A Personalidade Humana
Fredrich Myers
(Parte
2)
Damos sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de
Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é
Human Personality
and Its Survival of
Bodily Death.
Questões preliminares
A. São antigas em nosso
mundo as manifestações
de êxtase ou de
possessão?
Sim. Segundo Myers, em
nenhuma das épocas que
conhecemos, nem antes
nem depois da era
cristã, a série de
manifestações de êxtase
ou de possessão, que se
presumia em comunicação
com um mundo superior,
deixaram de existir
inteiramente.
(A Personalidade Humana.
Capítulo I, Introdução.)
B. Que precursores da
pesquisa dos fatos ditos
paranormais são
mencionados por Myers?
O primeiro foi
Swedenborg, que Myers
considera um ilustre
precursor desta grande
ciência à qual ele
próprio se propôs trazer
sua contribuição. O
segundo foi o célebre
físico e químico Sir
William Crookes.
(Obra citada. Capítulo
I, Introdução.)
C. Os fenômenos
paranormais se devem, na
totalidade, à
interferência dos
Espíritos dos mortos?
Segundo alguns, como
Alfred Russel Wallace,
sim. Myers, contudo,
entende que eles são
devidos, na sua maioria,
à ação de Espíritos
encarnados, quer do
próprio sujeito ou de um
agente qualquer.
(Obra citada. Capítulo
I, Introdução.)
Texto para leitura
23. O mesmerismo
– As possibilidades
latentes da sugestão,
ainda que sob outro nome
e associadas a muitos
elementos estranhos,
saíram novamente à luz
com o movimento
inaugurado por Mesmer,
simultaneamente inventor
e charlatão. Ainda desta
vez a época não estava
bastante madura e a
oposição científica,
embora menos avassalante
que a oposição religiosa
que mandava os
feiticeiros para a
fogueira, foi
suficientemente forte
para deter de novo a
ciência nascente. Em
nossa geração, apenas
uma terceira tentativa
recebeu melhor acolhida.
E atualmente o
Hipnotismo e a
Psicoterapia, nas quais
todo fato bem provado de
feitiçaria e de
mesmerismo encontra, se
não a sua explicação,
pelo menos a sua
analogia, estão a ponto
de impor-se como métodos
excelentes de alívio das
misérias humanas.[i]
24. Em nenhuma das
épocas que conhecemos,
nem antes nem depois da
era cristã, a série de
manifestações de êxtase
ou de possessão, que se
presumia em comunicação
com um mundo superior,
deixaram de existir
inteiramente. Às vezes,
como na época de Santa
Teresa, os êxtases desse
gênero constituíam, por
assim dizer, o fato
central ou culminante do
mundo cristão. Não vou
me ocupar aqui desses
experimentos. As provas
existentes a seu favor
são de caráter
eminentemente subjetivo
e estarão mais bem
colocadas numa discussão
ulterior, relacionada
com o grau de confiança
que se pode conceder à
interpretação dada a
seus próprios fenômenos
pelas pessoas
interessadas. Contudo,
entre essas largas
séries encontra-se a
história excepcional,
por assim dizer, de
Emanuel Swedenborg.
25. É sabido que, neste
caso, parecem ter
existido provas
objetivas excelentes,
tanto de clarividência e
telestesia como de
comunicação com os
mortos. E não podemos
deixar de lamentar que o
filósofo Kant, que
estava em parte
convencido do poder
paranormal de
Swedenborg,[ii]
não tenha levado mais
longe uma análise que
valeria, pelo menos,
tanto quanto as demais a
que aplicou o seu
espírito superior. Mas,
independentemente dessas
provas objetivas, o fato
era em si mesmo
suficientemente
interessante para atrair
a atenção durante mais
tempo.
26. É-me impossível
discutir aqui a estranha
mistura que apresentam
as revelações de
Swedenborg, de
literalismo servil e de
especulação exaltada, de
ortodoxia pedante e de
temeridade que lhe
permitiram olhar e ver
muito mais adiante do
que era acessível à sua
época. Basta-me dizer
que, se Sócrates fez
descer a Filosofia do
céu à terra, Swedenborg,
noutro sentido um pouco
diferente, fê-la subir
novamente ao céu,
criando a noção de
ciência do mundo
espiritual de forma tão
séria, ainda que de uma
maneira menos
persuasiva, como
Sócrates criou a ideia
da ciência do mundo, tal
como a conhecemos.
