JULIANA DEMARCHI
julianagodoydemarchi@yahoo.com.br
Cambé, PR
(Brasil)
A história de um
Espírito
completista
Na simplicidade
de um lar, sob a
divina
incumbência da
maternidade,
Espíritos
endividados do
ontem se elevam
pela via do amor
e da resignação
É interessante
observarmos a
reação de alunos
diante do
sistema de
avaliação
escolar. Poucos
conseguem manter
o equilíbrio
emocional
necessário
obtendo êxito
completo, e
muitos, mesmo
sabendo o
conteúdo de
forma
suficiente, se
vêm derrotados
por causa das
emoções em
desalinho. Assim
estamos nós,
Espíritos
eternos no palco
deste mundo de
provas e
expiações, onde
o próprio nome
já define a
escala em que se
encontra o nosso
planeta, e isto,
por causa da
nossa própria
evolução moral
ainda em atraso.
Como alunos
assustados
diante de uma
avaliação,
tantas vezes
falhamos e somos
encaminhados à
inevitável
repetência,
porém há os que
nos deixam um
exemplo sublime
desta importante
aprovação e o
fazem com
louvor. Pensando
nisto,
lembrei-me de
uma pessoa muito
especial com a
qual tive o
prazer de
conviver, e que
me possibilitou
conhecer de
perto as
histórias de sua
vida, que
alimentaram
minha infância e
hoje me levam a
refletir sobre o
nosso papel como
Espíritos em
evolução. Uma
mulher ímpar e
detentora de
alta envergadura
moral.
Casou-se ainda
na adolescência
– fato comum na
época de nossos
avós – recebendo
por marido um
homem
extremamente
rude e dado aos
prazeres da
vida. Além de
desempenhar a
função de esposa
e mãe, passava
os dias sentada
numa máquina de
costura, através
da qual
conseguiu
custear a
educação de
todos os filhos
em colégio pago,
pois achava que,
assim, acabariam
tendo uma vida
financeiramente
mais estruturada
que a sua.
Foi mãe de
dezesseis
crianças, mas
nem todas
atingiram a
idade adulta,
pois na época a
mortalidade
infantil chegava
a níveis
absurdos por
causa de simples
males que hoje
estão plenamente
controlados.
Logo no início
do casamento foi
morar numa
fazenda e,
durante as
noites, ela que
era pouco mais
que uma menina,
sofria muito com
as ausências do
marido. Certa
feita
confessou-me que
seu maior medo
era a
possibilidade de
ver algum
fantasma
entrando na casa
porta adentro, e
por isso
preferia ficar
sentada do lado
de fora, que na
verdade não
passava de um
rancho no meio
do pasto. Com o
lampião do lado
e o primeiro
filho no colo,
dizia que era
possível sentir
as baforadas dos
búfalos que se
aproximavam por
causa da luz.
Era uma mãe
dedicada e
amorosa,
detentora de uma
personalidade
permeada pela
mansuetude,
distribuindo
carinho e
atenção a todos,
inclusive para
mim. Um dia me
contou que além
dos filhos
biológicos que
Deus lhe dera,
havia acolhido a
filha de um
sobrinho, pois
diante da
eminência de uma
doença fatal, o
rapaz, que era
pai solteiro,
lhe pedira para
criar a filha,
justificando que
ele não conhecia
ninguém melhor
no mundo para
servir de mãe à
menina. E assim,
chegou aos seus
braços a décima
sétima criança,
a quem criou com
o mesmo zelo e
amor que
dedicara aos
outros.
Anos antes de
sua morte, um
dos filhos ficou
muito doente e
resolvi
fazer-lhe uma
visita. Na
ocasião
conversamos um
bom tempo
dividindo um
bule de café, e
ela me falou com
detalhes desde o
nascimento deste
filho. O dilema
da descoberta da
paralisia
infantil logo
nos primeiros
anos de vida,
das limitações
que a doença
impôs, e da
promessa de
levá-lo todos os
dias à igrejinha
da cidade ao
nascer do dia,
pois lá ela
rogava a Maria
de Nazaré,
dizendo “só a
senhora sabe o
que é padecer
pelo sofrimento
de um filho”.
Segundo ela,
conforme o
garoto ia
crescendo, mesmo
com a
dificuldade de
carregá-lo nos
braços sozinha,
não deixou de ir
à igreja nem um
dia sequer, e
quando ele já
estava com sete
anos de idade,
numa manhã, ele
lhe pediu que o
colocasse em pé
porque andaria
até o altar. Foi
uma surpresa e
ao mesmo tempo
uma alegria ver
o filho dando os
primeiros passos
sem a ajuda de
ninguém – “eu
fiz a minha
parte, Juliana.
E Maria fez a
dela” – me
disse. Deste
momento em
diante o filho
nunca mais parou
de andar e
enfrentou suas
lutas contando
sempre com a
ajuda da mãe
adorada.
Concluiu três
faculdades, se
tornou
funcionário
público federal,
casou-se e
formou a própria
família.
Ela ia mesclando
a narrativa com
lágrimas de
emoção e a
alegria que lhe
era peculiar,
mas não
terminamos a
história e nem o
bule de café,
porque enquanto
narrava com
tanto carinho
aqueles fatos, o
filho
desencarnava na
UTI do hospital.
Então, eu vi em
seus olhos a dor
comum que
dilacera o
coração de uma
mãe diante da
partida de um
filho, mas
também fui capaz
de ver além
destas coisas,
vi a resignação
viva frente à
vontade divina,
e posso dizer
que resignar-se
foi a marca
característica
deste Espírito.
Apesar da
gritante
diferença moral
entre ela e o
marido, os dois
chegaram a
completar 75
anos de
casamento – algo
raríssimo. Na
ocasião dei-lhe
um abraço e
perguntei em
particular o que
representava
para ela todos
aqueles anos. A
resposta veio
embrulhada
cuidadosamente
em um meio
sorriso, “Ah,
minha filha!
Mesmo não tendo
vivido um dia
sequer de
felicidade ao
lado dele,
agradeço a Deus
pelo homem que
me deu o tesouro
que foi os meus
filhos”.
Pouco tempo
depois o marido
adoeceu e estava
presente na
noite do seu
desencarne,
feito de forma
sofrida e
desassossegada,
e ela estava lá,
sentada ao seu
lado
prestando-lhe
assistência.
Fiquei um bom
tempo analisando
em silêncio a
cena, e ela me
contou que há
mais de uma
semana ele vinha
chamando-a
incessantemente,
pedindo perdão
sem parar,
citando erros e
ofensas, faltas
cometidas como
marido e como
pai, cenas de um
passado muito
distante que ela
havia superado,
mas que para ele
continuavam
nítidas na
consciência.
Segundo os
filhos, que
também estavam
presentes, a
cada pedido de
perdão ela
respondia,
“esqueça isso,
porque na
verdade nunca
consegui sentir
raiva ou cheguei
a ficar
ofendida. Apenas
fique em paz”.
Tendo
ultrapassado a
marca dos 90
anos de idade,
esta mulher
certamente se
tornou um
Espírito
completista,
como define
André Luiz nas
obras de Chico
Xavier,
referindo-se
àqueles que
conseguem
retornar ao
plano espiritual
após ter
cumprido a maior
parte de sua
programação
reencarnatória.
O exemplo vivo
de que
invariavelmente
todos nós
seremos
submetidos às
provas, mas que
a diferença
fundamental de
sermos ou não
aprovados é a
aplicação
efetiva do amor.