Literatura
espírita: entre
o ser e o
parecer
Um romance
espírita há de
ser espírita.
Parece óbvio.
Mas nem sempre é
o que acontece.
Temos visto uma
quantidade de
publicações em
nosso meio que
infelizmente não
apresentam o
compromisso de
divulgação
doutrinária.
Nesse caso,
podemos
classificar tais
obras como
ficção, isto é,
matéria narrada
a partir de uma
trama inventada,
com personagens
imaginários. Se
de boa
qualidade, é
outra conversa.
Seus autores
poderiam
simplesmente
publicá-las
através de uma
editora não
especificamente
espírita e
seguir
naturalmente sua
carreira, se
esta for a opção
que escolheram.
Acrescentar o
adjetivo
ESPÍRITA implica
vínculos com uma
Filosofia e seus
postulados,
claramente
expostos nas
obras da
Codificação
Kardequiana.
Usar o
Espiritismo sem
explicá-lo é um
desrespeito,
principalmente
se, ao lado de
não se passar o
conhecimento,
deixar-se o
autor resvalar
para um terreno
de fantasia que
corre por conta
do seu próprio
imaginário. Ou
do Espírito que
o inspira. É
preciso lembrar
que Espírito
também é gente e
vice-versa. E
gente nem sempre
acerta.
Espiritismo é
lógica, bom
senso. É fé
raciocinada. O
leitor, a essa
altura, poderá
se indagar:
“Então, será uma
obra teórica e
não um romance?”
Claro que pode
ser um romance e
muito agradável
de ler. É o que
vemos, por
exemplo, em E
a vida continua,
de André
Luiz/Chico
Xavier, e outros
tantos da mesma
dupla. Por
conter um
conflito gerador
de uma trama
–
que encadeia uma
série de
acontecimentos
entrelaçados,
com ação,
diálogos,
personagens,
além do jogo
tempo e espaço,
com planos
diferentes da
vida - o romance
espírita
expõe os
ensinamentos
doutrinários de
maneira prática.
Através dos
desafios
enfrentados
pelas criaturas
envolvidas no
enredo entre a
vida e a morte,
em seus acertos
com a lei de
causa e efeito,
envolve o leitor
que, muitas
vezes tocado
emocionalmente,
vai assimilando
princípios
norteadores para
a sua vida
pessoal, para o
seu entendimento
de estar no
mundo e de sua
destinação
evolutiva. O
mundo precisa do
ESPIRITISMO.
Algum dia,
talvez, não haja
mais necessidade
de religiões,
porque os fatos
espíritas serão
estudados nos
livros
escolares! Mas,
por enquanto, a
Fé Raciocinada é
que oferece
respaldo para o
enfrentamento
das
transformações
do mundo
contemporâneo.
As crenças
dogmáticas não
sustentarão por
muito tempo a fé
dos jovens do
século XXI,
diante da força
da mídia, com
suas informações
sobre as
descobertas da
História e
conquistas da
Ciência. Somente
o Espiritismo
enfrentará essa
avalanche de
transformações,
mantendo a
certeza de Deus
– pelo conceito
abrangente e
filosófico de
“causa primária”
–
e da
imortalidade
espiritual, pela
lógica com que
apresenta o
Espírito, não
como uma
abstração, mas
como uma
concretude. Com
todas essas
informações,
feito bússola em
nossas mãos, a
iluminar o
escuro dos
caminhos do
mundo, vamos
deixar a luz
debaixo do
alqueire?
Portanto, um
romance
espírita,
desprovido de
ensinamentos
espíritas de
fato, é
dispensável!
Podem seus
autores, com
todo respeito,
buscar outras
editoras. Ou
podem as
editoras usar de
critérios mais
rígidos em seu
trabalho de
seleção.
Interessar o
público pelo
Espiritismo sem
fundamento é
iludi-lo, não é
honesto. Seria
fazer o que
Kardec
desaconselha na
introdução a O
Livro dos
Médiuns sobre o
objetivo da
obra: “Ela
contribuirá,
pelo menos assim
o esperamos,
para imprimir ao
Espiritismo o
caráter sério
que lhe forma a
essência e
para evitar que
haja quem nele
veja objeto de
frívola ocupação
e de
divertimento. A
essas
considerações
ainda aditaremos
outra, muito
importante: a má
impressão que
produzem nos
novatos as
experiências
levianamente
feitas e sem
conhecimento de
causa,
experiências que
apresentam o
inconveniente de
gerar ideias
falsas acerca do
mundo dos
Espíritos e de
dar azo à
zombaria e a uma
crítica quase
sempre fundada”.
O que Kardec
chama de “gerar
ideias falsas a
respeito do
mundo dos
Espíritos”? E do
próprio papel do
Espiritismo? Há
certas condutas
que acabam
realmente
dando margem a
críticas
fundadas.
Isso. Como se
não bastassem
críticas
infundadas, nós
mesmos damos
chances a que
nos afundem em
pouca água!
Outro fato
curioso a
respeito da
literatura
espírita, e que
não se consegue
entender bem, é
que deva ser
necessariamente
psicografada.
Ora, se existem
desencarnados
escritores que
são espíritas,
também existem
encarnados
espíritas que
são escritores!
Independente da
sua
classificação
temática
–
policial, de
amor, de
aventuras – ou
da estética
literária a que
possa se filiar,
um romance será
inevitavelmente
um cruzamento de
muitas vozes.
Pois assim é um
texto. Um tecido
que cruza fios
diversos no tear
das influências,
que vão desde os
sedimentos
culturais,
familiares, da
formação pessoal
de quem escreve,
até as vozes do
contexto social,
histórico, e das
leituras
incorporadas
pelo autor. Do
ponto de vista
espírita,
sabemos que
nunca estamos
sós. Estamos
sempre
acompanhados de
“uma nuvem de
testemunhas”,
Espíritos que
nos intuem
constantemente.
Enfim, se a
relação entre os
chamados
Espíritos e os
homens
(Espíritos
encarnados) é
praticamente
constante, quase
tudo o que
fazemos será em
parceria! Claro
que a parceria
pode ser boa ou
não... Depende
da nossa
escolha!
Voltemos ao
romance. No ato
de criar uma
obra literária
pode ser que o
autor sinta
“algo diferente”
a que chama
inspiração. Mas
ao mesmo tempo
contribui ele
próprio com o
seu trabalho,
com as suas
vozes. Nem
por isso precisa
“assinar a obra
com o nome de um
Espírito”, pois
se foi inspirado
por um ou mais
de um
desencarnados de
bom caráter,
esses
companheiros não
farão conta de
fama e glória.
Claro que não
estamos nos
referindo aos
escritos
inegavelmente
psicografados
por médiuns
sérios ou
ditados
claramente por
Espíritos,
mas simplesmente
confirmando
outra opção para
a literatura
espírita. Aliás,
independente do
objeto da
criação
artística,
lembremos que em
O Livro dos
Médiuns
temos a
afirmativa de
que os artistas
– e aqui podemos
incluir os
escritores – são
muitas vezes
médiuns, sem se
darem conta.
O problema é
que, no meio
espírita, muitos
de nós ficamos
encantados
com a
psicografia, com
as obras
mediúnicas e,
nem sempre,
utilizamos para
selecioná-las o
critério
kardequiano do
bom senso, da
utilidade da
informação, da
seriedade
doutrinária e de
outros aspectos,
além da própria
qualidade do
texto. Aliás, os
mesmos critérios
devem ser
utilizados para
obras não
mediúnicas
também.
Um exemplo de
bom escritor
espírita é o de
Richard
Simonetti que,
depois de muitas
obras
publicadas,
lançou
recentemente o
romance O
Plano B.
Simonetti foi
inspirado?
Certamente. Mas
assinou o seu
livro! Já
respeitado por
seu estilo
informal,
agradável de
ler, escreve
e assina embaixo,
naturalmente. Ao
sabor da palavra
fácil, num
romance rico de
ensinamentos
doutrinários,
com informações
históricas e
sociais,
entrelaçando
crônicas em meio
à matéria
narrada,
Simonetti mostra
aos escritores
espíritas outro
caminho para a
nossa
literatura, que
não seja a obra
mediúnica. Um
romance de fato
espírita e não
psicografado.
Nada contra a
psicografia
séria. Mas eis
aí um Plano
B!
Bibliografia:
KARDEC, A. O
Livro dos
Médiuns. FEB.
1996;
SIMONETTI, R.
O Plano B.
CEAC, 2010.