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Crônicas e Artigos

Ano 5 - N° 228 - 25 de Setembro de 2011

CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

Desapego


Quando lá ia eu toda contente com o meu novo horário de trabalho, entrando pela manhã e saindo à tarde, vai a Justiça e revê as suas determinações, devolvendo-nos à velha rotina de se entrar às onze da manhã e sair às seis ou sete horas da noite!

Não me pegou tão despreparada, nem me deixei arrebatar por inconformação, porque já faz tempo que a vida me conduziu à sábia aplicação daqueles refrões da legendária canção de Lulu Santos: "Nada do que foi será / de novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará / A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito / Tudo que se vê não é / igual ao que a gente viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo no mundo / Não adianta fugir / nem mentir pra si mesmo agora / Há tanta vida lá fora / aqui dentro, sempre / Como uma onda no mar!

Desapego, meu caro leitor ou leitora! Como nos é útil, e ao mesmo tempo tão difícil em muitos momentos! E em relação a mais coisas do que talvez você imagine!

Imprescindível esta conscientização, para adotarmos um modo de se viver mais leve!

As mudanças, por vezes bruscas, nas circunstâncias de trabalho! As guinadas familiares. As transformações naturais que arredam para longe de nós pessoas e situações confortáveis às nossas comodidades e preferências...

O amigo que se foi. O parente que fez a passagem... A mudança de comportamento gradativa nos nossos filhos... As modificações diárias, imperceptíveis, no nosso próprio corpo e temperamento, conduzindo-nos paulatinamente, da infância à juventude, e daí à maturidade e à velhice...

Como ficaremos, se nos apegarmos ferrenhamente às coisas, pessoas, e às características transitórias de momento?

E de que nos adiantará, eu lhes pergunto, meus amigos, este esforço?!

Será o mesmo que se tentar reter o ar entre os dedos!

Sem que nos apercebamos, o apego é um dos fatores desencadeadores de sofrimento mais recorrente! Porque nos apegamos a objetos, pessoas e condições! Enchemo-nos de verve para proclamar que somos isto ou aquilo, ou que temos isto, aquilo, ou alguém... Nomes e títulos.

Circunstâncias!

E então, as ondas impetuosas da vida nos colhem de improviso, de tempos em tempos, arrastando para longe tudo aquilo que tomávamos como sustentáculo, como identidade e referência de vida, emprestando-nos a sensação de que nos falta o chão!

Os títulos, dadas vezes os perdemos, ou eles mesmos se esvaem, de si, de importância ou utilidade. As pessoas ficam durante um tempo por perto e depois se vão, de um ou de outro modo: por vontade própria ou do destino, pela passagem da morte, pelos lances ocasionais que as situam longe de nós.

Objetos se desgastam, se quebram, ou se perdem. Posses mudam de feição ou de mão. O carro vai para outro, a casa é herdada por aquele, ou nos mudamos dela. Pessoas novas chegam, outras se vão. O dinheiro "quica" em nossas contas bancárias, para logo depois se transmudar em pagamento de contas ou em compras de mercado, que logo são consumidas e somem...

Finalmente, apegamo-nos a nossos nomes, famílias e países. Mas quantos nomes já tivemos, com quantas famílias convivemos, e em quantos países reencarnamos durante o percurso pela eternidade?!

O ser humano comete o erro temerário de visão de se considerar intrínseca e definitivamente branco ou negro, pardo, brasileiro, paulista ou inglês, e nunca lhe ocorre que o limite inexorável destas referências de identidade, às quais tanto se apega, e que lhe deveriam funcionar não mais como utilitarismo de momento, é o túmulo!

Sim! Eis o fatal divisor de águas, a partir do qual desaguamos na realidade mais autêntica de nós mesmos e de tudo!

Somos cidadãos universais! E, em nosso belo planeta azul, deveríamos nos considerar não muito mais ou além de meros habitantes de uma mesma raça planetária: a raça humana!

Tudo o mais, leitor e leitora amiga, são fogos-fátuos, que nos hipnotizam durante um momento mais ou menos breve, emprestando-nos a ilusão de posse e de permanência, para, nalgum momento inevitável, logo ali, se esvair de nossas vistas e alcance, sem apelação!

Não quero significar com estas assertivas que devemo-nos imbuir de frieza e isenção de sentimentos para com a nossa situação, e para com aqueles que nos acompanham, porque todo este contexto de coisas, fatos, paisagens e pessoas representam valioso presente da Vida com que interagimos em compasso de evolução conjunta. Merecem, sem margem a dúvidas, reverência! Amar ao próximo como a si mesmo, e a Deus sobre todas as coisas!, já nos asseverava o Cristo com esta máxima que é o próprio mantenedor do equilíbrio da Vida no Universo! Todavia, não se deveria jamais confundir amor com posse. Em princípio, porque não somos donos de nada nem de ninguém, e mais cedo ou mais tarde descobriremos esta verdade, pelos caminhos da dor ou da sabedoria!

A mãe, ou os filhos, maridos e esposas, quem seja..., um dia se vão! Então, procuremos amá-los na sua presença ou na sua ausência, mas de forma sábia: reverenciando-os, naquele recanto sagrado de nossos corações! Compreendendo-os, o mais possível. Convivendo de maneira harmoniosa, e auxiliando-os - mas sempre compenetrados da necessidade de isentá-los de possessividade doentia, e de se entender que são eles, como nós mesmos, filhos da Vida! Vida concedida por este mesmo Criador dos mundos, porque é para Ele que todos somos destinados!

As situações, as contingências, bons e maus momentos vêm e se vão. Deixemos que partam, sem maiores dores ou constrangimentos. Sejamos agradecidos. Certamente, nos legaram a sua cota preciosa de amadurecimento...

Amigos ou amores nos deixaram, desapareceram nas curvas do longo caminho? Foi um aprendizado mútuo. Irradie o seu carinho, a sua gratidão! Quase certo que um dia a Lei da Sintonia nos reunirá novamente, para instantes de alegria e efusões de afetividade! Mas, por enquanto, os caminhos da liberdade e do livre-arbítrio nos reservam novas lições. Renovadas oportunidades de crescimento e de aprendizado!

E isto vale, meus queridos, tanto para os que nos deixam para a continuidade da vida noutras esferas ou dimensões, quanto para coisas, fatos, situações, condições passageiras de agora. Não somos nada definitivo, não temos nada em definitivo.

A Vida nos empresta tudo! Mas a única coisa que permanece é esta mesma Vida em nós, em forma de consciência!

Viemos sem nada a este mundo; e, na despedida dele, carregaremos apenas a nós mesmos! Mas não os nossos nomes, profissões, posses e títulos! Isto de nada nos serviria nos parâmetros radicalmente diferentes nos quais seremos chamados a viver. Devolveremos a este mundo o que este mundo nos emprestou!

Carregaremos, quando muito, o que somos em essência. O tanto que dedicamos e continuaremos dedicando em contribuição à Luz da Vida. Quando muito, talvez preferências sutis, mas também passageiras. Afinidades pessoais, que tendem a se modificar, ou a se expandir!

Nossas atitudes, sentimentos e iniciativas nos situarão no palco do capítulo seguinte. Eis tudo!

Não somos, não temos, nem retemos nada, meus amigos – num universo onde, eterna e paradoxalmente, o Criador nos herda com tudo! 


 


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