27. Swedenborg foi o
primeiro para quem o
mundo invisível era
principalmente um
domínio das leis, como
uma região onde reinam
não só a emoção etérea e
a adoração imóvel, mas
um progresso definido,
resultado de relações
definidas entre causas e
efeitos, de leis
fundamentais que
presidem a existência e
as relações espirituais,
que um dia chegaremos a
perceber e formular. Não
considero Swedenborg nem
como um profeta
inspirado nem como um
comentarista digno de
confiança no tocante às
suas próprias
experiências, senão como
um ilustre precursor
desta grande ciência à
qual nos propomos trazer
nossa contribuição.
28. O precursor
seguinte, que felizmente
ainda vive, que devo
mencionar nesta breve
nota, é o célebre físico
e químico Sir William
Crookes.[iii]
Da mesma forma que
Swedenborg, foi o
primeiro cientista
ilustre que tratou de,
honestamente, provar
mediante experiências de
uma precisão científica
as recíprocas
influências que existem
entre o mundo espiritual
e o nosso e sua contínua
interpenetração. Mas
enquanto Crookes
contentou-se com
estabelecer certos fatos
paranormais, sem ir mais
além, há um grupo de
pessoas que
fundamentaram sobre
esses fatos e outros
análogos um esquema de
crença, conhecido sob o
nome de
Espiritualismo Moderno
ou Espiritismo.
29. Os capítulos
seguintes mostrarão tudo
o que devo às
observações feitas pelos
membros desse grupo. E,
ao mesmo tempo, ver-se-á
que mais de uma vez
minhas conclusões
coincidem com as
conclusões a que eles
chegaram anteriormente.
Por esse motivo esta
obra constitui, na maior
parte, uma refutação
crítica do principal
dogma espírita, do qual
Alfred Russel Wallace é
atualmente o partidário
mais ilustre, segundo o
qual todos os fenômenos
paranormais se devem à
interferência dos
espíritos dos mortos.[iv]
30. Acredito, ao
contrário, serem
devidos, na sua maioria,
à ação de espíritos
encarnados, quer do
próprio sujeito ou de um
agente qualquer. Mas,
apesar das diferenças
especulativas que nos
separam, estou concorde
com ele em não desejar
que o que considero como
um ramo da investigação
científica, que decorre
naturalmente de nossos
conhecimentos atuais,
degenere numa crença
sectária. Acredito que,
na maior parte, deve-se
à adesão irracional que,
com frequência, degenera
numa credulidade cega, o
escasso progresso da
literatura espírita e os
estímulos que os
cientistas encontraram
num grande número de
manifestações
fraudulentas para se
declararem hostis ao
estudo dos fenômenos
registrados e defendidos
por meios e
procedimentos tão
contrários à Ciência.
31. Não sei que grau de
originalidade e de
importância atribuiriam
nossos pósteros à
contribuição que
trouxemos para a solução
desses problemas. Por
volta de 1873, quando o
materialismo que acabava
de invadir nossas costas
estava, por assim dizer,
em seu apogeu, um
pequeno grupo de amigos,
reunidos em Cambridge,
imbuiu-se da convicção
de que as profundas
questões em litígio
mereciam uma atenção e
um esforço mais sério do
que o que lhes tinham
sido consagrados até
então. A meu ver,
nenhuma tentativa digna
de tal nome havia sido
feita até então para
determinar se somos ou
não capazes de saber
algo a respeito do mundo
invisível. E adquiri a
convicção de que se algo
relacionado a esse mundo
podia ser conhecido, de
tal forma que a Ciência
pudesse adotar e manter
esse conhecimento, não
era como consequência do
exame da tradição, nem
com ajuda de
especulações
metafísicas, senão
simplesmente pela
experiência e a
observação, pela
aplicação aos fenômenos
que se passam em torno
de nós e dentro de nós,
dos mesmos métodos de
investigação exata,
imparcial, prudente, aos
quais devemos o
conhecimento do mundo
visível e palpável.[v]
32. Alguns de meus
atuais leitores verão
nisto, talvez, uma
redundância, outros um
paradoxo. Mas,
redundância ou paradoxo,
este pensamento tornava
necessário um esforço
que, segundo entendo,
não havia sido feito
anteriormente. As
investigações que se
impunham não podiam se
limitar à simples
análise de documentos
históricos ou às origens
desta ou daquela
revelação do passado.
Essas investigações
deveriam basear-se, como
toda investigação
científica, no sentido
estrito da palavra, em
fatos subjetivos
realmente observáveis, e
repousar em experiências
que pudéssemos repetir
hoje com a esperança de
superá-las amanhã. Não
se podia tratar mais que
de investigações
baseadas, para empregar
uma expressão
ultrapassada, na
hipótese uniformizada,
isto é, na proposição de
que, se existe um
mundo espiritual, e se
esse mundo foi, numa
época qualquer,
suscetível de se
manifestar e de ser
descoberto, pode-se
fazer o mesmo em nossos
dias.
33. Deste lado, e
partindo dessas
considerações, o grupo
ao qual pertencia
abordara o tema. Nossos
métodos, nossos
princípios, tudo estava
por fazer. Fazendo todo
o possível para
descobrir as provas,
reunindo em torno de nós
um pequeno grupo de
pessoas desejosas de
ajudar-nos na
investigação dos
fenômenos obscuros,
relativos à natureza e à
experiência do homem,
finalmente tivemos a
sorte de descobrir num
ponto definido e
importante um acordo
entre os dados
experimentais e os dados
espontâneos. Chegamos a
acreditar que não estava
desprovida de verdade a
tese que, desde
Swedenborg e os
primeiros mesmeristas,
foi formulada
frequentemente, ainda
que de um modo
superficial e ineficaz,
segundo a qual podem
estabelecer-se
comunicações de espírito
a espírito sem
intervenção de órgãos
sensoriais conhecidos.
34. Achamos que o fator
por meio do qual se
produzem as comunicações
desse gênero,
susceptíveis de serem
discernidas com ajuda de
provas apropriadas em
ocasiões habituais,
parecia associado a um
fator mais ativo e, em
todo caso, mais
reconhecível, que se
manifestava nos momentos
críticos ou na hora da
morte. Edmund Gurney, o
colaborador e amigo
imprescindível, cujo
desaparecimento,
ocorrido em 1888, foi
para nós uma fonte de
profundos desânimos,
havia exposto esses
dados numa grande obra,
Phantasms of the
Living, em cujo
preparo Gurney e eu
tivemos somente um papel
secundário. Os quinze
anos transcorridos desde
a publicação desse livro
aumentaram os elementos
de que dispunha Gurney e
mostraram (atrevo-me a
afirmar) o valor geral
do conjunto de provas e
de argumentos que
serviram de materiais à
sua obra.
35. É, com efeito, de
importância capital a
doutrina da telepatia,
que se pode considerar
como a primeira lei
oferecida à curiosidade
humana e que, mesmo
operando no mundo
material, é, na minha
opinião, ao menos uma
lei do mundo espiritual
ou metaetéreo. Tratarei
de mostrar, no
desenvolver desta obra,
mediante numerosos
exemplos, a importância
das consequências que se
depreendem da doutrina
das comunicações
interespirituais diretas
ou parassensoriais.
Entre essas
consequências, a mais
importante é a luz que
derrama essa descoberta
sobre a natureza íntima
do homem e sobre a
possibilidade da sua
sobrevivência após a
morte.
36. Descobrimos
gradualmente que as
narrações que tratam das
aparições no momento da
morte, e são testemunhos
de uma comunicação
parassensorial entre o
moribundo e o amigo que
o vê, conduzem-nos
diretamente, sem nenhuma
aparente solução de
continuidade, às
aparições que sobrevivem
à morte da pessoa vista,
sem que o sujeito
tivesse conhecimento da
morte, as quais são
devidas, não à
emergência de latente
recordação, mas antes à
ação persistente do
espírito da pessoa
morta. A tarefa que nos
incumbia, imediatamente,
era a de colecionar e
analisar os dados desta
categoria e muitos
outros, com o fim de
provar a sobrevivência
espiritual do homem.
37. Mas, após haver
continuado nessa tarefa
durante alguns anos,
dei-me conta de que a
passagem da ação do
espírito encarnado para
a do espírito
desencarnado era de uma
natureza demasiadamente
brusca, quer me parecer.
À medida que se
acumulavam as provas a
favor das aparições, o
indivíduo percebia que
as aparições dos vivos
formavam uma sequência
contínua com as dos
defuntos. Mas todo o
conjunto de provas que,
à primeira vista,
propendia a mostrar a
sobrevivência do homem,
era de um gênero muito
mais complexo. Essas
provas consistiam, por
exemplo, em grande
parte, em manifestações
faladas e escritas que
se traduziam por
intermédio da mão e da
voz da pessoa viva, mas
empenhadas em fazer crer
que tinham sua origem
num espírito
desencarnado. A essas
manifestações,
apreciadas em seu todo,
não se aplicou, até
agora, um critério
satisfatório.
38. Considerando os
casos desse gênero, vi
claramente que, antes de
poder afirmar com
certeza que tal conjunto
de manifestações implica
uma influência de
além-túmulo, era
necessário submeter as
faculdades da
personalidade encarnada
do homem a uma análise
mais profunda do que a
considerada pelos
psicólogos, pouco a par
dos novos dados, como
suficiente.
39. Lentamente, e como
impulsionado pela
necessidade, propus-me
uma tarefa que, para ser
realizada completamente,
exigia conhecimentos e
capacidades superiores
aos que eu possuía. O
esboço, realmente
sumário, que constitui o
fruto de meus esforços,
não é, a meu ver, mais
do que um ensaio
preparatório que
precederá a um
tratamento mais completo
e profundo do tema que o
novo século receberá,
estou seguro, de mãos
mais competentes. Este
livro terá já alcançado
um grande sucesso se
puder ser logo superado
por outro melhor; porque
isso será a prova de que
não me equivoquei ao
afirmar que o tratamento
sério dessas questões
nada mais é que o
complemento e a
conclusão inevitáveis do
processo lento pelo qual
o homem reuniu
seguidamente, no domínio
da Ciência, todos os
grupos de fenômenos
acessíveis.
[vi]
40. Abordo, sem mais
preâmbulo, o exame das
faculdades humanas, tal
como se manifestam nas
diferentes fases da
personalidade, com a
esperança de tirar delas
os elementos que nos
permitam compreender
melhor esses fenômenos
pouco conhecidos.
Evitarei, quanto
possível, nesta
discussão, tudo o que
seja do domínio da
Metafísica ou da
Teologia. Evitarei a
Teologia porque penso,
como já disse, que
usando os argumentos
fundados na experiência
e na observação, não
tenho o direito de
apelar para as
considerações
tradicionais ou
subjetivas, qualquer que
seja a sua importância.
41. Por análogas razões
não quero começar a
expor a ideia da
personalidade por um
resumo histórico das
opiniões filosóficas que
diferentes pensadores
professaram a respeito,
nem especular sobre
matérias não
susceptíveis de uma
prova objetiva. Nada
mais farei do que
resumir, com a maior
brevidade possível, duas
opiniões sobre a
personalidade humana que
não podemos separar, ou
seja: o antigo ponto de
vista do bom senso, e
que é ainda o da maioria
das criaturas, e o ponto
de vista mais recente da
Psicologia experimental,
que considera a
personalidade humana ou
animal como um conjunto
de elementos
heterogêneos, um
composto.
42. O seguinte trecho,
de uma famosa obra de
Reid, Essai sur les
facultés intellectuelles
de l’homme, expressa
o primeiro desses pontos
de vista: “A convicção
que todo homem possui de
sua própria identidade,
por mais distantes que
remontem as suas
recordações, não
necessita do socorro da
Filosofia para ser
reforçada e nenhuma
filosofia é capaz de
debilitá-la sem haver
determinado previamente
um certo grau de
loucura... Minha
identidade pessoal
implica,
consequentemente, a
existência contínua
dessa coisa indivisível
que chamamos eu.
