Saulo de Tarso
F. Netto:
“O papel da
imprensa
espírita é dar
continuidade à
divulgação séria
da doutrina
espírita”
O editor do
jornal Correio
Espírita, que é
publicado em
Niterói e
circula em oito
capitais e
centenas de
cidades
brasileiras,
fala sobre as
dificuldades
enfrentadas pela
imprensa
espírita
|
Saulo de Tarso
F. Netto (foto),
editor do jornal
Correio Espírita
e presidente do
Centro Cultural
Correio
Espírita, de
Niterói-RJ, que
é a entidade
mantenedora do
jornal,
fala-nos, entre
outros assuntos,
sobre o papel da
imprensa
espírita e as
origens do
Correio Espírita
e as
dificuldades que
o periódico enfrentou e continua
enfrentando até |
hoje.
Prezado Saulo,
fale-nos sobre
sua trajetória
pessoal no
movimento
espírita, como
conheceu a
doutrina e em
que tipo de
atividades já
participou e
participa
atualmente.
|
Residindo na
cidade de
Niterói e
cursando o
último ano de
faculdade no Rio
de Janeiro, meu
pai indicou uma
casa espírita
tradicional de
Niterói que ele
já frequentava:
a UMEN - União
das Mocidades
Espíritas de
Niterói. Na
verdade, nunca
aceitei os
postulados
católicos na sua
totalidade,
apesar de
frequentar a
igreja aos
domingos. Por
várias vezes,
durante o último
ano de faculdade
não conseguia ir
à UMEN, pois
sempre tinha uma
coisa a fazer.
Após a colação
de grau cheguei
ao Espiritismo
em definitivo
por esta casa.
Fui diretor de
divulgação do
CEPEAK – Centro
de Estudos e
Pesquisas
Espíritas Allan
Kardec e hoje
estou à frente
do jornal
Correio Espírita
e sou presidente
do Centro
Cultural Correio
Espírita, pessoa
jurídica do
jornal.
Conte-nos como
surgiu a ideia
de fazer um
jornal como o
Correio Espírita
e como se deu
sua criação.
A história é
longa, com um
início em papel
A4 e com 50
cópias. Vou
resumir partindo
da base
construída com
muito
sacrifício,
quando estávamos
à frente do
jornal CEPEAK,
que era
distribuído
gratuitamente em
locais afins,
bem como em
instituições
espíritas.
Entretanto a
“pressão
espiritual”
continuava, e
ouvia em meu
íntimo “O jornal
precisa crescer,
o jornal precisa
crescer”. Depois
de cinco anos de
jornal CEPEAK,
com 5 mil
exemplares e com
12 páginas em
tamanho tabloide,
partimos para o
Correio
Espírita, cuja
primeira edição
começou a
circular em 3 de
dezembro de
2004.
O Correio
Espírita é um
jornal vendido
nas bancas.
Fale-nos um
pouco das
peculiaridades
desse veículo,
de sua linha
editorial,
estratégia de
distribuição e
publicidade,
colunas,
logística e
articulação com
autores.
Bem, começamos
uma empreitada
sem saber as
suas dimensões.
O jornal era
bimestral e um
ilustre
desconhecido.
Entretanto, como
falei
anteriormente,
sempre com muita
coragem, amparo
espiritual e com
as experiências
quando estivemos
à frente do
jornal CEPEAK.
Bem, já tínhamos
passado as
humilhações de
bater de porta
em porta
oferecendo um
produto (jornal)
aos comerciantes
que até então
ninguém
conhecia, em
troca de
anúncios
publicitários.
Recebemos
inúmeros “nãos”,
inclusive de
empresários
espíritas. Com o
início desta
nova empreitada
com o jornal
Correio
Espírita, tendo
em suas bases
uma divulgação a
princípio em
todo o Estado do
Rio de Janeiro,
veio a fase de
divulgá-lo nas
instituições
espíritas de
todo o Estado
através de
contatos com
quase todos os
representantes
do extinto CRE -
Conselho
Regional
Espírita, hoje
CEU (Conselho
Espírita
Unificado) - em
todo o Estado do
Rio de Janeiro.
