CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil) |
|
Esperança
Aconteceu um dia
de eu quase
impedir uma
senhora, bem
senhora mesmo,
de ser
atropelada, na
hora em que
chegava a minha
casa, à noite.
Era uma rua de
movimento, e ela
descia de um
ônibus fora do
ponto, como
costuma
acontecer quando
motoristas
adiantam ao
mesmo tempo o
seu lado e o do
passageiro, em
dias de
engarrafamento
infernal. Só que
o motorista não
soube bem fazer
a coisa: largou
a coitada no
cruzamento, bem
na curva, e, tão
logo desceu a
senhora, tocou o
ônibus à toda!
Bem na hora em
que eu alcançava
a esquina. De
costas, não viu,
a senhora, que o
imenso veículo
lhe tirava uma
fininha, prestes
a derrubá-la,
antes que, a
passos lentos e
cautelosos,
chegasse
finalmente à
calçada.
Não apenas eu
acorri. Outros
correram juntos,
mas cheguei
antes, e a
puxei, decidida,
pra calçada,
antes que o pior
acontecesse.
Vieram os
comentários
embaralhados e
irritados que
sempre provocam
estes
imprevistos. Os
demais
circunstantes
foram embora, e
fiquei eu com a
velhinha, feliz
com o resultado
dos meus
esforços, e
resolvida a
escoltá-la, no
fim das contas,
até o outro lado
da rua, para
onde eu mesma ia
caminhar. Mas,
ainda que não
fosse, teria
mesmo que
acompanhá-la,
tamanho o zelo
que a cena
inusitada me
provocou.
A senhora,
educadíssima,
agradabilíssima,
desfez-se em
agradecimentos,
também
exageradíssimos,
já que qualquer
mortal, qualquer
ser humano, dito
humano, numa
hora daquelas
faria o mesmo...
Mas a pacata e
dócil senhora
queria
agradecer.
Assim, deu-me o
braço e,
enquanto a
conduzia muito
lentamente,
porque muito
lentos eram os
seus passos,
continuou se
desfazendo em
elogios e
agradecimentos.
Desviei-me, sem
graça que já
estava, e fomos
conversando
(logo notei o
tanto que ela
gostava de
conversar). E
ela foi me
contando a sua
vida: primeiro,
o que a levava a
estar ali,
àquelas horas,
sozinha. Falou
do neto,
qualquer coisa
sobre ter que
buscá-lo; falou
dos filhos;
falou de um
monte de
coisas... Mas
logo no início
de tudo, falou o
que mais me
chamou a
atenção: o seu
nome
–
Esperança!
Ora, eu vinha
atravessando uma
fase particular
da minha vida
que
–
dadas as
circunstâncias
que me diziam
respeito, coisas
muito minhas
–
não sei por que
levou-me a
interpretar
aquilo como um
eco, uma
resposta
qualquer da
própria vida
para mim. Já
ouvira falar de
pessoas chamadas
Esperança,
mas nunca antes
encontrara
alguma, em lugar
nenhum, ao vivo
ou por escrito.
Aquela senhora
simpaticíssima
era a primeira.
E ela me dissera
o seu nome
olhando-me de um
modo que, nas
sombras da noite
–
impressão minha,
era bem provável
–,
transmitiu-me
algo sugestivo,
como se me
dizendo: "Chamo-me
Esperança. A sua
Esperança!"...
Foi muito
estranho! Como
dei atenção
àquela velhinha
tão agradável e
misteriosa! E
ela, de sua
parte, me
adorou;
elogiou-me para
muito além
daquilo que era
justo, se é que
era justo!
Tanto, que me
contou
praticamente a
vida toda em
menos de meia
hora, e
arrematou
dando-me o seu
número de
telefone, que
guardei com
especial
carinho,
oferecendo-lhe
também, de meu
lado, o da minha
residência.
Separamo-nos,
votos de
felicidade e de
estima de ambas
as partes. E fui
para casa
mergulhada numa
sensação
estranha a
respeito daquele
encontro que,
mais do que uma
oportunidade de
ter ajudado o
próximo numa
hora crítica,
sugeriu-me outra
coisa
indefinível, um
recado
particular para
mim.
Desde aquele dia
fiquei resolvida
a telefonar para
a Sra.
Esperança, saber
como ia indo a
sua vida... Mas
até agora não o
fiz. Tenho a
sensação de
estar guardando
um tesouro.
Afinal, ajudei,
de certa forma,
a salvar a
Esperança
–
uma bela
esperança!...
Quem sabe se,
talvez, isto não
tenha querido
significar que a
minha melhor e
mais cara
esperança também
não está a
salvo, e bem
guardada para
mim, para que eu
a encontre na
hora certa,
quando menos
esperar?
Fica para vocês
esta mensagem de
Esperança...