas na Alemanha e na França, nesses últimos anos, não deixam nenhuma dúvida a respeito.

294. Liégeois, professor em Direito da Faculdade de Nancy, acaba de chamar a atenção novamente sobre estes fatos, em uma memória interessante lida na Academia de ciências morais e políticas, a 5 de abril de 1884. Liégeois quis, a princípio, verificar pessoalmente a realidade dos fenômenos hipnóticos e ver até que extremos limites se podem estender a influência do homem a seu semelhante. Com o concurso do Professor Bernheim, seu colega cuja maneira de operar explicamos, hipnotizou certo número de pessoas, sãs de corpo e de espírito, e chegou às mesmas conclusões de seus antecessores.

295. O hipnotizado torna-se um autômato inconsciente; o mais curioso é que conserva, durante dias, semanas, traços desse automatismo, a tal ponto que as sugestões anteriores persistem muito tempo e podem levá-lo à prática de atos independentes da sua vontade.

296. O operador poderá inspirar a seu paciente a ideia de ações criminosas que, ao despertar, serão executadas fatalmente, em todos os pontos, com dias e meses de intervalo, segundo afirma Liégeois. Assim, certos pacientes foram, no dia e hora fixados por Liégeois, acusar-se na polícia ou ao procurador da República, de crimes imaginários, com todos os pormenores e nos termos que lhes haviam sido ditados na véspera ou antevéspera.

297. Alguns hipnotizados executaram ou julgaram executar atos terríveis. Uma rapariga, entre outras, deu em sua mãe um tiro de pistola, com o maior sangue frio; inútil dizer que a arma não estava carregada. Outros reconheceram obrigações que absolutamente não tinham contraído. Outros, enfim, a quem se havia sugerido certas frases, certas narrativas, afirmaram, sob sua honra, que tinham visto ou ouvido o que lhes tinha sido indicado durante o sono hipnótico.

298. Há, pois, incontestavelmente, um campo novo aberto à medicina legal. É conhecida a história de Didier, condenado uma primeira vez pela polícia correcional, sem saber do que se tratava, e que agira em estado sonambúlico; foi depois absolvido, na Corte de Apelação, graças ao Doutor Motet, comissionado para o exame médico legal, e que, magnetizando-o, o fez repetir a cena que motivara a prisão. Reconheceu-se a não culpabilidade, ou pelo menos, a irresponsabilidade do paciente, e o julgamento do qual se apelava foi anulado.

299. Não insistiremos nos fenômenos mais conhecidos, mas examinaremos alguns casos em que a personalidade desaparece completamente. “Estás mais velha”, diz-se a uma jovem hipnotizada e logo o seu caminhar, os seus sentimentos são de uma velha. “Estás uma menina” e logo a paciente apresenta a linguagem, os gestos, os gostos de uma criança. Pode-se transformar a hipnotizada em camponesa, atriz, general ou sacerdote. Nada tão curioso como fazê-la general, com uma palavra.

300. E tudo isto é pronunciado em voz baixa, com um simples mover de lábios. A paciente acredita-se a personagem que se lhe diz que é, e tanto assim que se encoleriza quando a acusam de enganar a assistência. Pode-se, ainda, pela sugestão, metamorfosear um homem em animal, em cão, em macaco, em papagaio.

301. Conta Richet que, certa vez, hipnotizara um amigo e lhe disse: – Eis transformado em papagaio, meu pobre rapaz. Após um momento de hesitação, respondeu este: – Devo comer a semente que está na gaiola?

302. De outra vez, uma dama a quem persuadiram que era uma cabra, trepou com agilidade num canapé e fez todos os esforços para subir numa estante.

303. Verificamos que o hipnotizado vê, realmente, o que se lhe quer mostrar, mas o que há de mais notável é a sugestão por ordem, devendo realizar-se em tempo determinado. A mais simples a produzir-se é a do sono. – “Amanhã dormirás às 3 horas”. E, no dia seguinte, o paciente dorme quando soam as três horas, não importa o lugar em que se ache. Não parece um sonho de fadas, em que um mal encantador faz dormir um palácio inteiro?

304. O operador, provavelmente, não pensa mais na recomendação; ela está, porém, gravada, burilada no cérebro do hipnotizado, e o autômato obedece, assim como um aparelho registrador que indicasse um fenômeno no momento em que se produz, movido por máquina de relógio.

305. Eis uma prova ainda mais demonstrativa dessa espécie de obsessão imperativa. A. está adormecida. Richet lhe diz: “Quando acordar, pegue este livro, que está na mesa, leia o título, e o coloque em minha biblioteca.” A. acorda, esfrega os olhos, olha em redor, espantada, põe o chapéu para sair, depois lança a vista sobre a mesa, vê o livro, apanha-o, lê o título. Em seguida, coloca-o na biblioteca.

