CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
No Dia dos Pais,
uma reflexão
sobre a
simplicidade
Noutro dia vi na
TV o que
considero talvez
um dos mais
belos anúncios
levados ao ar
por ocasião da
proximidade do
Dia dos Pais.
Nem me recordo
qual o produto
anunciado, mas a
cena é
belíssima. Um
menininho
pequeno - mas
bem pequenininho
mesmo! - ouve o
ruído da chegada
tardia de seu
pai em casa, de
seu quarto,
onde, metido no
seu pijaminha,
já dormia. Tonto
de sono, ao som
de música
clássica
belíssima,
levanta
esfregando os
olhinhos, calça
seus chinelinhos
de pato. Sai do
quarto e, nos
seus passinhos
bêbados, chega à
sala, onde o pai
acaba de fechar
atrás de si a
porta,
retornando do
trabalho, e
admirando-se de
ver ali, àquelas
horas, o
pequeno,
certamente se
indagando a
razão daquilo.
O menino vai até
ele. Estende os
dois bracinhos e
o pai,
intrigado, se
inclina. E se
emociona. O
menininho lhe dá
um abraço e um
beijo de
boa-noite e,
bocejando, volta
para o seu
quarto e para o
aconchego da sua
caminha.
Simplicidade!
Não é de hoje
que me pergunto.
Onde foi parar a
impagável
simplicidade -
em tudo?
Todavia,
principalmente
nestas datas,
nestas ocasiões
nas quais
convencionou-se
que se comemorar
devidamente o
Dia dos Pais,
Dia das Mães,
Páscoa, Natal, e
outros só se
reveste de
significado
digno diante de
uma pujança
compulsiva de
gastos, de
alarde, de
barulho, durante
os quais o que
se observa,
sobretudo, são
pessoas
estressadas,
apáticas, quando
muito
condicionadas ao
ritual imposto
pelas exigências
ardilosas
outorgadas pelas
táticas hábeis
do capitalismo
de consumo com o
decorrer das
décadas, em
substituição à
joia autêntica -
e esta, sim, o
alimento do
espírito! - do
calor humano, do
afeto, da
amorosidade que,
a meu ver, é
tudo, é a viga
mestra! Não dos
"Dia disso" ou
"Dia
daquilo"..., mas
do que de fato é
o cerne de todas
estas ocasiões:
o amor e a
fraternidade
entre os seres
humanos, entre
os entes
queridos!
Lembro-me de que
na minha
infância, nestas
datas, eu tinha
por hábito fazer
cartões, eu
mesma. Gostando
desde cedo de
desenhar e
escrever, tomava
de uma folhinha
A4, dobrava, e
me deleitava:
desenhava ali
cenas familiares
que só nós
mesmos, da
família,
entendíamos e
das quais
apreciávamos a
significação;
pintava o
desenho,
escrevia frases
carinhosas
dirigidas aos
meus pais. Um ou
outro certamente
comprava uma
lembrança que o
cartãozinho de
próprio punho
acompanharia;
mas o certo é
que lhes
entregava
fielmente aquele
cartãozinho
triunfante,
porque lia nos
seus olhos:
certamente era o
que eles mais
valorizavam e
apreciavam, de
conjunto com o
meu amor, beijo
e abraço
carinhosos de
filha..., que,
aliás,
distribuía aos
montes durante o
ano, porque
nunca entendi
que amor e
homenagens aos
pais eram
restritos a uma
data estipulada
arbitrariamente
- assim como
também eles me
ofereciam um
digno "Dia das
Crianças" todos
os dias,
infalivelmente!
Mas hoje, não.
Observo que as
escolas, em sua
totalidade, e
alegando as
exigências
didático-pedagógicas
dos dias de
hoje, se esmeram
em celebrações
retumbantes.
Anunciam-nas já
no princípio do
ano letivo,
convocando a
todos. Festas
com missas,
apresentações
teatrais e
danças das
várias classes
em homenagem a
pais ou mães;
gincanas,
guloseimas,
sorteios,
bingos... e,
unanimemente,
sempre sob os
pretextos do
mundo
globalizado e
sua exigência
draconiana de
interação
frenética entre
as pessoas,
fizeram crer aos
estudantes de
todas as idades,
com o passar das
décadas e das
mudanças, que
isto é
importante, é
vital, é
indispensável...
