ALTAMIRANDO
CARNEIRO
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São Paulo, SP
(Brasil)
João Cândido, o
altivo
mestre-sala dos
mares
Inspirada na
história do
líder da Revolta
da Chibata, uma
música de João
Bosco e Aldir
Blanc foi
completamente
transformada por
imposição dos
censores na
ditadura
militar; o
motivo?
Preconceito.
Muita gente
cantarolou a
canção O
Mestre-Sala dos
Mares, de
João Bosco e
Aldir Blanc,
composta nos
anos 70 e
imortalizada na
voz ímpar de
Elis Regina
(1945-1982). O
que alguns não
sabem é que a
letra da canção
foi inspirada na
comovente
história do
marinheiro João
Cândido
Felisberto,
filho dos
ex-escravos João
Cândido
Felisberto e
Inácia
Felisberto,
nascido em
Encruzilhada
(RS), em 1880,
nove anos depois
da promulgação
da Lei do Ventre
Livre.
A letra de O
Mestre Sala dos
Mares
sofreu
cortes pela
censura da
ditadura
militar. “O
problema é essa
história de
negro, negro,
negro...”,
informaram a
Aldir Blanc no
Departamento de
Censura.
João Cândido
alistou-se com o
número 40 na
Marinha do
Brasil, em 1894.
As eleições
presidenciais
brasileiras de
1910 foram
vencidas pelo
candidato da
situação,
marechal Hermes
da Fonseca
(1855-1923).
Assim como
ocorria em
outros países, a
insatisfação dos
marinheiros
brasileiros só
crescia e o
clima era
bastante tenso,
eles estavam
descontentes com
a baixa
remuneração, a
alimentação ruim
e com os
castigos
corporais.
Embora um dos
primeiros atos
do regime
republicano
houvesse abolido
o uso da chibata
como castigo,
conforme o
“decreto no. 3
de 16 de
novembro de
1889, um dia
após a
Proclamação da
República, (...)
em novembro do
ano seguinte o
marechal Deodoro
da Fonseca,
contraditoriamente,
tornou a
legalizá-los:
‘para as faltas
leves prisão e
ferro na
solitária, a pão
e água; faltas
leves repetidas,
idem por seis
dias; faltas
graves, 25
chibatadas’”,
segundo
informações do
Movimento Negro
Socialista.
A chibata –
De acordo com os
jornais da
época, em 16 de
novembro de
1910, um dia
após a posse do
marechal Hermes,
o marinheiro
Marcelino
Rodrigues de
Menezes foi
punido com 250
chibatadas
(algumas fontes
afirmam terem
sido 25,
conforme a lei
vigente),
aplicadas na
presença de toda
a tripulação do
Encouraçado
Minas Gerais.
Poucos dias
depois, em 22 de
novembro de
1910, João
Cândido deu
início à chamada
Revolta da
Chibata,
assumindo o
comando do Minas
Gerais e
pleiteando a
abolição dos
castigos na
Marinha de
Guerra do
Brasil. A
imprensa da
época o apelidou
de Almirante
Negro. Por
quatro dias, os
navios de guerra
São Paulo,
Bahia, Minas
Gerais e Deodoro
apontaram seus
canhões para o
Rio de Janeiro,
então capital
federal.
Embora a
rebelião tivesse
terminado com o
compromisso do
governo federal
de acabar com o
castigo da
chibata na
Marinha e de
conceder anistia
aos revoltosos,
João Cândido e
os demais
implicados foram
detidos. Tempos
depois, eclodiu
novo levante
entre os
marinheiros no
quartel da Ilha
das Cobras, no
Rio de Janeiro,
sendo reprimido
pelas
autoridades.
Em dezembro de
1910, apesar de
ter declarado
que era contra
outra revolta
dos marinheiros,
João Cândido foi
expulso da
Marinha sob a
acusação de ter
favorecido os
rebeldes. Em
abril de 1911,
foi detido no
Hospital dos
Alienados como
louco e
indigente. Em
1912, foi solto
e absolvido das
acusações,
juntamente com
seus
companheiros.
Banido da
Marinha, sofreu
privações,
trabalhando como
estivador e
descarregando
peixes na Praça
XV, no Centro do
Rio de Janeiro.
E hoje –
Em 1928, sua
segunda esposa
cometeu o
suicídio e a sua
vida pessoal foi
profundamente
abalada. Em
1930, foi
novamente detido
e acusado de
subversão. Em
1933, aderiu à
Ação
Integralista
Brasileira,
movimento
fundado em 1932
por Plínio
Salgado
(1895-1975). Em
1959, João
Cândido voltou
ao sul do país
para ser
homenageado, mas
a cerimônia foi
suspensa por
interferência da
Marinha do
Brasil.
