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Crônicas e Artigos

Ano 6 - N° 262 - 27 de Maio de 2012

MARIA ENY ROSSETINI PAIVA
menylins@terra.com.br
Lins, SP (Brasil)
 

O reino de Deus, na visão do filósofo Herculano

O EXEMPLO

 
Nesta série de estudos sobre o mestre em Filosofia, escritor, literato, jornalista e espírita, Herculano Pires, estamos examinando sua obra “O Reino”, em que nos esclarece a respeito do Reino de Deus que Jesus veio anunciar, vivenciar e exemplificar.

No Capítulo IV, O EXEMPLO, mestre Herculano ensina que O Reino não é privativo de ninguém e que, certa vez, para quebrar a dura cerviz dos fariseus, diante do centurião romano que lhe rogara a cura para seu servo, e a conseguira, Jesus declarou: “Em verdade vos afirmo que não achei tamanha fé em Israel, e que virão muitos do Oriente e do Ocidente para assentar-se à Mesa com Abraão, Isaac e Jacó, no Reino dos Céus”.

Herculano prossegue: “E acrescentou com a dureza de uma martelada na oficina de Nazaré: Mas os Filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores em que haverá choro e ranger de dentes!”.

Assim se chamavam os hipócritas de Israel: Filhos do Reino, porque se consideravam mais puros que todos os outros e escolhidos por Deus para julgarem os goyn, os estrangeiros impuros. O Jovem Carpinteiro os ameaçava com as trevas exteriores, com a cegueira da alma que sucede à cegueira da mente, produzida pelo orgulho. E tomava o centurião romano, odiado pelos Filhos do Reino, como exemplo de fé, como tomara o Bom Samaritano, em cuja presença os fariseus cuspiam e viravam o rosto com desprezo, como exemplo de amor.

Quantos ensinos esse simples trecho nos traz. Herculano sabe e o mostra à exaustão em outros interessantes livros sobre a época de Jesus, como Barrabás, Madalena e Lázaro, como sentiam os judeus, e com que orgulhosa pretensão se julgavam superiores. Não como adoradores do Verdadeiro e único Deus, mas com relação aos que eram o SEU POVO, OS QUE ELE ESCOLHERA PARA PROTEGER. Povo escolhido que, embora sob o tacão romano, receberia o Messias, que viria trazer-lhes de volta a liberdade e o domínio, dos tempos do Rei David e Salomão. Essa crença, fruto do orgulho da raça e do povo, tem sustentado o povo de Israel por milênios e ainda hoje mantém viva no seio das sinagogas a esperança da vinda de um Messias político ou apocalíptico, não importa, mas que lhes devolverá o domínio e implantará O Reino onde eles reinarão para sempre sobre todos os demais povos...

   Podemos repudiar essas ideias, mas seria interessante que, antes disso, analisássemos se não temos a mesma postura fruto do orgulho. Os que se julgam donos de uma verdade maior assumem, na maioria das vezes, a mesma postura. Podem não se achar escolhidos de Deus, por serem israelitas, podem não esperar “reinar com Deus” sobre os gentios, mas julgam-se melhores por possuírem mais conhecimento, ou a fé em Cristo, ou em uma Igreja cristã ou não cristã. Não ouvimos nossos irmãos se chamarem de “povo de Deus”? Não ouvimos no movimento espírita as pessoas dizerem que o conhecimento espírita é superior a todos os outros, que nada têm a aprender com outros estudiosos, teólogos, exegetas, estudiosos das Escrituras, ou mesmo da Ciência? Não encontramos a mesma doença do orgulho, quando nós mesmos sorrimos com superioridade diante da ignorância ou mesmo nos revoltamos com os avanços da Ciência, tão-somente porque contrariam “revelações” feitas por médiuns confiáveis?

Fico admirada, muitas vezes, que eminentes oradores e líderes da evangelização infantil continuem ensinando a parábola do Bom Samaritano, como se nela Jesus apenas nos ensinasse a sermos caridosos para com os necessitados e exprobasse a hipocrisia dos religiosos que não socorreram o samaritano assaltado e caído.

A parábola é muito mais do que isso: nela Jesus ensina a nos livrarmos do preconceito. O judeu, quando via um samaritano, cuspia e dizia “Racca”. Dessa expressão de desprezo vem a expressão brasileira “raque tchu” e a cuspida com que as crianças se enfrentavam em pequenas querelas na infância e que em alguns municípios brasileiros ainda é usada. Os judeus, que se achavam superiores aos galileus, e desprezavam com nojo manifesto os samaritanos, foram, nessa parábola, reduzidos à sua verdadeira dimensão.  

Se toda a Lei e os Profetas se resumem na máxima “ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”, quem assim procede não ama a ninguém. O orgulho o domina. É essa a principal lição da Parábola do Samaritano, não divulgada pelos diferentes credos religiosos, porque, à semelhança do farisaísmo, cada grupo se julga melhor do que o outro. Embora não o demonstremos de modo tão evidente, cuspindo diante de outro cidadão que por algum motivo julgamos inferior a nós, sentimos por ele o mesmo sentimento de superioridade que caracteriza o orgulho. E a diferença entre Judeus e Samaritanos se assentava, ao menos exteriormente, no fato de que os Samaritanos não iam ao Templo de Jerusalém, mas adoravam a Deus no monte. Ou, em palavras modernas, não concordavam em engordar com seus sacrifícios e oferendas de dinheiro e animais as famílias dos fariseus e sacerdotes, que faziam pior do que os dominadores romanos que viviam dos impostos recolhidos dos povos que oprimiam.

Os fariseus e sacerdotes viviam enganando seu próprio povo. A título de salvação e purificação, obrigavam-no a pagar caro seus rituais, e comprar animais sagrados para a oferenda, com o dinheiro do templo, que deviam trocar pelo dinheiro dos romanos, às mesas dos cambistas. Só com tal dinheiro do Templo podiam comprar os animais sagrados para o sacrifício. Por isso, as mesas dos cambistas que Jesus derruba, e daí, o estabelecimento de uma nova forma de adoração sem sacrifícios sangrentos, por Jesus. Na verdade, os animais sacrificados ficavam em parte para os sacerdotes e fariseus, que assim locupletavam suas mesas à custa da miséria e do sacrifício de seu próprio povo.

Esse é um dos motivos porque Jesus os tratava com tanta dureza e dizia que eram malditos.

Veja em A Gênese o item “maldição aos fariseus”, que Kardec coloca sem comentários. Claro que Jesus não amaldiçoava, nem bendizia, apenas colocava quem era maldito e quem era bem-aventurado, diante da lei de Deus. Não podemos à moda de feiticeiros medievais ou atuais lançar bênçãos e maldições. Cada um de nós está sujeito a recolher bênçãos e maldições por sua conduta na Vida regida pela Lei Natural.

A tradução adocicada feita pela Igreja e pelos tradutores evangélicos, substituindo a palavra malditos por “ai de vós”, tem mantido gerações na ignorância do significado do Reino de Deus na Terra, e de como nossa conduta diante das Leis Universais nos torna felizes (bem-aventurados) ou infelizes (mal-aventurados ou malditos).

O Capítulo IV traz preciosos ensinos de Herculano, e nos fala da pequena comunidade messiânica que vivia segundo os preceitos do Reino, ao lado de Jesus. Fato ignorado pelos que nos ensinam sobre a vida de JESUS. Mas disso trataremos no próximo estudo...

 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita