MARCELO BORELA DE
OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Sexo e Destino
André Luiz
(Parte
2)
Damos continuidade ao
estudo da obra
Sexo e Destino,
de André Luiz,
psicografada pelos
médiuns Waldo Vieira e
Francisco Cândido Xavier
e
publicada em 1963 pela
Federação Espírita
Brasileira.
Questões preliminares
A. Que fato levou Pedro
Neves ao lar de sua
filha Beatriz?
Foi a doença da filha,
que, segundo explicou
Pedro Neves, atravessava
os derradeiros dias
terrenos, com o corpo
torturado pelo câncer.
Em conversa com André
Luiz, Neves confessou
ter estado por muitos
anos à margem das tricas
do navio familiar, mas
agora, por amor à filha,
era compelido a topar,
com espírito de
caridade, a irreflexão e
o descaramento,
conquanto se sentisse
inapto, desambientado e
debilitado pela
expectativa de erros
constantes.
(Sexo e Destino,
capítulo I, pp. 17 e
18.)
B. Na situação em que se
encontrava, Beatriz
recebia o amparo dos
benfeitores espirituais?
Sim. Ao lado de seu
leito, Amaro, sisudo
enfermeiro desencarnado
vigiava, atento. Beatriz
estava recebendo também
o auxílio do irmão
Félix, que dirigia
importante casa
socorrista ligada ao
Ministério da
Regeneração em "Nosso
Lar", e era conhecido
como sendo um apóstolo
da abnegação e do
bom-senso.
(Obra citada, capítulo
II, pp. 19 e 20.)
C. Além da enfermidade
da filha, um fato estava
deixando Pedro Neves
amargurado. Que fato é
esse?
O que amargurava Neves
era a infidelidade
conjugal por parte do
esposo de Beatriz.
Segundo ele, na quinta
noite de sua permanência
no lar da filha, notando
que ela experimentava
aguda crise de
sofrimento, diligenciou
buscar o genro para
assisti-la, mas não o
encontrou no escritório,
onde supostamente ele
estaria, conforme falsa
informação que deixara
em casa. Insistindo na
procura do genro, ele
acabou surpreendendo-o,
em plena madrugada,
junto de uma jovem,
unidos, qual marido e
mulher.
(Obra citada, capítulo
III, pp. 25 e 26.)
Texto para leitura
6. Uma família sem
rumo - Pedro
Neves informou, na
sequência, que seus
filhos Jorge e Ernesto,
ludibriados pelo
fascínio do ouro,
enlouqueceram no mesmo
delírio do dinheiro
fácil e se animalizaram
a tal ponto que nem de
leve guardavam qualquer
traço da memória
paterna, embora fossem,
à época, negociantes
abastados, em idade
madura. Aliás,
intentando captar-lhes
cooperação e simpatia, o
padrasto chegou a
insinuar que eles
seriam filhos dele
mesmo, através de união
com sua mãe, o que
Enedina não desmentiu.
Enedina havia
desencarnado, dez anos
antes, pela imposição da
icterícia, que lhe
apareceu por verdugo
invisível, evocado
pelas bebidas
alcoólicas. Ao vê-la
enferma e vencida, Pedro
tentara, na ocasião,
todos os processos de
socorro à sua
disposição, temendo
vê-la escravizada, na
vida post-mortem, às
forças aviltantes a que
se jungira sem perceber.
Ansiava, então, retê-la
no corpo físico, mas em
vão. Colhida por
entidades infelizes, às
quais se consorciou
levianamente, Enedina se
comprazia na viciação.
Não havia, pois, outro
recurso senão esperar,
esperar... Deplorando a
situação da esposa e dos
dois filhos, Pedro
lembrou a André que a
bondade de Deus não o
havia arrojado, de todo,
à solidão, porque sua
filha Beatriz, de quem
ele jamais se separara
pelos laços do espírito,
suportara
pacientemente as
afrontas e conservara-se
fiel ao seu nome.
"Agora, com quase meio
século de existência
entre os homens, presa
embora ao carinho que
consagra ao esposo e ao
filho único – continuou
Neves – , prepara-se
Beatriz para o
regresso... Minha filha
vem atravessando os
derradeiros dias
terrenos, com o corpo
torturado pelo
câncer..." Pedro Neves
confessou, então, ter
estado por muitos anos à
margem das tricas do
navio familiar... Como
muitos procedem,
fizera-se ao oceano
largo da vida... Agora,
por amor à filha, era
compelido a topar, com
espírito de caridade, a
irreflexão e o
descaramento, mas
sentia-se inapto,
desambientado, e via-se
na condição do aluno
debilitado pela
expectativa de erros
constantes. (Capítulo I,
pp. 17 e 18)
7. No lar de
Beatriz - Em
casa da filha de Pedro
Neves, André pôde ver
que a doença consumia a
forma física de Beatriz,
desde muito, porque, aos
quarenta e sete anos de
idade, ela mostrava o
rosto singularmente
engelhado e o corpo
leve. A enferma denotava
enorme cansaço e era
fácil de lhe ver a
preocupação, ante a
crise iminente. Beatriz
mostrava em seu
pensamento a convicção
de que a desencarnação
estava próxima. Embora
tranquila, inquietava-se
pelos vínculos que a
prendiam no mundo, o que
não a impedia de
visualizar as portas do
Além, plasmando
formosos quadros íntimos
e recordando o pai que
perdera na infância,
qual se visse prestes a
recuperá-lo em
definitivo, tal a
extensão do amor que os
unia um ao outro. Ao
lado de seu leito,
sisudo enfermeiro
desencarnado vigiava,
atento. Era Amaro, a
quem Pedro Neves
apresentou André. A
enferma estava recebendo
também o auxílio do
irmão Félix, que dirigia
importante casa
socorrista, ligada ao
Ministério da
Regeneração, em "Nosso
Lar". Félix, famoso pela
bondade e paciência, era
conhecido como sendo um
apóstolo da abnegação e
do bom-senso. Beatriz
experimentava, naquele
momento, dores agudas e
o companheiro mostrou o
propósito de aliviá-la,
através do passe
confortativo. De olhos
cerrados, a doente - que
revelava profunda
sensibilidade mediúnica
-, embora não
assinalasse a presença
do pai, lembrava a
ternura do genitor, que
lhe parecia distante e
inacessível no tempo...
Na acústica da memória,
ouvia as canções do lar,
voltava, encantada, às
horas da meninice e
sentia-se no regaço
paternal, à
maneira de uma ave de
regresso ao ninho...
Beatriz chorava e, sem
que a boca enunciasse o
menor movimento,
clamava intimamente com
toda a alma: "Pai, meu
pai!..." (Capítulo II,
pp. 19 e 20)
8. A
enfermeira improvisada
- Neves cambaleou,
agoniado... André
enlaçou-o, pedindo-lhe
coragem. A ventania da
angústia, porém, sobre o
ânimo do companheiro
atribulado, perdurou
alguns momentos.
Refeito, a recompor o
semblante que o
sofrimento
transfigurara, espalmou
a destra na fronte da
filha e orou, suplicando
o amparo da Bondade
Divina. Chispas de luz,
quais minúsculas flamas
azulíneas, evolavam-lhe
do tórax, a se
projetarem naquele corpo
fatigado, revestindo-o
de energias calmantes.
Beatriz acomodou-se a
suave torpor. Uma jovem
de aproximadamente
vinte anos de idade
penetrou, então,
cautelosamente, no
quarto e tomou o pulso
da enferma,
verificando-lhe as
condições. Em seguida,
aplicou-lhe injeção
anestesiante. A enferma
não mostrou a mínima
reação, continuando a
descansar, sem dormir; o
concurso magnético de
minutos antes
insensibilizara-lhe os
centros nervosos. A
enfermeira improvisada
acomodou-se em uma
poltrona, abriu parte da
janela do quarto e
acendeu um cigarro,
passando a fumar
distraidamente, dando a
ideia de alguém que
diligenciava fugir de si
mesma. Pedro Neves
fitou-a e informou:
"Trata-se de Marina,
contadora de meu genro,
que se dedica ao
comércio de imóveis...
Agora, a pedido dele,
desempenha funções de
assistente..." Evidente
sarcasmo
transparecia-lhe da
palavra reticenciosa.
"Imagine! – voltou a
dizer – fumar aqui,
numa câmara de dor, onde
a morte está sendo
esperada!..." Os olhos
de Marina denotavam
recôndita inquietude.
André aproximou-se,
então, reverentemente,
da jovem, no propósito
de sondá-la em silêncio
e colher-lhe as
vibrações mais íntimas,
mas recuou assustado.
Estranhas
formas-pensamentos,
retratando-lhe os
hábitos e anseios, em
contradição com os
propósitos de socorrer a
doente, mostraram a
André que Marina ali se
achava a contragosto.
Sua mente vagueava
longe... Quadros vivos
de esfuziante agitação
ressumavam-lhe na
cabeça... De olhar
parado, escutava, dentro
de si mesma, a música
brejeira da noite
festiva que atravessara
na véspera... (Capítulo
II, pp. 21 e 22)
9. O caso Marina
- Marina experimentava
ainda na garganta a
impressão do gim que
sorvera, abundante, na
véspera. Apesar de
surgir aos olhos dos
homens como uma menina
crescida, sob o
turbilhão de névoa
fumarenta exibia telas
mentais complexas, a lhe
relampaguearem na aura
imprecisa. Com o
objetivo de compreender
o que se passava, André
deu início a ampla
anamnese psicológica.
Marina apresentou, a
princípio, a figura de
um homem amadurecido,
cunhada por sua própria
imaginação, a
repetir-se-lhe, muitas
vezes, acima da fronte.
Ela e ele, juntos... Era
fácil perceber, de
pronto, a intimidade, o
romance... Fisicamente,
semelhavam pai e filha;
entretanto, pelas
atitudes sentimentais,
não conseguiam disfarçar
a estuante paixão um
pelo outro. Nos painéis
sutis que surgiam e se
desfaziam,
alternadamente,
mostravam-se ambos
extasiados, ébrios de
prazer, estivessem
aboletados no automóvel
de luxo ou enlaçados na
areia morna das
praias... Deslumbrantes
paisagens de Copacabana
ao Leblon desfilavam por
admirável fundo
pictórico. A jovem
procurava registar com
mais interesse as
reminiscências que lhe
empolgavam os sentidos,
para, logo depois,
mentalizar,
surpreendentemente,
outro homem, tão jovem
quanto ela mesma,
evidenciando-se na tela
mental entregue às cenas
de um filme interior,
diferente... Formava
novo tipo de palco para
exibir a lembrança das
próprias aventuras, no
qual se destacava
igualmente ao pé do
rapaz, como se
estivesse afeiçoada aos
mesmos sítios,
desfrutando companhias
diversas... Ela e ele
também juntos, no mesmo
carro entrevisto ou na
condição de pedestres
felizes, saboreando
refrescos ou repousando
em animados
entendimentos nos
jardins públicos,
sugerindo o encontro de
crianças enamoradas, a
entretecerem aspirações
e sonhos... Via-se com
clareza que Marina
revelava a personalidade
dúplice da mulher
dividida entre dois
homens, jugulada por
pensamentos de medo e
inquietude, ansiedade e
arrependimento. Pedro
Neves, que também
partilhara a inspeção,
disse, abatido: "Está
vendo? Julga que é fácil
para mim, pai da
doente, suportar aqui
semelhante criatura?"
(Capítulo II, pp. 23 e
24)
10. O esposo
infiel -
Passando ambos a pequeno
salão de leitura,
contíguo ao aposento de
Beatriz, Pedro Neves
cravou os olhos úmidos
nos olhos de André e
ponderou: "Após a
desencarnação,
achamo-nos na segunda
fase da própria
existência e ninguém, na
Terra, imagina as novas
condições que nos tomam
de assalto... De começo,
renovamos a vida...
Equipes salvadoras,
apoio na prece, estudo
das vibrações, escola
da caridade. Ensaiamos,
felizes, o culto dos
grandes sentimentos
humanos... Depois,
quando trazidos, de
retorno, ao trabalho
mais íntimo, na arena
doméstica, que
supúnhamos varrida para
sempre da memória, como
na situação especial de
meu caso, a didática é
outra... É preciso
espremer o sangue do
coração para confirmar o
que ensinamos com a
cabeça... Avalie que me
encontro nesta casa, em
serviço, apenas há vinte
dias e já recebi tantas
punhaladas na alma, que,
não fossem as
necessidades de minha
filha, teria fugido,
incontinenti... Sem
minhas observações
pessoais, não teria
admitido tanta
leviandade em meu
genro... Bilontra,
fanfarrão,
despudorado..." André
tentou cortar o assunto,
comentando a excelência
do esquecimento de todo
mal e argumentando
quanto ao merecimento do
auxílio silencioso,
através da prece. Neves
sorriu, meio
desconsolado, e ajuntou:
"Compreendo que você se
reporta à vantagem do
pensamento positivo na
fixação do bem e creia
que, de minha parte,
farei quanto puder para
não esquecê-lo. Agora,
porém, tolere, por
favor, as minhas
considerações talvez
descabidas..."
"Saiba você –
prosseguiu Neves – que
na quinta noite de minha
permanência aqui,
notando Beatriz em aguda
crise de sofrimento,
diligenciei buscar meu
genro para assisti-la em
pessoa... E sabe onde o
encontrei? Nada de
escritório, segundo a
falsa informação que
deixara em casa.
Indignado, fui
surpreendê-lo numa furna
penumbrosa, em plena
madrugada, junto da
menina que você acaba de
conhecer. Os dois
unidos, qual marido e
mulher. Champanha
correndo e música
lasciva. Entidades
perturbadoras e
perturbadas, jungidas ao
corpo dos bailarinos,
enquanto outras iam e
vinham, a se inclinarem
sobre taças, cujo
conteúdo lábios
entediados não haviam
conseguido sorver
totalmente. Em recanto
multicolorido, onde
algumas jovens exibiam
formas seminuas em
coleios esquisitos,
vampiros articulavam
trejeitos, completando,
em sentido menos digno,
os quadros que o mau
gosto humano pretendia
apresentar, em nome da
arte. Tudo rasteiro,
impróprio,
inconveniente... Fisguei
meu genro e a
colaboradora, nos braços
um do outro, recordei
minha filha doente e
revoltei-me. Súbito
desespero apossou-se de
mim. Oscilou minha razão
escurecida, pois cheguei
a justificar, de
relance, a deplorável
atitude dos companheiros
desencarnados que se
transformam em
vingadores
intransigentes. O
homem velho que eu
fora e o homem
renovado que aspiro
a ser digladiavam em
minhas fibras
recônditas..." (Capítulo
III, pp. 25 e 26)
(Continua no próximo
número.)