Discriminado e
perseguido até o
fim da sua vida,
morreu pobre e
esquecido em 6
de dezembro de
1969, aos 89
anos, de câncer,
no Hospital
Getúlio Vargas,
no Rio de
Janeiro.
Em outubro de
2005, o deputado
Elimar Máximo
apresentou
projeto de lei
determinando
inscrever o nome
de João Cândido
no Livro dos
Heróis da
Pátria, que se
encontra no
Panteão da
Liberdade e da
Democracia, na
Praça dos Três
Poderes, em
Brasília (DF).
O Congresso
Brasileiro
restabeleceu em
agosto de 2003
os direitos de
todos os
marinheiros
envolvido na
Revolta da
Chibata. O
decreto prevê a
devolução das
patentes aos
marinheiros,
permitindo que
recebam na
Justiça os
valores a que
teriam direito
se tivessem
permanecido na
ativa.
João Cândido
Felisberto
suportou com
resignação as
suas duras
provas.
Atualmente, é um
trabalhador
ativo da Seara
de Jesus, sendo
o mentor
espiritual do
Centro Espírita
João Cândido, de
Jundiapeba, em
Mogi das Cruzes
(SP), e de
outras
instituições que
levam o seu
nome.
A Lei do Ventre
Livre
A Lei do Ventre
Livre (ou Lei
Rio Branco, pois
foi proposta
pelo Visconde do
Rio Branco),
surgida nove
anos depois do
nascimento de
João Cândido,
foi aprovada em
28 de setembro
de 1871 e
promulgada pela
princesa Isabel,
que ocupava a
regência durante
a viagem do
imperador D.
Pedro II ao
estrangeiro. Foi
a primeira etapa
da estratégia do
governo para
resolver a
questão da
escravatura:
realizar
gradualmente a
emancipação dos
escravos,
indenizando os
proprietários.
A lei dizia que
os filhos de
escravas que
nascessem a
partir daquela
data, não seriam
mais escravos.
Deviam, então,
permanecer até
os oito anos em
poder do
proprietário da
mãe, na
companhia dela.
Depois desse
prazo poderiam
ser libertados,
mediante o
pagamento de uma
indenização do
governo ao dono
da mãe.
Caso o
proprietário
optasse, podia
utilizar o
trabalho dos
“libertos” até
que completassem
21 anos, como
retribuição
pelas despesas
com sua criação.
Nisso, a lei não
alterou muito a
situação, pois
era pequeno o
índice de
nascimentos
entre os
escravos. Outra
determinação da
lei era a
libertação dos
escravos da
Coroa e os das
heranças e
espólios sem
herdeiros.
O Mestre-Sala
dos Mares
(Letra original
sem censura)
Por João Bosco e
Aldir Blanc
Há muito tempo
nas águas da
Guanabara
O dragão do mar
reapareceu
Na figura de um
bravo marinheiro
A quem a
história não
esqueceu
Conhecido como o almirante
negro
Tinha a
dignidade de um
mestre-
sala
E ao navegar pelo
mar com
seu
bloco de
fragatas
Foi saudado no
porto pelas
mocinhas
francesas
Jovens polacas e
por batalhões de
mulatas
Rubras cascatas
jorravam das
costas
Dos negros pelas
pontas das
chibatas
Inundando o
coração de
toda
tripulação
Que a exemplo do
marinheiro
gritava então
Glória aos
piratas, às
mulatas, às
sereias
Glória à farofa,
à cachaça, às
baleias
Glória a todas
as lutas
inglórias
Que através da
nossa história
Não esquecemos
jamais
Salve o almirante negro
Que tem por
monumento
As pedras
pisadas do cais
Mas faz muito
tempo.
*
O Mestre-Sala
dos Mares
(Após a censura
pela ditadura
militar)
Por João Bosco e
Aldir Blanc
Há muito tempo
nas águas da
Guanabara
O dragão do mar
reapareceu
Na figura de um
bravo feiticeiro
A quem a
história não
esqueceu
Conhecido como o navegante
negro
Tinha a
dignidade de um
mestre-
sala
E ao acenar pelo
mar na
alegria das
regatas
Foi saudado no
porto pelas
mocinhas
francesas
Jovens polacas e
por batalhões
de mulatas
Rubras cascatas
jorravam das
costas
Dos santos entre cantos
e
Chibatas
Inundando o
coração do
pessoal
do porão
Que a exemplo do feiticeiro
gritava então
Glória aos
piratas, às
mulatas, às
sereias
Glória à farofa,
à cachaça, às
baleias
Glória a todas
as lutas
inglórias
Que através da
nossa história
Não esquecemos
jamais
Salve o navegante negro
Que tem por
monumento
As pedras
pisadas do cais
Mas faz muito
tempo.
Nota da
Redação:
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para ouvir Elis
Regina cantando
a música
mencionada neste
artigo.