Muitos desses
representantes
nos perguntavam:
“Quem está à
frente do
jornal? O jornal
tem fidelidade a
Kardec?”. E, na
verdade,
conseguimos
muito pouco.
Aliás, houve
mais decepções
do que alegrias.
De outra forma,
sofremos
constrangimento
em algumas
instituições
espíritas com a
alegação de o
jornal possuir
anúncios, ser
mercantilista...
Lamentamos.
Outras casas
alegavam que o
jornal Correio
Espírita
ofuscaria o
informativo de
sua instituição.
Ridículo... E
assim
sucessivamente.
Obtivemos pouco
sucesso junto às
instituições que
deveriam abraçar
e apoiar o
jornal e até
hoje pouca coisa
avançou.
Concomitante a
tudo isso, já
tínhamos
contratos
assinados com a
empresa
Distribuidora
Folha Dirigida
para
distribuição do
jornal Correio
Espírita.
Como podem ver,
tudo se
encaixava: o
jornal nasceu
mesmo para as
bancas, para
levar o
Espiritismo além
das casas
espíritas, com
acesso para
todas as pessoas
e para os
neófitos. A luta
maior foi vencer
as inúmeras
barreiras dos
próprios
redistribuidores
de jornais a um
produto novo e
pior, com
distribuição
bimestral. Sem
falar da
discriminação
que os produtos
espíritas sofrem
até os dias de
hoje. Posso
garantir e citar
alguns exemplos
de como a coisa
funciona: as
bancas recebiam
o jornal e com
uma semana
devolviam o
produto para a
Folha Dirigida
sem que ela
fizesse a
chamada do
encalhe. De
outra forma, eu
mesmo percorria
inúmeras bancas
anotando os
endereços e
muitas dessas
bancas alegavam
que não
trabalhavam com
o Jornal Correio
Espírita.
Mentira, pois a
Folha Dirigida
atestava a
distribuição
para aquelas
bancas que
negavam vender o
produto. Isso de
forma muito
expressiva
aconteceu por um
bom tempo.
Outras bancas
solicitavam
brindes em
camisas, canetas
etc. em troca de
amostragem do
jornal, o que
não foi possível
atender pela
falta de
recursos.
Importante
ressaltar que
logo no início
tínhamos a
certeza de que a
credibilidade do
jornal viria com
seus artigos, a
linha editorial
ditaria o futuro
do jornal.
Lembrando a
mensagem
psicografada
pela médium
Ermance Dufaux,
em Obras
Póstumas,
segunda parte no
Capítulo Revista
Espírita, depois
de traçar um
verdadeiro
roteiro de
divulgação
espírita que
Kardec soube
cumprir à risca:
lamentavelmente,
a grande maioria
dos dirigentes
espíritas nada
sabe de
divulgação
espírita. Ficou
claro na
mensagem que a
regularidade é
que fideliza o
público. Depois
fizemos uma
parceria com a
Rádio Rio de
Janeiro para
tornar o jornal
mais popular.
Fora da nossa
equipe, cito
Gerson Simões
Monteiro que, na
época, era o
presidente da
FUNTARSO e que
acreditou neste
trabalho abrindo
as portas da
Rádio Rio de
Janeiro para o
jornal Correio
Espírita.
Começamos em
dezembro de 2004
com oito páginas
e uma tiragem de
5.000 exemplares
bimestrais. No
ano de 2006, com
edições mensais
de 12 páginas e,
atualmente, de
16 páginas sendo
4 coloridas,
sempre no
tamanho standard.
Se o início foi
difícil, manter
o jornal também
é muito difícil.
