MILTON SIMON
PIRES
cardiopires@gmail.com
Porto Alegre, RS
(Brasil)
A Doutrina
Espírita e o
Conceito de
Tempo
–
Uma Revolução em
Silêncio
De que modo
existem aqueles
dois tempos
–
o passado e o
futuro
–
se o passado já
não existe e o
futuro ainda não
veio? Quanto ao
presente, se
fosse sempre
presente e não
passasse para o
pretérito, já
não seria tempo,
mas eternidade!
Foi dessa
maneira
devastadora para
todos os
filósofos e que
até hoje não
teve
contestação, à
altura, que
Santo Agostinho,
no Livro XI de
Confissões,
nos colocou o
problema de
definir o que é
o tempo.
O presente
artigo tem por
objetivo
apresentar
algumas
considerações a
respeito desse
problema
fundamental para
Filosofia e as
oportunidades e
desafios que o
Espiritismo nos
oferece ao
abordá-lo.
Cada vez que nos
perguntamos o
que vem a ser
exatamente o
tempo ficamos
impressionados
–
a quantidade de
respostas é
inversamente
proporcional à
capacidade de
esclarecimento.
Desde as
condições
meteorológicas
até o processo
de
envelhecimento,
passando pelas
piadas daqueles
que nos mostram
seus relógios,
as pessoas nos
dão longas
explicações que
a rigor não têm
significado
algum. Mais do
que isso, nos
impressionamos
com a convicção
de respostas que
frequentemente
apelam para
noção de "senso
comum" e que
demonstram
aquela que
talvez seja a
única verdade
sobre a questão
–
também
estabelecida
pelo bispo de
Hipona
–:
se nos
perguntam o que
é o tempo,
sabemos; se
tivermos que
explicar o que
é, já não
sabemos.
É a partir deste
ponto que eu
gostaria de
começar este
breve exercício
de entendimento.
O conceito de
tempo como uma
espécie de
"ordem interna"
do processo
racional foi
magistralmente
tratado por Kant
em sua
Crítica da Razão
Pura. Na
parte que toca à
Estética
Transcendental,
parece ser
evidente que a
simples noção
daquilo que
venha a ser o
tempo prescinde
de uma
experiência
prévia, e ele é
definido como
uma espécie de
"verdade
intuída". Sem
ser um filósofo
profissional e
muito menos ter
a certeza de ter
compreendido bem
um livro como
esse, me parece
que o tempo
funciona como
uma espécie de
"pano de fundo"
para um teatro
em que o ator
principal é a
nossa própria
razão. Parto
aqui da ideia de
que tudo aquilo
que entendemos
como racional
precisa ser
entendido no
tempo e não
a partir dele.
Tudo que nos
cerca nos parece
passível de ser
analisado
racionalmente à
medida que
estabelecemos
relações de
causa e efeito
entre os
fenômenos que
observamos. Sem
a noção de
antes e
depois, não
é, a meu ver,
possível ser
racional em
sentido algum.
A verdadeira
revolução que a
Doutrina
Espírita coloca
para esse
problema
(definição do
que é o tempo) é
a ideia da
reencarnação.
Toda nossa vida
é pautada pela
ideia de
finitude.
Aceitando ou
não, todos nós
sabemos
que um dia vamos
morrer e o
universo moral
em que vivemos
tem seus
conceitos
inevitavelmente
fundados nisso.
Nossa espécie
construiu seus
ideais de
beleza, amor,
verdade, e,
acima de tudo,
justiça
em função de
sermos mortais.
Extrapolamos
nossas noções de
certo ou errado
conforme o tempo
em que
estivemos aqui.
Conversando com
amigos ou
simples
conhecidos, nos
surpreendemos às
vezes dizendo de
forma amarga:
–
Não há
justiça nesse
mundo. Veja o
exemplo de
"fulano", que
trabalhou toda
vida, nunca fez
mal a ninguém,
sofreu como um
cão e morreu na
miséria. Não
é fácil ser
filósofo num
momento assim,
mas num
exercício muito
rápido é
possível ver que
toda essa
"verdade"
exposta de
maneira tão
cruel depende de
aceitar como
resolvido um
problema que não
está nem próximo
disso. Se não,
vejamos: como
posso dizer que
não há justiça
nesta vida
quando não sei
exatamente o que
é o tempo? Se a
própria noção
geral do que é
justiça depende
unicamente
da minha
vida aqui
nessa Terra,
e que essa vida
é a única que eu
tenho, como
posso aceitar um
Deus que me faz
nascer, morrer,
e viver na mais
perfeita
injustiça?
Coloca-se aí o
problema de que,
se Deus existe,
ele não é justo,
mas, se ele não
é justo, então,
não é Deus.
A revolução a
que faço
referência no
título deste
trabalho é o
advento da noção
de reencarnação.
Resgatada e
codificada de
forma tão
brilhante por
Kardec, ela não
é nova na
história humana,
pois a
necessidade que
todos nós temos
de dar um
sentido ao
sofrimento e
entender aquilo
que vivemos é
anterior ao
Espiritismo.
Iluminados pela
mensagem deixada
por Cristo, que
tem como
fundamento o
princípio
filosófico de
que o fim do
corpo não é o do
espírito, temos
na ideia de
reencarnação
toda uma
verdadeira
"revolução"
naquilo que
entendemos como
justiça.
Este é o fato
fundamental,
pois eu afirmo
que todo ser
humano,
acreditando ou
não em Deus,
sabendo ou não o
que é o tempo,
está, como diria
Sartre,
"condenado a ser
livre" e, para
isso (acréscimo
meu), a buscar
aquilo que pensa
ser justo.
"Nascer, morrer,
renascer ainda e
progredir
sempre, tal é a
lei" é o lema
desta revolução
que se fez em
silêncio, que
mudou o que
pensamos sobre o
que é a justiça
e o que é o
tempo, e nos
mostra, de
maneira quase
geométrica, que
fora da caridade
não há salvação.
O autor é médico
em Porto Alegre,
RS.