Queiram me
desculpar, se
vou aqui contra
a maré... Mas
resta-me a
sensação de que
o pai, a mãe,
diante de todo
este aparato...
"se diluem"!...
O ser humano,
como sempre,
perde em
importância
perante a mente
e o coração da
criança ou
adolescente para
a necessidade
imperiosa de se
embriagar
dançando,
representando,
comendo,
festejando com
brilhos e música
ruidosa um
simples e belo
Dia dos Pais,
que talvez, e
principalmente,
pedisse antes
intimidade
familiar,
carinho, química
amorosa; e, na
privacidade do
lar, a alegria
pura e simples
entre filhos e
seus pais!
Mas e o Pai?!...
O pai está ali,
em meio àquele
tumulto de
centenas de
parentes, de
outros pais,
professores,
equipes
pedagógicas,
diretores,
fotógrafos...,
no mais das
vezes
emocionados, é
fato! Mas que se
note, e deixemos
de hipocrisia:
ainda e sempre,
emocionados
com seu (s)
filho (s), única
e exclusivamente!
Aqueles filhos
que ali estão
adiante, menores
ou maiores,
dançando,
representando,
cantando com os
olhares ora
perdidos ora
assustados, ora
indiferentes, em
muitas das vezes
- observo já não
é de hoje! - com
expressão
ausente, olhando
em torno...,
fazendo bem o
"trabalho de
casa".
Então acaba a
dança e o
barulho, após a
espera de muitas
outras turmas
anteriores à do
seu filho que
também ensaiaram
e fizeram o
mesmo.
Entrega-se à
lembrancinha
feita pela
própria criança
- talvez que o
de maior valor
em meio a tanto
barulho e
movimento! - que
o pai ou a mãe
recebem de suas
mãos ainda
emocionados,
sorridentes. E a
criança, já
distraída,
pergunta o que
farão em
seguida; irão
para casa?! A
uma pizzaria?!
Ao cinema à
tarde?!
Não sei... Tenho
uma rejeição
irrefreável,
natural, por
esta compulsão
quase neurótica
de se ter que
fazer algo a
respeito de
coisas que
pediriam, única
e simplesmente,
o que de maior
valor se
reveste: amor
e afeto, na
intimidade de um
lar. Fico me
recordando
insistentemente
do tal "tesouro
que a traça não
corrói e o tempo
não desgasta"
- lição de tanta
simplicidade,
milenar, a
respeito do
alimento
verdadeiro,
gerador da
autêntica
felicidade...,
alimento do
espírito! E,
inevitavelmente,
considero tudo
isso uma
frivolidade!...
Mas é importante
para as
crianças,
fizeram com que
acreditassem
nisso... e todo
ano lá vamos nós
de novo!
Ah! E os -
muitos! -
que não têm pais
ou mães numa
data dessas?! Os
pais e mães
falecidos, ou
desertores do
lar, e tantas
outras situações
que naturalmente
excluem muitos
estudantes
destas festanças
artificiais de
sentimentos, de
real sentido?!
- Ah! - alguém
há de dizer -
Estes não são
maioria! Não
podemos
sacrificar o
resto por causa
deles! –
Argumentará, com
a voz
inconsciente do
egoísmo.
Será que não
são
maioria?! Nos
tempos em que
vivemos, nos
quais, por esta
linha mesma de
mentalidade, os
seres humanos
tornaram-se
descartáveis?!...
E aí prevalece,
ainda e sempre,
a legenda da
exclusão
egoística, do
preconceito...,
a mesma que até
os dias de hoje,
em pleno século
XXI, considera
inviável a
inclusão de
"minorias" como
as crianças
especiais, as
órfãs, as menos
favorecidas
economicamente...
Não vamos parar
de festejar em
grande
estilo...,
porque, afinal,
estes são
minoria!...
Sabem? Às vezes
me vem o
pensamento:
Como Jesus, à
sua época,
homenagearia os
próprios pais?...
Fica a
reflexão...