A cada edição,
uma batalha
vencida com
muito amor e
alegria. Sabemos
que os Espíritos
nos dão muita
assistência. O
maior vitorioso
deste trabalho é
a doutrina
espírita. De
forma inédita,
conseguimos
colocar um
jornal espírita
lado a lado com
qualquer outro
jornal. Hoje, o
Correio Espírita
está presente em
oito capitais e
em centenas de
cidades. É bom
frisar que o
Jornal Correio
Espírita, para
alcançar este
momento, não foi
rotulado por
nenhuma casa
espírita; não
possuímos
diretor de
doutrina,
seguimos bem as
orientações e
experiências de
Kardec quando
começou a editar
a Revista
Espírita.
Sugerimos a
leitura de
Obras Póstumas
no capítulo
Revista
Espírita.
Na sua visão,
dada a
existência da
literatura
espírita, qual a
importância de
veículos de
divulgação como
jornais e
revistas
especializadas?
Começamos pelas
palavras de
Emmanuel: “A
maior caridade
que podemos
fazer para o
Espiritismo é a
sua própria
divulgação”.
Entretanto, a
grande maioria
dos espíritas
está
excessivamente
presa às
questões sociais
de caridade, e
não na audácia
de divulgar e
apoiar os meios
de comunicação
espírita. As
revistas, os
jornais contados
a dedo, as
livrarias e
editoras
agonizam. A
informação
espírita atrai o
público para as
instituições
espíritas. Tenho
diversos casos
de
frequentadores
de casas
espíritas que
chegaram a elas
pelas páginas
consoladoras do
Jornal Correio
Espírita. Não
querendo ser
pedante, mas
conheço
espíritas que
sequer vão ao
cinema ou ao
teatro para
apoiar os
trabalhos da
crescente
doutrina. Se
tivéssemos maior
atenção aos
meios de
comunicação
espírita, posso
assegurar que o
Espiritismo
estaria à frente
do que está hoje
e, por
conseguinte, o
mundo também.
Qual o perfil de
escritores
espíritas nos
periódicos
espíritas em
geral observados
pelo senhor?
A grande maioria
já se tocou que
o Espiritismo é
dinâmico. Outros
escritores
precisam ser
mais atualizados
como Kardec foi
escrevendo sobre
acontecimentos
do dia-a-dia na
Revista
Espírita. No seu
aspecto
essencial, a
revista
descortina
verdadeiramente
o pensamento de
um homem genial
que fez dela uma
grande
provocação e
instigava o
leitor a ler,
não somente
pelos seus
títulos
inteligentes,
mas também pela
seleção de
artigos de dar
inveja a
qualquer
jornalista do
momento atual.
Tenho lido
excelentes
artigos em
jornais e
revistas.
Entretanto, pela
falta de hábito
dos espíritas de
não ler jornais
e revistas, os
artigos passam
despercebidos.
Lamento
profundamente
que os espíritas
não levem
jornais e
revistas de
termas atuais
para discussão e
debate nas casas
espíritas com
mais frequência.
Sobre o Correio
Espírita, o
senhor tem algum
caso típico para
nos contar,
alguma carta,
interação com
leitores digna
de nota?
Recebemos muitas
correspondências
ao longo desses
sete anos. Mas
o que mais me
chamou atenção
foi uma
cobertura
jornalística em
uma casa
espírita muito
antiga, diria
até uma das mais
antigas do
mundo,
localizada na
Rua Carmo Neto,
no centro antigo
da cidade do Rio
de Janeiro. Lá
estivemos o
jornalista
Marcelo José e
eu. As
instalações
muito antigas,
livros de
presença de
renomados
espíritas
daquela época.
Um relógio de
parede vindo de
Portugal que,
depois de vinte
anos sem
funcionar, deu
até badaladas. E
tudo isso sendo
registrado pelo
Marcelo e pelas
lentes de minha
Cyber-Shot. Uma
bíblia
antiquíssima que
não conseguimos
fotografar. A
princípio, o
defeito era com
o fotógrafo.
Substituímos o
fotógrafo,
depois trocamos
as pilhas da
máquina, depois
outra máquina e
nada fez com que
fotografássemos
a bíblia. Por
fim, o fato
intrigou a todos
os presentes e
acabei levando a
bíblia para
minha
residência, onde
consegui fazer
um scanner, cuja
imagem foi
inserida na
edição da
cobertura
jornalística e
publicada no
Correio
Espírita.
