O paradigma
cliente-fornecedor
na Casa Espírita
Determinados
teóricos gostam
de aplicar o
modelo
empresarial em
tudo. Escola,
governo,
família,
casamento e até
nas organizações
religiosas, como
se fosse uma
formula mágica
de eficiência e
perfeição em
tudo o que se
faz. Aplicam os
conceitos da
administração e
as regras de
mercado sem
adaptações,
supondo que
sejam os mesmos
pressupostos
aplicados a
todas as
organizações.
Quase um
dogma...
Assim como na
gerência de uma
empresa, onde
importam metas,
rendimentos e o
lucro, aplicam
alguns às
organizações
religiosas esta
lógica,
fortalecendo
entre estas e
seus integrantes
a relação
cliente-fornecedor.
As casas
espíritas não
estão isentas de
serem incluídas
nessa lógica. Na
literatura, nas
falas e nos
documentos
administrativos,
essa visão de
mundo se
materializa,
reforçando uma
concepção
empresarial que
separa em castas
trabalhadores e
frequentadores.
Reduzem-se as
relações – e
digo: reduz,
pois a relação
em uma
organização
religiosa é
muito mais do
que isso – a
questão de que
um oferece um
serviço
(evangelização,
assistência
espiritual,
palestra) e o
outro recebe,
consome, avalia
e exige a
qualidade
prometida. Se
não gostar,
reclama e busca
outro fornecedor
no mercado. A
ideia
competitiva se
sobrepõe à
colaborativa, em
rankings
informais e
disputas
infindáveis.
Não vejo
problema nenhum
em se avaliar
pessoas e
organizações...
O problema é
essa relação
empresarial,
onde, sob o
discurso da
pretensa
eficácia e
eficiência,
atropelamos
pessoas. Temos
indicadores de
sucesso
internalizados
vinculados a
eventos,
quantidades de
frequentadores e
outros fatores,
mensuráveis,
mais exteriores.
É complexa a
importação de
conceitos de
outros campos,
indistintamente.
Produto é um
conceito
fabril...
Falamos de
resultados como
se na tarefa
espírita, no
mundo das
pessoas, todo
resultado fosse
palpável e
imediato.
O aconchego, o
ambiente
fraterno, a
comunhão de
esforços são
valores da casa
espírita que não
podem ser
esquecidos. E
são
imensuráveis...
A sanha de se
avaliar tudo e
todos não pode
suplantar o
desejo de
vivenciar e
sentir.
Na empresa, o
funcionário
problemático é
descartado, o
trabalhador que
falha é demitido
e o cliente,
esse tem sempre
razão. É uma
relação
contratual, de
partes, de
deveres e
direitos mútuos.
Para a casa
espírita,
templo-lar-escola
entre dois
mundos, devemos
construir outros
paradigmas de
relação, que
sejam suportados
pelos paradigmas
filosóficos aos
quais estamos
vinculados. Para
isso estudamos e
refletimos.
Na casa espírita
buscamos
aproveitar o
melhor de cada
um, entender as
dificuldades e
ajudar ao
próximo, sem
esperar a
contrapartida.
Entendemos a
vida como
eterna,
sucedendo-se em
múltiplas
encarnações. A
dimensão da
prática do bem,
reflexiva, não
está vinculada à
quantidade de
bolsas
distribuídas e
sim à reforma
íntima em nós
proporcionada. O
propósito da
casa espírita é
a construção do
homem de bem!
O problema desse
paradigma, sob o
manto da
miraculosa
eficiência, é a
segregação de
papéis, a
profissionalização
religiosa, a
frieza no
envolvimento das
tarefas e a
burocratização
das realizações,
escondendo o
jogo de poder
imbricado nesse
modelo.
Terminamos por
achar que uma
boa casa
espírita é
aquela que tem
instalações
físicas de
primeira linha,
um belo site e
grandiosos
eventos.
Esquecemos a
edificação no
altar interior,
que não se
vincula a
ostentação no
plano concreto.
A missão, a meta
da casa
espírita, é de
difícil
mensuração.
Falamos de dois
planos de vida,
de ações que às
vezes demoram 20
anos para
frutificar ou,
ainda, ações de
alto risco e de
baixo retorno.
Não é uma
empresa, visando
ao lucro,
abocanhar outras
fatias de
mercado ou,
ainda, remunerar
o investimento
de seus
acionistas. Na
casa espírita
trabalhamos com
integração de
forças e não na
biunívoca
relação
contratual, do
toma-lá-dá-cá.
Bem, pelo menos
deveríamos...
Somos
voluntários e
não
funcionários.
Não temos
chefes, temos
amigos.
É um assunto
delicado, mas
que merece a
nossa profunda
reflexão, dando
a César o que
lhe pertence,
inclusive na
forma de ver o
mundo.