ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
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A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 9)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. O dom dos meninos
prodígios persiste na
idade adulta? |
Em alguns casos, sim,
como o de Bidder, em que
o dom persistiu durante
toda a vida, mas
debilitou-se com a
idade. Na maior parte
dos casos, segundo
Myers, ele desaparece
por completo com o
passar dos anos. (A
Personalidade Humana.
Capítulo III – O gênio.)
B. Como alguns
escritores, artistas e
poetas explicam a origem
da obra por eles
produzida?
Condilac disse que
muitas vezes acordou com
uma obra já elaborada em
sua mente e que não
existia na noite
anterior. Ratté, poeta,
contou ao Dr. Chabaneix
que frequentemente
adormecia com uma
estrofe por terminar e
no dia seguinte a
encontrava terminada.
Alfred de Musset
escreveu: “Não se
trabalha, escuta-se, é
como se um desconhecido
falasse ao ouvido”. Remy
de Gourmont: “Meus
conceitos invadem-me a
consciência com a
rapidez de um relâmpago
ou o voo de um pássaro”.
Lamartine disse: “Não
sou eu quem pensa, são
minhas ideias que pensam
por mim”. M. S.
escreveu: “Ao escrever
esses dramas, parecia
assistir como espectador
à sua representação;
olhava o que se passava
em cena com a espera
impaciente do que se
seguiria. E ao mesmo
tempo sentia que tudo
isso vinha do âmago de
meu ser”.
(Obra citada. Capítulo
III – O gênio.)
C. Myers concorda com os
que consideram o gênio
como uma espécie de
doença nervosa?
Não. Por imperfeitas e
incompletas que sejam a
estatística e as
observações que ele cita
nesta obra, Myers diz
que elas parecem
encaminhar-nos para uma
direção mais racional do
que a que nos indicam os
fatos reunidos por esse
grupo de antropólogos
modernos que consideram
o gênio como uma espécie
de doença nervosa, como
uma perturbação do
equilíbrio mental
semelhante à que se
observa entre os loucos
e criminosos. (Obra
citada. Capítulo III – O
gênio.)
Texto para leitura
185. Devemos ainda notar
que quando o dom de
cálculo desaparece logo,
é capaz de não deixar
qualquer vestígio na
memória do sujeito. E
mesmo quando, após ter
persistido durante muito
tempo num espírito capaz
de reflexão, esse dom
acaba por ser (digamos
assim) adotado pela
consciência
supraliminar, é ainda
suscetível de se
manifestar através de
verdadeiros relâmpagos
de inspiração, quando a
resposta se apresenta à
mente sem qualquer
percepção dos estados
intermediários.
186. Sobre o dom de
Gauss e de Ampère
possuímos alguns xistes
encantadores. Após
ter-se manifestado numa
idade em que não
poderia, ainda, ser
questão de esforço
mental supraliminar,
parece ter desaparecido
logo na corrente geral
de seu gênio. No caso de
Bidder, o dom persistiu
durante toda a vida, mas
debilitou-se com a
idade.
187. Num ensaio
publicado no volume XV
dos Proceedings of the
Institute of Civil
Engineers, ele dá aos
calculadores certos
conselhos práticos e
demonstra que as
operações de cálculo
mental só são possíveis
graças a uma singular
facilidade de
comunicação entre as
diversas camadas
mentais. “Sempre –
explicou – que me
convidavam a recorrer às
reservas de meu
espírito, estas pareciam
vir à tona com a rapidez
de um relâmpago”.
188. No volume CIII da
mesma coleção, W. Pole,
ao descrever a forma
pela qual Bidder podia
determinar o logaritmo
de um número, composto
de 7 a 8 algarismos,
descreve: “Possuía uma
capacidade quase
milagrosa de encontrar,
por assim dizer,
intuitivamente, os
fatores cuja
multiplicação dava um
número tão avantajado.
Assim é que, no número
17.861, achava
instantaneamente ser o
resultado da
multiplicação de 337 por
53... Não sabia, segundo
declarava, explicar como
o fazia: era nele um
instinto quase natural”.
189. No que diz respeito
ao Arcebispo Whately,
recorro a Scripture, que
nos informa o seguinte:
“Minha capacidade de
cálculo apresentava
certa particularidade.
Manifestou-se entre os 5
e 6 anos e continuou por
3 anos. Fazia
mentalmente as mais
complicadas somas e com
maior rapidez do que
aqueles que as faziam no
papel. E nunca foi
provado qualquer erro
nas minhas operações. À
idade em que comecei a
ir à escola minha
capacidade de calcular
desaparecera e desde
então fiquei deveras
deficiente em
matemáticas.”
190. O caso do Professor
Safford é ainda mais
notável. Possuidor de
verdadeira aptidão para
a Matemática, atualmente
professor de Astronomia,
é capaz, como qualquer
um, de cálculo mental,
enquanto que aos 10 anos
fazia de memória, e sem
errar nunca,
multiplicações cujo
resultado era composto
de 36 algarismos.
191. Van R..., de Útica
– diz Scripture, de
acordo com informações
de Gall –, apresentava,
aos 6 anos, uma
extraordinária
capacidade de cálculo
mental, que desapareceu
completamente passados 2
anos. Ele não tinha a
menor noção sobre a
maneira pela qual
realizava suas operações
mentais.
192. Entre os prodígios
inteligentes, ou que não
receberam qualquer
instrução, somente Dase
parece ter conservado
sua capacidade durante
toda a vida. Colburn e
Mondeux, e talvez
Prolongeau e Mangiamele,
perderam-na logo que vez
saídos da infância.
193. Ainda que não
tenhamos qualquer dado
sobre a forma pela qual
os prodígios desta
última categoria
executavam suas
operações mentais, temos
razões para supor que a
separação entre a
corrente supraliminar e
a camada subliminar do
pensamento devia ser
perfeita. Buxton
resolvia seus problemas
enquanto falava sobre
assuntos totalmente
estranhos à questão de
que se ocupava. A
focalização e a clareza
da visão interna
parecem, com efeito,
constituir as únicas
condições necessárias ao
funcionamento dessa
capacidade, e o controle
supraliminar nada mais é
que uma condição
totalmente acessória.
194. Em determinados
casos a atividade
subliminar mostra-se
deveras intensa e
engenhosa. Assim,
Mangiamele, filho de
pastor siciliano, que
não recebera qualquer
instrução, aos 10 anos e
4 meses foi apresentado
por Arago à Academia de
Ciências, encontrando em
menos de um minuto a
raiz cúbica do número
3.496.416, e em tempo
equivalente o resultado
de duas equações.
195. No que diz respeito
à constituição física e
ao estado orgânico dos
prodígios citados,
sabemos apenas que
Colburn possuía dedos
supernumerários e que
Mondeux era histérico.
Quanto aos demais,
parecem ter permanecido
imunes a qualquer tara
física ou nervosa.
196. Antes de estudar o
papel que corresponde à
atividade subliminar no
funcionamento de nossos
sentidos altamente
diferenciados da vista e
do ouvido, vejamos até
que ponto as percepções
menos diferenciadas,
aparecidas no transcurso
do tempo pela sensação
do peso ou pela
resistência muscular,
são suscetíveis de
sofrer uma
intensificação da
atividade subliminar. As
sensações desta
categoria constituem os
elementos mais profundos
de nossa existência
orgânica e o sentido do
tempo, em particular,
apresenta-se em muitos
lugares como uma
faculdade eminentemente
subliminar.
197. Possuímos muitos
testemunhos demonstrando
que esse sentido é muito
mais exato durante o
sono do que durante a
vigília nos sujeitos
hipnotizados. As
observações de
sonambulismo espontâneo
estão repletas de fatos
em que as ordens dadas
pelo sujeito a si mesmo
foram executadas, talvez
em virtude da
autossugestão, na hora
precisa, fixada de
antemão, sem auxílio de
relógio. Esse
conhecimento oculto
pode, inclusive, tomar a
forma de uma imagem de
sonho, como no caso
publicado pelo professor
Roger, de Harvard, no
qual um sujeito vira em
sonhos um enorme relógio
brilhante, cujos
ponteiros marcavam as
2:20 e que, ao
despertar, logo a
seguir, constatou que
eram, de fato, 2:20.
