O leitor Jayme Tadeu dos
Santos, de Itapetininga-SP,
a exemplo de outros
leitores, fez séria
restrição ao pensamento
expresso pelo confrade Paulo
Artur Gonçalves no artigo
que constituiu o Especial
das edições 274 e 275 desta
revista, em cuja conclusão o
articulista assim escreveu:
“Na codificação do
Espiritismo, Kardec não
incluiu o Velho Testamento
da Bíblia e não foi por
acaso. Os espíritas devem se
dedicar ao estudo da
codificação e ela não inclui
estes textos da Bíblia.
Melhor assim”.
Argumenta o prezado o
leitor:
“Kardec
em ‘O Evangelho segundo o
Espiritismo’ faz uso de
vários trechos do Antigo
Testamento; fala sobre Jó,
Isaías, Jeremias e outros.
Creio que o editor deveria
rever esse artigo...”.
O leitor tem razão em parte,
mas é preciso compreender
que a proposta que o
confrade Paulo Artur
Gonçalves apresentou está
fundamentada no pensamento
do próprio Codificador do
Espiritismo, que escreveu,
como todos os espíritas
sabem, que
há na lei mosaica duas
partes distintas: a lei
de Deus, promulgada no
monte Sinai, e a lei
civil ou disciplinar,
decretada por Moisés.
Uma – a lei de Deus – é
invariável. A outra,
apropriada aos costumes e ao
caráter do povo, modifica-se
com o tempo. (O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap.
I, item 2.)
É por isso que se torna
impensável, em nossos dias,
apedrejar até a morte uma
mulher flagrada em
adultério. A circuncisão é
outra prática que nem mesmo
os mais fanáticos defensores
da Bíblia adotam.
A lei de Deus – conhecida
também como o Decálogo –
está formulada nos dez
mandamentos seguintes (Ex.,
20:1-17.):
1o.
Eu sou o Senhor teu Deus,
que te tirei da terra do
Egito, da casa da servidão.
Não terás deuses
estrangeiros diante de mim.
Não farás para ti imagem de
escultura, nem figura alguma
de tudo o que há em cima no
céu, e do que há embaixo na
terra, nem de cousa alguma
que haja nas águas debaixo
da terra. Não as adorarás,
nem lhes darás culto: porque
eu sou o Senhor teu Deus, o
Deus forte e zeloso, que
vinga a iniquidade dos pais
nos filhos até a terceira e
quarta geração daqueles que
me aborrecem. E que usa de
misericórdia até mil
gerações com aqueles que me
amam e que guardam os meus
preceitos.
2o.
Não tomarás o nome do Senhor
teu Deus em vão, porque o
Senhor não terá por inocente
aquele que tomar em vão o
nome do Senhor seu Deus.
3o.
Lembra-te de santificar o
dia de sábado. Trabalharás
seis dias, e farás neles
tudo o que tens para fazer.
O sétimo dia, porém, é o
sábado do Senhor teu Deus.
Não farás nesse dia obra
alguma.
4o.
Honrarás a teu pai e a tua
mãe, para teres uma dilatada
vida sobre a terra que o
Senhor teu Deus te há de
dar.
5o.
Não matarás.
6o.
Não fornicarás.
7o.
Não furtarás.
8o.
Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo.
9o.
Não desejarás a mulher do
teu próximo.
10o.
Não cobiçarás a casa do teu
próximo, nem o seu servo,
nem a sua serva, nem o seu
boi, nem o seu jumento, nem
cousa alguma
que lhe pertença.
O pensamento de Kardec ora
reproduzido foi acolhido e
reafirmado por autores
respeitáveis, como J.
Herculano Pires, que
escreveu este primoroso
texto que compõe o cap. 4 do
seu livro Visão Espírita
da Bíblia:
“A palavra de Deus não está
na Bíblia, mas na natureza,
traduzida em suas
leis. A Bíblia é
simplesmente uma coletânea
de livros hebraicos, que nos
dão um panorama histórico do
judaísmo primitivo. Os cinco
livros iniciais da Bíblia,
que constituem o Pentateuco
mosaico, referem-se à
formação e organização do
povo judeu, após a
libertação do Egito e a
conquista de Canaã.
Atribuídos a Moisés, esses
livros não foram escritos
por ele, pois relatam,
inclusive, a sua própria
morte.
As pesquisas históricas
revelam que os livros da
Bíblia têm origem na
literatura oral do povo
judeu. Só depois do exílio
na Babilônia foi que Esdras
conseguiu reunir e compilar
os livros orais (guardados
na memória) e proclamá-los
em praça pública como a lei
do judaísmo, ditada por
Deus.
Os relatos históricos da
Bíblia são ao mesmo tempo
ingênuos e terríveis. Leia o
estudante, por exemplo, o
Deuteronômio, especialmente
os capítulos 23 e 28 desse
livro, e veja se Deus podia
ditar aquelas regras de
higiene simplória, aquelas
impiedosas leis de guerra
total, aquelas maldições
horríveis contra os que não
creem na ‘sua palavra’.
Essas maldições, até hoje,
apavoram as criaturas
simples que têm medo de
duvidar da Bíblia.
Muitos espertalhões se
servem disso e do prestígio
da Bíblia como ‘palavra de
Deus’, para arregimentar e
tosquiar gostosamente vastos
rebanhos.
As leis morais da Bíblia
podem ser resumidas nos Dez
Mandamentos.
Mas esses mandamentos nada
têm de transcendentes. São
regras normais de vida para
um povo de
pastores e agricultores, com
pormenores que fazem rir o
homem de hoje. Por isso, os
mandamentos são hoje
apresentados em resumo. O
Espírito que ditou essas
leis a Moisés, no Sinai, era
o guia espiritual da família
de Abrão, Isaac e Jacob,
mais tarde transformado no
Deus de Israel.
Desempenhando uma elevada
missão, esse Espírito
preparava o povo judeu para
o monoteísmo, a crença num
só Deus, pois os deuses da
antiguidade eram muitos.
O Espiritismo reconhece a
ação de Deus na Bíblia, mas
não pode admiti-la como a
‘palavra de Deus’. Na
verdade, como ensinou o
apóstolo Paulo, foram os
mensageiros de Deus, os
Espíritos, que guiaram o
povo de Israel, através dos
médiuns, então chamados
profetas. O próprio Moisés
era um médium, em constante
ligação com lave ou Jeová,
o deus bíblico, violento
e irascível, tão diferente
do deus-pai do Evangelho.
Devemos respeitar a Bíblia
no seu exato valor, mas
nunca fazer dela um mito, um
novo bezerro de ouro. Deus
não ditou nem dita livros
aos homens.”
(Grifamos.)
*
Concluindo, esclarecemos que
não formamos no grupo
daqueles que não veem valor
algum nos textos do Antigo
Testamento, em que existem
ensinamentos muito úteis e
importantes, mas entendemos
igualmente que o Espiritismo
é uma ciência de observação
e que sua força não se
encontra nos textos
bíblicos, mas provém – como
Kardec afirmou – da
universalidade das
manifestações dos Espíritos,
que surgem em todos os
pontos do globo para
desmentir os detratores e
confirmar os princípios da
Doutrina. (O que é o
Espiritismo, capítulo I,
Segundo Diálogo, págs. 72 e
73.)
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