306. Ao terminar, diremos com Parville: Magnetismo, hipnotismo, ilusões ontem, realidade hoje. Certamente, foi preciso tempo, muito tempo, antes de se decidirem a estudar de perto esses fatos estranhos, mas pode-se afirmar, agora, que os mais eminentes fisiologistas consideram como incontestáveis os principais fenômenos do hipnotismo e do magnetismo animal. É, pois, com certeza absoluta que concluímos pela existência da alma, que se afirma em todas essas experiências.

307. Ao lado dos fenômenos que estudamos, podem enfileirar-se os estados produzidos pelos anestésicos, como o clorofórmio, o éter, o protóxido de azoto e outros. Os pacientes, submetidos à ação desses agentes, são de uma insensibilidade completa às impressões exteriores. É essa propriedade que se utiliza em cirurgia para tirar ao doente a sensação da dor.

308. Não podendo, visto o quadro restrito desta obra, estudar detalhadamente todos os efeitos provocados por esses produtos químicos, limitar-nos-emos ao fato seguinte: O Doutor Velpeau, num relatório que apresentou à Academia de Ciências, em 1842, concluiu pela adoção do tratamento pelo clorofórmio, em todas as operações cirúrgicas bastante dolorosas. Cita grande número de circunstâncias em que os anestésicos deram bons resultados e assinala, como caráter distintivo do sono produzido, a perda de lembrança do que se passou ao acordar.

309. Relata ele a seguinte experiência em uma senhora, a quem operava um câncer num seio. Depois de havê-la adormecido pelos processos ordinários, efetuava a operação, quando a doente lhe disse, com grande espanto para ele, que via o que se passava em casa de uma de suas amigas, não longe dali. Ele não ligou maior importância a essa comunicação, que tomou por fantasia da paciente. Mas, qual não lhe foi a surpresa, quando a senhora em questão, ao vir inquirir da saúde da amiga, declarou que fazia exatamente o que a doente vira durante o seu sono.

310. Assinalem-se, pois, as analogias notáveis existentes entre o sonambulismo magnético, o hipnotismo e a anestesia provocada por substâncias químicas. Nestas três categorias de fenômenos é fácil constatar caracteres comuns, que vamos assinalar:

1 - a insensibilidade;

2 - a perda da lembrança, ao acordar;

3 - a dupla vista.

311. Essa identidade nos resultados indica identidade de causa. Devemos procurá-la e podemos, nos três casos, atribuir os fenômenos verificados a uma modificação no sistema nervoso.

312. Essa modificação, produzida no conjunto do sistema nervoso, determina o desprendimento da alma; e quando esta parte imaterial de nós mesmos se torna mais livre que no estado normal, quando está menos ligada ao corpo, pode irradiar a distância, e apresentar os caracteres que se atribuem, à falta de melhor explicação, a uma superexcitação dos órgãos dos sentidos.

313. É incontestável que o sistema nervoso fica profundamente modificado nesses fenômenos; estudemos, pois, com Claude Bemard, quais os excitantes que o podem influenciar.

314. Há 3 espécies de excitantes do sistema nervoso: os físicos, os químicos e os vitais. Fixemos mais especialmente nossa atenção nos irritantes químicos e entre esses estudemos a ação dos anestésicos no organismo.

315. Segundo Claude Bemard, “os anestésicos diminuem a excitabilidade, não, porém, de maneira geral nem em todos os tecidos: assim, o clorofórmio só atua nos nervos da sensibilidade; o mesmo se dá com o éter, o álcool, o protóxido de azoto. Quando estão sob a influência dos anestésicos, os nervos sensitivos não são mais atacados pelos excitantes normais, nem mesmo pelos anormais, que, em estado ordinário, aumentariam a intensidade dos fenômenos, a ponto de produzir a morte. É que a vida dos nervos se torna, então, quase latente, ou pelo menos, se encontram eles num estado de entorpecimento que os protege”.

316. Quando se aplicam no homem os anestésicos, podemos notar, no caso citado por Vulpian, que o estado nervoso em que se achava o paciente, caracterizado pela insensibilidade, pela perda da lembrança, ao acordar, e pela dupla vista, coincide com a insensibilidade dos nervos, com a do sentimento, com uma vida latente dos nervos sensitivos. Cremos, pois, que, todas as vezes que encontrarmos reunidas essas condições, o sistema nervoso sensitivo estará paralisado.