198. Passando às
produções subliminares
de tipo visual, apraz-me
poder citar a seguinte
passagem, em que
encontro uma confirmação
de minha teoria, da
lavra de um dos mais
lúcidos pensadores da
geração precedente. Esta
passagem é citada de um
artigo sobre a Visão
Sensorial, publicado por
Sir Herschel no seu
Familiar Lectures on
Scientific Subjects
(1816).
199. Nela, Sir John
descreve algumas
experiências pessoais
que consistiam na
produção involuntária de
impressões visuais cuja
regularidade geométrica
constituía o caráter
principal em
circunstâncias que
tornavam absolutamente
inútil qualquer
explicação tirada da
possível regularidade da
estrutura da retina e
dos nervos ópticos.
200. Duas vezes essas
figuras apareceram no
estado de vigília, em
pleno dia, sem que sua
aparição tenha sido
seguida pela menor
indisposição.
Frequentemente
apresentavam-se na
semiobscuridade, mas
sempre durante a
vigília. Da mesma forma
apresentaram-se duas
vezes também, quando o
paciente estava sob os
efeitos do clorofórmio,
mas – diz ele – tinha a
consciência de estar
acordado e na plena
posse de meu espírito,
ainda que totalmente
insensível ao que se
passava.
201. Qual era a natureza
desses espectros
geométricos, como e em
que parte do organismo
corpóreo ou mental
nasceram? Na certa, não
se tratava de sonhos. O
espírito, longe de
adormecer, estava ativo
e consciente na direção
de seus pensamentos; mas
as figuras em causa
impunham-se à sua
atenção e arrastavam a
corrente das ideias numa
direção que ela não
tomara sozinha.
202. Sir John expõe a
opinião de que essas
figuras complexas, que
invadem o espírito desta
forma arbitrária e
aparente, lançam alguma
luz sobre o princípio
sugestivo que atua de
maneira determinante e
decisiva sobre a nossa
vontade, quando esta
passa à ação. Na minha
maneira pessoal de
encarar, não posso
deixar de admirar a
sagacidade de que dá
mostras o grande
pensador, apesar do
número escasso de
observações de que
dispunha.
203. Não parece ele ter
captado as relações
existentes entre essas
alucinações
esquemáticas, para usar
a expressão do Prof.
Ladd, e as figuras
ilusórias de homens ou
de animais que
enxergamos, quer no gozo
de perfeita saúde, quer
durante a doença. Mas
sua conclusão me parece
irrefutável: “Achamo-nos
na presença de um
pensamento, de uma
inteligência que
funciona em nós, mas é
diferente da nossa
personalidade.”
204. Um jovem médico
francês consignou num
livro os resultados de
uma pesquisa direta, com
diversos de seus
ilustres compatriotas,
sobre os seus métodos de
trabalho mental.
Citarei algumas das
respostas que recebeu,
iniciando pela de
Sully-Prudhomme,
psicólogo e poeta, que
fala da clareza
subconsciente de uma
cadeia de raciocínios
abstratos: “Às vezes
aconteceu-me captar
subitamente uma
demonstração geométrica
que me apresentaram um
ano antes, e isto sem o
menor esforço de
atenção. Dir-se-ia que
os conceitos arraigados
no espírito por minhas
leituras amadureceram
espontaneamente, fazendo
nascer, da mesma forma,
as provas eficazes a seu
favor.”
205. Pode-se antepor a
essa resposta o aforismo
seguinte, de Arago: “Ao
invés de insistir na
compreensão imediata de
uma proposição, admito,
provisoriamente, que é
verdadeira; no dia
seguinte espanto-me ao
compreender
perfeitamente o que no
dia anterior me parecera
obscuro.”
206. Condilac conta
também que muitas vezes
acordou com uma obra já
elaborada em sua mente e
que não existia na noite
anterior. Ratté, poeta,
conta por sua vez ao Dr.
Chabaneix que
frequentemente adormecia
com uma estrofe por
terminar e no dia
seguinte a encontrava
terminada. E Vincent d’Indy,
compositor, diz que com
frequência percebia,
durante a vigília, o
brilho efêmero de um
efeito musical que, como
a lembrança de um sonho,
só pode ser retido
através de absoluta e
imediata concentração do
espírito.
