O doente da
janela e a
importância da
palavra
O poder fluídico
da palavra é
demais
importante e
todos nós temos
condições de
transmitir ao
nosso próximo
vibrações boas
ou ruins,
independente das
verdades que
possam conter.
Este é um dos
conhecidos casos
em que podemos
fazer ou trazer,
mesmo que
momentaneamente,
a alegria ou o
bem-estar a
alguém.
Num quarto de
hospital, duas
camas acomodavam
dois doentes, os
quais, com o
passar do tempo,
fizeram boa
amizade.
O doente mais
antigo
encontrava-se no
leito que ficava
próximo da
janela, enquanto
que o outro se
achava pouco
mais afastado e
num ângulo que
não lhe dava
condição alguma
de visualizar,
através dela, o
mundo exterior.
Ambos
compartilhavam o
mesmo ambiente,
com luz em
penumbra
permanente, há
meses, devido à
gravidade do mal
que os
acometera.
O primeiro e
mais antigo
‘hóspede’,
sabedor de que
seu companheiro
também não podia
se levantar, e
muito menos
expiar a vida
além do quarto,
procurava, a
todo momento,
passar-lhe os
fatos novos,
descrevendo-os
em seus
detalhes, com o
fim de abrandar
o infortúnio e
minorar suas
lamentações.
Sentado à cama
com
naturalidade,
informava ao
amigo como
estava o dia lá
fora, e como as
pessoas se
comportavam,
quando era
chuvoso ou
ensolarado.
Referindo-se à
saúde, fazia ver
ao amigo como
era bom caminhar
pelo imenso
jardim da praça,
em meio às
frondosas
árvores que
faziam gostosas
sombras sendo
bem aproveitadas
pelos
transeuntes.
Descrevia os
casais que se
acomodavam sob
suas copas e ali
permaneciam
horas a fio, em
franca harmonia
coloquial;
também falava
das crianças,
que corriam de
um lado a outro
do parque, em
torno da fonte,
cujas águas
brilhavam à luz
do Sol,
espargindo
alegria e
frescor.
O amigo ouvinte,
a cada
informação que
chegava, deixava
a imaginação
trabalhar com
sua peculiar
fertilidade e
também se via em
meio àquele
paraíso, que lhe
era descrito
todos os dias.
Certa vez, o
doente da janela
levantou-se um
pouco mais na
cama, ajustou-se
nos travesseiros
e avisou o amigo
que um grupo de
pessoas
uniformizadas,
certamente uma
banda, estava
desfilando ao
lado do jardim,
sem que pudesse
ouvir-lhe o som,
enquanto que
outros, em ares
felizes,
acompanhavam-na
agitando
flâmulas.
Empolgado, o seu
amigo encheu-se
de alegria.
Aprumou os
ouvidos e disse
que podia
escutar
suavemente o som
dos instrumentos
que vibravam em
harmonia sonora
com a natureza,
e que isso
estava trazendo
mais alegria ao
ambiente interno
do hospital.
Mas, numa manhã,
quando tudo
parecia normal
por ali, com a
enfermeira
trazendo os
remédios
costumeiros, uma
triste novidade
no quarto: o
doente da
janela, ao ser
chamado, não
acordou; já não
vivia mais...
A campainha foi
tocada e o
quarto
rapidamente se
encheu de
funcionários que
lamentaram a
partida, pois
todos já se
haviam
acostumado com o
bondoso senhor
que ocupara por
longos meses
aquele leito de
dor e
sofrimento.
Retomada a
rotina, o outro
doente, como não
podia
levantar-se,
pediu que o
colocassem na
cama próxima da
janela, para
poder, ao menos,
passar melhor o
tempo apreciando
o mundo lá fora.
Quando a
enfermagem o
atendeu, qual
não foi sua
surpresa!
Aquela janela,
por primorosa
lhe parecesse,
dava para uma
parede de
tijolos, em
estreito
corredor, sem
acabamento, e
sem oferecer
qualquer chance
de uma vista
externa.
O doente,
intrigado e
surpreso,
perguntou à
enfermeira:
– Como meu amigo
via e transmitia
tanta beleza, se
na verdade nada
disso existe?!
E ela, de cabeça
baixa e com voz
suave,
respondeu-lhe:
– Aquele homem
bondoso que
repartira com
você longos
meses o sombrio
ambiente do
quarto
transmitindo-lhe
sempre alegria e
bons
pensamentos, era
cego, nunca
enxergou!