317. É o que acontece quando se examinam os fenômenos do hipnotismo. Todos os agentes físicos empregados, como a luz, o som, o olhar, são excitantes do sistema nervoso, que mergulham o paciente num estado especial, chamado sono hipnótico.

318. O método operatório do Professor Bernheim, que alia aos processos hipnóticos as práticas dos magnetizadores, leva-nos a perguntar se os excitantes físicos poderiam, por vezes, substituir-se aos excitantes vitais. Responde Claude Bemard: “Algumas vezes, os excitantes físicos podem produzir os efeitos que resultam igualmente da ação dos excitantes vitais. Assim, certos ácidos provocam a contração do másculo; a eletricidade produz o mesmo efeito. Mas, no estado fisiológico, esse fenômeno se manifesta sob a influência do nervo. Du Bois-Reymond acreditava poder atribuir essa influência a uma causa física, considerando o nervo como um órgão que segregasse, de algum modo, a eletricidade. Infelizmente, os fatos não vieram, ainda, demonstrar esta hipótese, à qual o próprio Bois-Reymond parece ter renunciado. Somos, pois, forçados a chamar esta força nervosa, até nova ordem, um irritante vital, isto é, uma força que ainda não se pôde fazer entrar no número das forças físico-químicas, visto que esta expressão vital não tem outro sentido.”

319. O que os magnetizadores chamam de fluido, em que pese a Bersot, tem, pois, uma existência real no corpo humano. Esse fluido nervoso é um irritante vital, pode agir a distância, ser lançado pela vontade em determinada direção, como se vê nas experiências da Academia, relatadas por Husson. Vimos, com efeito, que o paciente Cazot adormecia sob o influxo enviado pelo magnetizador Foissac, colocado em outro quarto.

320. Notaremos, ainda, que a vontade é uma força e, de nenhum modo, como se supôs, simples estado de consciência. É o que se verifica do seguinte lanço de Claude Bernard: “A ação da vontade constitui um excitante vital por excelência, impossível de substituir, e que atuaria de modo particular sobre a medula espinal. Estes fatos foram bem postos em evidência por Van Deen.”

321. De outro lado, Rosenthal, no livro Les Muscles et les Nerfs, descreve uma experiência, por onde se pode medir a influência da vontade, pelas correntes elétricas, que ela determina nos músculos.

322. Podemos, portanto, admitir, que os fatos do sonambulismo provocado pelas práticas magnéticas são devidos à ação do fluido nervoso do magnetizador, dirigido por sua vontade, e que vai irritar o sistema nervoso sensitivo do paciente, para o mergulhar em um estado especial, durante o qual os nervos sensitivos ficam aniquilados, entorpecidos.

323. É pela vontade, esse irritante vital por excelência, que se propaga pelo fluido nervoso, o qual serve de condutor, do magnetizador ao paciente. No caso do sonambulismo natural, é a própria vontade do paciente que o leva a esse estado. Basta a intensa preocupação de alguma coisa, para explicar por que o espírito superexcitado faz mover seu corpo, no estado sonambúlico.

324. Os diferentes excitantes de que falamos só atuam sobre o sistema nervoso sensitivo. Mas não têm todos e sempre a mesma intensidade; daí as diferentes fases dos fenômenos observados. Isto está de perfeito acordo com a fisiologia: “Todos os irritantes, qualquer que seja a sua natureza, físicos, químicos ou vitais, devem ser tidos como irritantes especiais de certos tecidos, de certos órgãos. Mas a especialidade não é tudo; cumpre, ainda, ter-se em conta a quantidade do irritante. A importância dessa consideração foi já indicada por Brown, que chamava incitação normal a que produzia o irritante empregado em sua dose ordinária. Quando se ultrapassava essa dose, a incitação tornava-se irritação e produzia fenômenos mórbidos. Foram esses dados que Broussais seguiu e que formaram a base de sua patologia geral. A quantidade do irritante, é, pois, um ponto importante. Assim, quando se faz passar em um órgão uma corrente elétrica muito fraca, os tecidos não são irritados nem reagem. Mas, aumentada a força da corrente, obter-se fenômenos cuja intensidade irá crescendo, com certas qualidades da corrente, até tomar um verdadeiro caráter mórbido. Há, pois, certa medida a atingir na aplicação de um irritante e essa medida depende, ao mesmo tempo, da quantidade maior ou menor do irritante e da suscetibilidade mais ou menos delicada do próprio órgão.”

325.  Daí o poder mais ou menos forte dos magnetizadores, conforme a energia de sua vontade e a força de seu fluido nervoso. Também se compreende que os pacientes sejam mais ou menos sensíveis, conforme mais ou menos grosseiros ou delicados sejam seus organismos.  (Continua no próximo número.) 

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita