O texto que vou digitar
agora exigirá um tempo à
frente do teclado do
computador. Trata-se de uma
carta escrita por Chico à
Sra. Zilica, esposa de seu
amigo Zeca Machado, a quem
nos referimos na coluna da
semana passada, que havia
desencarnado dias antes. Não
se trata de uma mensagem
psicografada, mas de uma
narração do médium sobre seu
desdobramento espiritual e
seu encontro com o amigo no
plano invisível. A missiva é
datada do dia 9 de agosto de
1964, na cidade de Uberaba,
e traz tantas informações
que nos ensinam que seria
impossível tentar resumi-la.
Ela é iniciada com um
cumprimento pessoal seguido
da narrativa. Vejamos a
carta.
"Querida Zilica, Deus a
abençoe.
Estou lhe escrevendo para
narrar a visão que tive com
Zeca. Peço-lhe perdão se
reavivo seu sofrimento ao
pensar na separação, mas
consolei-me tanto com o que
vi e tanta esperança me veio
ao coração ao vê-lo, que não
vacilei em enviar-lhe estas
notícias, escritas às
pressas, sem nenhuma outra
preocupação senão a de
transmitir-lhe as novas.
Abraço do menor servidor,
Chico."
Segue a narrativa:
Na noite de 30 para 31 de
julho de 1964, deitei-me às
23 horas e me vi
perfeitamente fora do corpo.
Estava lúcido, a ponto de
vê-lo estendido sobre a
cama, sem que me sentisse
intimamente interessado em
verificar de que modo me
enlaçava nele, fenômeno esse
que muitas vezes me ocorre,
mas não sempre.
Dr. Bezerra de Menezes
estava ao meu lado,
comunicando estar disposto a
levar-me ao encontro de Zeca.
Senti uma alegria e uma
surpresa que palavra alguma
consegue descrever.
Dr. Bezerra tomou-me pela
mão, como um pai ao filho.
Entramos num veículo, que
não saberia descrever,
porque me achava mais
contente em estar com ele e
mais contente ainda em rever
Zeca que interessado em
analisar a máquina que nos
conduziria.
Depois de pequeno espaço de
tempo, chegamos a Pedro
Leopoldo, à frente de sua
casa, Zilica. Percebi
nitidamente que era
madrugada. Olhei o céu
estrelado, pensei nas noites
em que ficara ao lado de
Zeca e de outros amigos em
nossas tarefas de
assistência e, ansioso por
revê-lo, em minha plena
consciência, senti uma
emoção no peito, como se
minha alegria fosse dor, em
que a saudade e o
contentamento já não fossem
sensações que a gente
experimente na Terra.
Comecei a chorar de dor, de
felicidade, mas Dr. Bezerra
de Menezes alertou que, se
eu quisesse ver o amigo,
enxugasse os olhos e tivesse
calma. Procurei refazer-me
como um aluno que se
envergonha de não estar
correspondendo à expectativa
do professor. Então,
seguimos eu e Dr. Bezerra
para frente.
Passamos por sua casa e,
seguindo o orientador,
reconheci que ele me levava
para a sede do Grupo Scheila.
Entramos. Na pequena
construção, várias pessoas –
espíritos amigos –
trabalhavam, porém Dr.
Bezerra aconselhou-me a não
dar atenção a eles e, sim, a
Zeca, para que eu pudesse
guardar na memória tudo que
ele me dissesse.
Zeca estava sentado numa
cadeira, sem o paletó –
percebia-se que estava bem à
vontade. Quando deu com os
olhos em mim, notei que a
mesma surpresa o dominava,
mas, instintivamente –
auxiliado magneticamente por
Dr. Bezerra, sem que o
soubesse – conteve-se e
cumprimentou-me sorrindo,
com alguma tristeza, mas
sorrindo valorosamente.
Sem que Dr. Bezerra me
explicasse a conduta que
deveria ter, por minhas
experiências anteriores,
reconheci que deveria
proceder com muita discrição
e prudência. Não abracei
Zeca, como queria, porque
sabia que o contato de meus
braços o faria sofrer. E
pelo seu olhar, concluí que
também não me abraçava pela
mesma razão.
Disse a ele que me achava
fora do corpo,
conscientemente, sob a
proteção dos bons espíritos
e que desejava expressar-lhe
o carinho de todos nós, seus
amigos chocados com sua
ausência.
Sentei-me quase junto dele,
em outra cadeira. Ele
pronunciou palavras de
agradecimento e igual
carinho. Perguntei-lhe se
estava ciente do que havia
acontecido. Sorriu-me com o
otimismo que nós tão bem
conhecemos e afirmou que
sim, que sabia de tudo.
- “Chico, você não pode nem
imaginar! Eu saí do corpo
com violência, assim como
uma pessoa que recebe um
tiro!... Você já pensou, que
coisa esquisita? Como
devemos estar preparados!...
E por mais que a gente se
prepare, a surpresa ainda é
grande!”
Entabulamos conversação, que
eu percebi estar sob o
controle de amigos
espirituais, para que ele
não tivesse choques.
Informou-me que estava ali,
no Grupo, em refazimento, e
que ainda não tinha se
afastado do ambiente das
orações e tarefas
espirituais para ser
preparado, a fim de
acompanhar os benfeitores
que o assistiam na mudança
de plano. Afirmou também
estar em plena consciência
de tudo e que, dia a dia,
notava-se mais leve, de
corpo espiritual menos
denso, de modo a poder
respirar em outra atmosfera.
Perguntei se estava
enxergando os espíritos em
tarefas de auxílio e ele
informou-me que apenas
sentia a presença deles pelo
tato, pelas emoções e pelos
ouvidos, mas que através dos
olhos ainda não. Precisava
adestrar mais firmemente os
olhos para isso. Indaguei se
ele sabia me explicar melhor
o assunto e ele me disse que
ouvira a voz de D. Georgina,
recomendando calma, que
somente as pessoas que ficam
acamadas, em maiores
dificuldades do corpo, antes
da desencarnação, é que
podem desfrutar
imediatamente de todos os
sentidos físicos e
espirituais. Sua visão
espiritual deveria ser
restaurada devagar.
Disse que ninguém no mundo
pode avaliar o que se seja a
alegria de reencontrar os
entes queridos depois da
morte e o que seja a dor de
deixá-los. Que ele não sabia
explicar o que era a
felicidade de ouvir D.
Georgina e sentir as mãos
dela o auxiliando, como
quando era criança! E nem
como explicar o sofrimento
de separar-se de você e dos
filhos, mas podia afirmar
que os amigos espirituais
davam-lhe a certeza de que,
muito em breve, estaria em
espírito junto de você e dos
filhinhos, como sempre, para
encorajá-los e estar com
eles.
Disse estar em orações
constantes, rogando a Jesus
forças para restaurar-se
depressa e sustentar a
esposa querida em suas
tarefas, sem interromper a
união santa em que vocês
sempre viveram.
Conversamos muito sobre as
sensações e esperanças que
estava experimentando. Ele,
entusiasmado, me contava
tudo o que acontecia e
ouvia, desde a separação do
corpo. Zeca, em tudo o que
me dizia, não estava alegre,
nem triste. Estava sereno e
nós dois entremeamos a
conversa de notas pessoais,
discretamente, acerca disso
ou daquilo, como sempre
ocorria ao trocarmos
impressões.
Ele não via o Dr. Bezerra.
Este me fez um sinal, como a
dizer que meu tempo estava
terminado.
Perguntei se desejava algo
de mim:
- “Chico, se puder, dê
notícias minhas a Zilica.
Sei que estamos juntos e que
posso falar em nosso Grupo,
mas desejo que conte a ela
come está me vendo!... Diga
a ela que Jesus não há de
nos desamparar, que tenha fé
e paciência. Que seja forte
e que nossas tarefas
continuem, é tudo que desejo
de coração porque se Zilica
mantiver-se forte e animada,
fortaleza e ânimo não me
faltarão!... Fale com ela
que confio em Deus, que
confio nela e em nossos
filhos... nossos filhos são
bons e vão sustentar nossos
ideais, todos serão
trabalhadores de Jesus, como
têm sido até hoje!... Peça a
ela que os abençoe, seja
qual for a crença em que
estejam e confie neles
sempre, como sempre
confiarei! Dê também, Chico,
meu abraço a todos os
irmãos!...”
Vendo que nosso encontro
realmente ia terminar,
indaguei-lhe:
- Zeca, e pra mim? Que me
fala você? Fale algo que me
oriente, que me auxilie!
Você está entre os bons
espíritos, Zeca, e nós
estamos na Terra! Fale algo
para mim, que devo carregar
minhas faltas e
imperfeições, no corpo do
mundo!...
Ele sorriu, me olhou,
querendo me abraçar, sem
poder, e disse:
-“Chico, nós dois somos
companheiros da mesma
escola, alunos da mesma
lição! Pelas poucas horas
que tenho de experiência
fora do corpo, digo-lhe que
a maior felicidade de alguém
é fazer o bem e sofrer com
paciência por amor ao bem
que Jesus nos ensinou a
fazer aos outros! Compreenda
sempre que a caridade é a
linguagem pela qual as
preces das pessoas são
ouvidas, quando se dirigem a
Deus!... Veja irmãos em
todos os lugares, Chico. Nós
todos somos filhos de Deus,
sem diferenças de religião.
Quanto mais se necessita,
mais serviço nós devemos
prestar. Não perca tempo se
magoando! Ninguém ofende
porque deseja, e quanto mais
a criatura entra no
conhecimento de Jesus mais
tolerância e amor deve
demonstrar! Não tenha medo,
siga adiante, fazendo o
melhor que puder! Logo que
esteja em condições, estarei
mais próximo de todos vocês.
Confiemos em Jesus!”
Minha garganta estava
embargada. Por mais que
quisesse falar, não podia.
Dr. Bezerra tomou-me pela
mão novamente e saímos sem
demora. Abracei o protetor
querido, como a criança que
procura proteção no peito de
um pai, e chorei longamente.
Vi que ele me conduzia ao
corpo, em silêncio e, em
poucos minutos, acordei, ou
melhor, abri os olhos em meu
corpo físico, continuando a
chorar de alegria.
Permaneci deitado por mais
de uma hora, refletindo na
felicidade que a bondade de
Deus havia-me permitido de
rever Zeca, sob o amparo de
Dr. Bezerra de Menezes.
Levantei-me, em seguida.
São quatro e meia da manhã.
É o horário em que estou
escrevendo estas notas, a
fim de dar notícias delas a
você, Zilica, e a Luiza, tão
logo eu possa datilografar
tudo o que está em minha
memória. - Chico.