207. Alfred de Musset
escreveu: “Não se
trabalha, escuta-se, é
como se um desconhecido
falasse ao ouvido.” Remy
de Gourmont: “Meus
conceitos invadem-me a
consciência com a
rapidez de um relâmpago
ou o voo de um pássaro.”
Lamartine diz: “Não sou
eu quem pensa, são
minhas ideias que pensam
por mim.” M. S. escreve:
“Ao escrever esses
dramas, parecia assistir
como espectador à sua
representação; olhava o
que se passava em cena
com a espera impaciente
do que se seguiria. E ao
mesmo tempo sentia que
tudo isso vinha do âmago
de meu ser.” Saint-Saëns
só tinha de escutar,
como Sócrates escutava o
seu demônio. E Ribot,
resumindo determinado
número de casos
semelhantes, diz: “O
inconsciente é o
produtor do que
vulgarmente se chama
inspiração. Esse estado
é um fato positivo que
apresenta caracteres
físicos e psíquicos
próprios. Antes de tudo,
é pessoal e
involuntário, age como
um instinto, quando e
como quer. Pode ser
solicitado, mas não
suporta pressões. Nem a
reflexão, nem a vontade
podem substituí-lo na
criação original... Os
hábitos estranhos que os
artistas adquirem, no
momento em que compõem a
sós, tendem a criar um
estado psicológico
especial, a aumentar a
circulação do cérebro de
forma a provocar ou
manter a atividade
inconsciente.”
208. Desconhecemos as
modificações que se
produzem na circulação
do cérebro. Mas diversas
conclusões de ordem
psicológica parecem
advir dos fatos que
acabamos de citar. Em
primeiro lugar deve-se
notar que uma submersão
pouco profunda e de
curta duração, sob o
limiar da consciência, é
suficiente para
transmitir novo vigor à
corrente supraliminar do
pensamento. As ideias
que amadurecem, sem que
nos ocupemos delas,
durante alguns dias ou
durante uma noite, não
descem demasiadamente
sob a consciência.
Representam, por assim
dizer, a primeira fase
do processo que, se bem
com frequência
invisível, não é por
isso contínuo, isto é, a
manutenção da vida
supraliminar se faz por
meio de impulsos que vêm
de baixo. Em segundo
lugar, temos em alguns
desses casos de
abstração profunda e
fértil um início de
desdobramento da
personalidade.
209. John Stuart Mill,
que compunha capítulos
inteiros da sua Lógica,
enquanto empurravam-no
nas filas de Leadenhall
Street, faz pensar em
determinados casos
mórbidos de distração
histérica, com a
diferença de que no caso
dele o processo era de
integração ao invés de
dissolução, resumindo-se
não por uma diminuição,
mas por um aumento de
poder de seu organismo.
210. Vemos finalmente,
em alguns casos dos
quais nos ocupamos, que
o homem de gênio chega
espontaneamente a
resultados semelhantes
aos que o sujeito
hipnotizado só chega
através de artifícios
apropriados. E isso
porque o gênio coordena,
com efeito, na sua
existência, os estados
de vigília e sono. Traz
ao sono seus
conhecimentos e
intenções das horas de
vigília e reintroduz no
estado de vigília o
benefício dessas
assimilações profundas
que se realizam durante
o sono. A sugestão
hipnótica mostra
precisamente essa
cooperação entre o
estado de vigília,
durante o qual a
sugestão proporciona,
por exemplo, o projeto
de alguma modificação
funcional, e o sono,
durante o qual se produz
a transformação cujo
benefício se estende
durante o estado
subsequente de vigília.
O estado hipnótico, que
é um sono desenvolvido,
realiza para o homem
comum o que o sono
realiza para o homem de
gênio.
211. Por imperfeitas e
incompletas que sejam a
estatística e as
observações que acabamos
de citar, parecem
encaminhar-nos para uma
direção mais racional do
que a que nos indicam os
fatos reunidos por esse
grupo de antropólogos
modernos que consideram
o gênio como uma espécie
de doença nervosa, como
uma perturbação do
equilíbrio mental
semelhante à que se
observa entre os loucos
e criminosos.
(Continua no próximo
número.)