Seja o que for esse
eu, é algo que
pensa, reflete, resolve,
trabalha e sofre. Não
sou nem pensamento, nem
ação, nem sentimento;
sou algo que pensa,
trabalha e sofre. Meus
pensamentos, atos e
sentimentos mudam
constantemente;
constituem uma
existência sucessiva,
não contínua; mas o
eu ao qual pertencem
é permanente e conserva
uma posição invariável
com relação a todos os
pensamentos, todas as
ações e todos os
sentimentos que se
sucedem e que eu chamo
de meus... A
identidade de uma pessoa
é uma identidade
perfeita; no que é real,
não admite graus, é
impossível que uma
pessoa seja em parte a
mesma, em parte
diferente, porque uma
pessoa é uma mônada,
isto é, indivisível. A
identidade aplicada às
pessoas não sofre
nenhuma ambiguidade, não
admite graus de mais ou
menos. É a base de todos
os direitos, de todas as
obrigações e de todas as
responsabilidades, e sua
noção é fixa e
precisa.” [vii]
43. Em oposição a esse
trecho citaremos o que
forma a conclusão do
ensaio de Ribot sobre
As Enfermidades da
Personalidade: “A
personalidade consiste
no organismo e no
cérebro, sua
manifestação suprema,
contendo em si os restos
de tudo aquilo que fomos
e as possibilidades de
tudo o que seremos. O
caráter individual
inteiro está ali
inscrito, com suas
aptidões ativas ou
passivas, suas simpatias
e antipatias, seu gênio,
seu talento ou sua
imbecilidade, suas
virtudes ou seus vícios,
sua inércia ou sua
atividade. O que emerge
até à consciência é
pouco em comparação com
o que fica enterrado,
posto que ativo. A
personalidade consciente
nada mais é que uma
débil parte da
personalidade física. A
unidade do eu não
é, pois, a da entidade
una dos espíritas
que se dissolve em
múltiplos fenômenos,
senão a coordenação de
determinado número de
estados que renascem sem
interrupção e que têm
como único ponto de
apoio o sentimento vago
de nosso corpo. Essa
unidade não vai de cima
para baixo, mas de baixo
para cima; não é um
ponto inicial, mas um
ponto final. Existe a
unidade perfeita? No
sentido rigoroso,
matemático,
evidentemente não. No
relativo encontra-se
raramente e de passagem.
No excelente atirador
que aponta, no hábil
cirurgião que opera, o
sentimento da
personalidade real
desaparece, o indivíduo
consciente fica reduzido
a uma ideia, de forma
que a perfeita unidade
de consciência e o
sentido da personalidade
se excluem. Retornamos,
por outro caminho, à
mesma conclusão: o eu
é uma coordenação.
Ele oscila entre esses
dois pontos extremos,
além dos quais deixa de
ser a unidade pura, a
não-coordenação
absoluta. A última
palavra sobre isso é que
o consenso da
consciência, estando
subordinado ao consenso
do organismo, o problema
da unidade do eu
é, em sua forma íntima,
um problema biológico.
Cabe à biologia
explicar, se puder, a
gênese dos organismos e
a solidariedade de suas
partes. A interpretação
psicológica não pode
deixar de segui-la.” [viii]
44. Eis duas maneiras de
ver que se nos afiguram
incompatíveis, uma
sugerida pela nossa
consciência interna e a
outra pela observação
que não admite réplica.
Os partidários do
conceito: o eu é uma
coordenação, isto é,
da Psicologia
experimental,
abandonaram honestamente
toda noção de unidade,
de vida independente do
organismo, numa palavra,
de alma humana. Por
outro lado, os
partidários da unidade
do eu, ainda que
não tenham sido sempre
suficientemente
explícitos na sua
negação da opinião
exposta, contentaram-se
em ignorá-la. Que
eu saiba, não se fez
esforço algum para
conciliar as duas
opiniões mediante uma
síntese mais profunda. E
se me iludo de haver
realizado nesta obra um
esforço nesse sentido,
não o foi remendando os
velhos e gastos
argumentos metafísicos.
Essa é uma tarefa da
qual não me sinto capaz,
mas pensei humildemente
que estamos de posse de
novos dados que permitem
considerar a questão sob
uma nova luz e ao mesmo
tempo resolver a
controvérsia por um
juízo a favor de ambas
as partes, e mais
decisivo do que era
lícito esperar.
(Continua no próximo
número.)
[i] Os
avanços atuais
nesse campo são
referidos e
analisados no
volume
Parapsicologia
Hoje e Amanhã,
de J. Herculano
Pires. (N. E.)
[ii] Tomei
a liberdade de
compor a palavra
paranormal
para aplicá-la
aos fenômenos
que se encontram
além do que
ordinariamente
acontece,
isto é, em
virtude de leis
psíquicas que
suponho
desconhecidas.
Esta palavra
formou-se por
analogia com a
palavra
normal. Por
fenômenos
anormais
designamos não
os fenômenos
contrários às
leis naturais,
antes os que nos
apresentam estas
leis sob uma
forma inusitada
e inexplicável.
Igualmente, um
fenômeno
paranormal não
é, para mim, um
fenômeno que
excede as
leis da
Natureza,
porque, na minha
opinião, tal
fenômeno não
existe, senão o
fenômeno pelo
qual se
manifestam leis,
do ponto de
vista psíquico,
superiores
às que vigoram
na vida
cotidiana. E por
superior (no
sentido
fisiológico ou
psíquico da
palavra) entendo
o que
corresponde a
uma fase mais
avançada da
evolução.
[iii] Outros
sábios eminentes
(entre eles
Alfred Russel
Wallace) estavam
convencidos,
igualmente, da
realidade desses
estranhos
fenômenos, mas
não verificaram
essa realidade
com o necessário
cuidado (Richard
Granvil, John
Wesley, Samuel
Johnson, etc.).
[iv] Nesse
ponto Myers se
enganou, tomando
por Espiritismo
o
Neo-Espiritualismo
anglo-saxão. No
Espiritismo,
desde a primeira
publicação de
Kardec em 1857,
os fenômenos
paranormais têm
duas causas: a
anímica,
ou seja, a alma
humana, o
psiquismo do
médium, e a
espírita, ou
a ação dos
espíritos sobre
os médiuns. Ver
isto no volume
Parapsicologia
Hoje e Amanhã,
de J. Herculano
Pires. (N. E.)
[v] Faltava
a Myers o
conhecimento
exato do
trabalho de
Kardec na
Société
Parisienne d’Etudes
Spirites,
hoje acessível
ao leitor de
língua
portuguesa
graças à
tradução e
edição da
Revue Spirite
(Revista
Espírita) em
São Paulo. (N.
E.)
[vi] Os
fenômenos
paranormais são
por assim dizer
uma continuidade
natural do campo
dos fenômenos
chamados
normais. Charles
Richet propôs a
classificação de
fenômenos
habituais e
inabituais.
O estudo e a
pesquisa do
paranormal são,
portanto, um
desenvolvimento
legítimo e
necessário do
processo
científico, como
Myers pretende.
(N. E.)
[vii] Reid
apoia-se em
Descartes e
Leibniz: a
essência da
personalidade é
espiritual e se
manifesta pelo
pensamento
(posição
cartesiana) e a
sua forma ou
estrutura, que é
unitária, se
define pelo
conceito
leibniziano da
mônada,
espécie de átomo
espiritual que é
a fonte de toda
a vida. (N. E.)
[viii]
Th. Ribot,
Les maladies de
la personalité,
9ª edição, pág.
170-172, Paris,
F. Alcan. A
palavra
consenso é
aplicada nesse
trecho em seu
sentido
filosófico de
unidade formada
pela
interdependência
das partes.
Assim, a unidade
consciencial,
segundo a
opinião
materialista de
Ribot, decorre
da unidade
corporal,
formando ambas,
em seu acordo
somatopsíquico,
a personalidade
humana. A alma,
nesse caso,
seria um efeito
da matéria. (N.
E.)