VLADIMIR POLÍZIO
polizio@terra.com.br
Jundiaí, SP
(Brasil)
Os excluídos
No longínquo ano
de 1853, no
primeiro dia do
mês de
fevereiro, na
cidade de
Resende, ao sul
do Estado do Rio
de Janeiro, às
margens do rio
Paraíba do Sul e
aos pés da Serra
da Mantiqueira,
chegava ao
mundo, no lar do
casal Antônio e
Teresa, uma
menininha que
seria, num
futuro não muito
distante, o
bálsamo e o
braço acolhedor
e protetor
estendido a
milhares de
corações
pequeninos e
desabrigados do
amparo fraterno
do lar.
Essa alma,
recém-chegada ao
círculo da
humanidade,
comportou-se
como todos os
que por aqui
aportam,
apresentando
suas
necessidades
infantis, mas já
trazendo consigo
os compromissos
que seriam
despertados em
momento
oportuno, como
de fato o foi,
fazendo
transbordar em
profusão sua
personalidade
caridosa, como
veremos sobre
Anália Emília
Franco Bastos,
que ficou
conhecida até o
final de seu
tempo como
Anália Franco.
Espírita por
convicção,
Anália Franco
conheceu de
perto os
problemas
consequentes do
abandono de
crianças,
especialmente a
partir da
entrada em vigor
da Lei do Ventre
Livre (também
conhecida como
Lei Rio Branco),
de 28-9-1871,
assinada pela
Princesa
Imperial
Regente,
Isabel Cristina,
em nome de
Sua Majestade, o
Imperador Sr. D.
Pedro II.
Com isso, uma
vez livres, os
filhos dos
escravos
passaram a ter,
a contar dessa
data, seus
registros de
nascimento
lavrados em
livros especiais
por sacerdotes
católicos, que,
a bem da
verdade, foram
os responsáveis
pelas anotações
e consignações
registradas
antes mesmo da
existência do
sistema
cartorário,
atualmente em
vigor. Este foi,
sem dúvida, o
primeiro
documento de
cidadania
conquistado.
Nessa ocasião, o
sistema
conhecido como
Roda dos
Expostos
(1)
já estava
em funcionamento
na Santa Casa de
Misericórdia de
São Paulo desde
o dia 2 de julho
de 1825, pelo
Primeiro
Governador da
Província de São
Paulo, Lucas
Antônio Monteiro
de Barros
(1767-1851), que
na época exercia
a função de
Provedor da
Santa Casa, esta
fundada antes de
1560.
Com a presença
desse aparelho,
os
recém-nascidos
eram colocados
na Roda que
ficava sobre o
muro com a
abertura voltada
para a rua. Na
lateral esquerda
dessa peça havia
um sino que era
tocado na casa
das Irmãs,
avisando que
dentro dela
havia uma
criança.
Com o vigor da
Lei que
declarava
libertos todos
os filhos de
escravos, chegou
ao conhecimento
de Anália Franco
que
recém-nascidos
estavam sendo
destinados à
chamada “Roda”,
além do que
muitos outros
estavam sendo
expulsos das
fazendas por
serem impróprios
ao trabalho e já
perambulavam
pelas ruas e
estradas,
mendigando.
A Roda dos
Expostos
funcionou
ativamente até o
ano de 1950,
quando foi
desativada,
obedecendo ao
mesmo critério
para o qual
havia sido
criada, qual
seja, o simples
abandono.
Qualquer mãe que
não quisesse
ficar com o
filho, poderia
deixá-lo ali.
Depois dessa
data e até 1960,
as crianças
foram aceitas,
mas teriam que
ter, pelo menos,
o devido
registro.
Após vencer
preconceitos e
humilhações,
Anália
empenhou-se em
dar guarida aos
desvalidos em
geral, não só
aos que lhe
batiam à porta,
mas também
àqueles que
sabia
necessitarem de
ajuda.
Nos dias atuais,
são muitas as
instituições
posteriormente
criadas com a
atenção voltada
ao atendimento
infantil, em
homenagem aos
feitos dessa
Embaixadora da
Fraternidade,
somadas às
outras 71
escolas fundadas
nos estados de
São Paulo, Minas
Gerais e Rio de
Janeiro durante
o tempo em que
viveu e por ela
própria, afora
outras centenas
criadas sob sua
inspiração e
utilizando-se de
sua metodologia.
Também são de
sua criação 2
albergues, 1
colônia
regeneradora
para mulheres,
23 asilos para
órfãos, 1 banda
musical feminina
denominada
“Regente Feijó”,
1 grupo teatral,
1 Liceu feminino
e dezenas de
oficinas de
chapéus,
costuras,
bordados e
flores
artificiais
etc., que
auxiliavam na
sustentação
econômica do
complexo, além
de livros de
cultura geral,
obras especiais
destinadas à
educação escolar
e
cristã-espírita,
estes juntamente
com seu marido
Francisco
Antônio Bastos
(6-1-1850/19-8-1929).
A grandiosidade
da obra, por si
só, espraia as
virtudes do
Espírito
idealizador de
Anália Franco
que, em
20-1-1919,
retornou ao
Universo
infinito, um
exemplo
dignificante de
personalidade
altruísta.
As pessoas
passam, como
sabemos, mas as
obras em
benefício da
comunidade se
eternizam.
(1)
Roda dos
expostos.
Trata-se de uma
peça no formato
de um cilindro
oco,
confeccionada em
maneira de Pinho
de Riga, que
girava em seu
eixo, colocada
em muros e com
uma abertura
voltada para a
rua.