Como funciona no
Correio Espírita
o trabalho dos
jornalistas que
produzem
matérias
próprias?
Todos os
trabalhos
jornalísticos
são voluntários,
bem como o
trabalho de
todos os
articulistas e
colunistas. Não
há interferência
da redação,
apenas
orientamos no
escopo editorial
e nas pautas.
Logicamente, há
artigos que
recebemos que
não se enquadram
na proposta
editorial, e
assim os
excluímos de
nossas pautas.
Com o avanço da
internet, qual a
sua opinião
sobre os rumos
da comunicação
social espírita?
Os jornaleiros
reclamam que a
internet roubou
boa parte de
seus leitores.
As vendas de
produtos
impressos caíram
bastante. Isso é
sinal de um novo
modelo de
comunicação.
Vejo um
progresso na
mídia de
informação neste
momento, em que
as redes sociais
adentram em
nosso tempo,
encurtam as
distâncias e
logicamente o
tempo. Isso é
muito bom para o
Espiritismo, que
caminha lado a
lado com o
progresso
científico e
tecnológico da
informação
séria.
Entretanto,
ressaltamos que
a falta de
reflexão sobre a
comunicação
espírita traz
prejuízos à
Doutrina
Espírita, cuja
informação
jornalística é
muito
incipiente.
O movimento
espírita, como
qualquer
organização
humana,
apresenta pontos
polêmicos e
discordâncias
públicas. Qual
é, em sua
opinião, o papel
da imprensa
espírita nessas
polêmicas?
Os movimentos
espíritas são o
conjunto de
ideias de cada
simpatizante,
não obstante a
minha opinião
ser igual ou
diferente da
sua. Importante
é ter Kardec
como norte de
toda a
codificação.
Acredito que as
polêmicas
existem pela
falta de
conhecimento
doutrinário e
não pela falta
de doutrina.
Melhor dizendo,
os pensamentos
de Allan Kardec
continuam sendo
pouco estudados.
Pergunto ao
leitor: você já
estudou o livro
O Céu e
Inferno? Com
certeza a
Revista Espírita
também não. Na
minha opinião, o
papel da
imprensa
espírita é dar
continuidade à
divulgação séria
da Doutrina
Espírita. Por
experiência
própria,
evitamos
publicar no
Correio Espírita
discussões vãs.
Entretanto, o
jornal tem
apresentado
artigos
polêmicos para a
sociedade como,
por exemplo, a
homossexualidade,
a pederastia, o
aborto, pena de
morte etc., em
que o jornal
sempre esteve
presente para
esclarecer, à
luz da razão e
jamais por
omissão, a
sociedade.
Por fim, qual a
sua opinião
sobre o papel e
as diretrizes a
serem observadas
pelo comunicador
social espírita?
Há um dito
popular que diz:
“o exemplo
arrasta”. Se
esperarmos a
nossa reforma
íntima, jamais
seremos um
comunicador
espírita. O
comunicador
espírita antes
de se tornar
moralizado
precisa aprender
a passar bem a
informação
espírita. Vejo
ainda alguns
sermões em casas
espíritas, e
isso não é bom.
Em se tratando
de jornalismo,
acredito que o
melindre precisa
ser transformado
em
profissionalismo
e que somente
boa vontade, em
se falando de
divulgação, pode
atrapalhar, pois
erra em não
apresentar um
trabalho
bem-acabado.
Aos nossos
irmãos de
comunicação
espírita ainda
resta uma grande
oportunidade de
aprender, de
vivenciar e
redescobrir o
pensamento sobre
comunicação
social espírita
que ainda
continua oculta
nas páginas de
Obras
Póstumas,
nas quais os
Espíritos, sem
TV, sem teatro,
sem cinema,
ditaram a Kardec
um roteiro de
comunicação
espírita a ser
seguido. Cabe
aos espíritas
apoiar a mídia
espírita
impressa,
virtual, falada
ou televisiva.