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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 285 - 4 de Novembro de 2012
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 


A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 10)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. É correto dizer que a raça humana tende à degeneração nervosa?

Não. Não é correto afirmar que a raça humana tende à degeneração nervosa, nem que essa degeneração alcance o auge entre seus representantes mais eminentes. Pode-se, sim, dizer que a proporção de perturbações nervosas tende a aumentar em relação a outras, mas esse aumento, longe de constituir o sintoma de uma degeneração nervosa, é antes devido a que as modificações nervosas e o desenvolvimento nervoso se realizam atualmente entre os povos civilizados com maior rapidez do que anteriormente. (A Personalidade Humana. Capítulo III – O gênio.)

B. É racional supor que existem ao redor de nós energias de que não suspeitamos? 

Sim. As faculdades de sensação e percepção desenvolveram-se gradualmente nos organismos vivos. Para dar um único exemplo: a energia elétrica existiu sempre, mesmo antes que os homens disso suspeitassem. Por que não supor que existem ao redor de nós outros meios, outras energias das quais não suspeitamos e que a qualquer dia chegaremos a descobrir? E o que nos impede de admitir que as ações telepáticas ou as influências que os Espíritos exercem a distância, sobre outros Espíritos, formem parte dessas energias a serem descobertas, mas sem dúvida existentes e sempre ativas? (Obra citada. Capítulo III – O gênio.) 

C. Como Myers vê a explicação exclusivamente materialista da evolução? 

Ele diz que é absurda tal tese e afirma mesmo que é ela impossível. Ninguém explica a evolução sem a tácita suposição de que, de alguma maneira, a Natureza tende a criar a inteligência; que o coelho e o micróbio da gripe não constituem seus resultados últimos. Mas sobre a qualidade e a quantidade de inteligência que pode criar, devemos dizer que não se trata do homem sensual mediano, mas dos melhores exemplares de nossa raça. A estes é que devemos perguntar qual é o fim da sua vida: se o seu trabalho tende apenas a proporcionar-lhes o tormento cotidiano ou se é o produto do amor e da sabedoria. (Obra citada. Capítulo III – O gênio.) 

Texto para leitura 

212. Não é correto que a raça humana tenda, de modo geral, à degeneração nervosa, nem que essa degeneração alcance o auge entre seus representantes mais eminentes. Sem dúvida, pode-se reconhecer, com alguma aparência de razão, que a proporção de perturbações nervosas tende a aumentar em relação a outras, mas esse aumento, longe de constituir o sintoma de uma degeneração nervosa, é antes devido a que as modificações nervosas e o desenvolvimento nervoso se realizam atualmente entre os povos civilizados com maior rapidez do que anteriormente. Assistimos, com efeito, a uma adaptação a meios cada vez mais amplos e essa adaptação deve inevitavelmente ser acompanhada, nos casos mais marcantes, de determinado estado de instabilidade nervosa.

213. Até certo ponto essas modificações podem parecer lamentáveis, mas não se deve esquecer que o aumento e o agravamento das perturbações nervosas é apenas relativo, já que outras causas de doenças, como a fome e a sujeira, tendem a diminuir entre os povos civilizados. É provável que os selvagens e os povos primitivos sofram de instabilidade nervosa com igual frequência, mas não têm inteligência suficiente para se dar conta e preocupar-se com isso. Quanto à minha outra proposição, segundo a qual a evolução nervosa se cumpriria em nossa época com maior rapidez do que anteriormente, vejo a prova disso em todos os atos que exigem uma rápida e precisa adaptação do sistema nervoso. Os recordes atléticos de nossos dias são mais devidos aos nervos do que aos músculos. E o nível de adaptação moderna, para qualquer tipo de trabalhos intelectuais ou manuais, sobe tão rapidamente quanto o grau de perfeição da maquinaria destinada a substituir nossas forças físicas.

214. Repito: o desenvolvimento acelerado de nossa capacidade nervosa não pode deixar de dar lugar a um determinado grau de instabilidade nervosa. Mas não podemos esquecer que essa instabilidade nada mais é que uma forma, que uma expressão particular da evolução e que todas as manias, todos os tiques, gostos fantásticos, sensibilidade exagerada e aberrante, que Lombroso notou em grande número de indivíduos célebres, nada mais são do que perturbações passageiras que acompanham o desenvolvimento do organismo humano até a sua plenitude, ou que precederam os derradeiros esforços destinados a apresentar ao mundo um organismo renovado. É esse o meu ponto de vista.

215. Para torná-lo aceitável, deveria poder mostrar que se depreende logicamente de considerações mais distantes e meramente especulativas referentes à natureza e ao valor de toda a existência e toda a evolução humanas. Possuímos já diversas sínteses desse gênero, entre as quais a síntese materialista aparece como a mais superficial. No nosso profundo desconhecimento das fontes e origens da vida não temos o direito de considerá-la, como os materialistas, um produto planetário destinado a fins igualmente planetários. O biólogo que afirmasse que a vida terrestre só serve para produzir nova vida terrestre assemelhar-se-ia ao geólogo que, antes do surgimento da vida, tivesse afirmado que as forças geológicas constituíam a única fonte de atividade de nosso planeta.

216. Desde que surgiu o primeiro gérmen de vida sobre a terra, sua história foi não só a de uma adaptação progressiva a um meio conhecido, mas também a de uma descoberta progressiva de um meio desconhecido, ainda que sempre presente. O que chamamos de irritabilidade primitiva simples era, na realidade, uma vaga panestesia (1), uma faculdade virtual, mas ainda inconsciente de todos os atos aos quais tinha de responder.

217. Com o desenvolvimento dessas faculdades de sensação e de reação revelaram-se gradualmente aos organismos vivos meios até então desconhecidos. Para dar um único exemplo: por acaso a energia elétrica não existiu sempre e não manifestou sempre a sua atividade, mesmo antes que os organismos vivos descobrissem que possuíam a aptidão de reagir a essas atividades? Por que não supor que existem ao redor de nós outros meios, outras energias das quais não suspeitamos e que a qualquer dia chegaremos a descobrir, mas que sem dúvida atuam sobre nós e sobre os outros seres vivos, provocando igualmente reações de nossa parte, das quais não nos damos conta porque não atravessaram ainda o limiar do eu supraliminar? E o que nos impede de admitir que as ações telepáticas ou as influências que os Espíritos exercem a distância, sobre outros Espíritos, formem parte dessas energias a serem descobertas, mas sem dúvida existentes e sempre ativas? e de admitir que vivemos num meio inconcebível e sem limites, mundo de pensamento ou universo espiritual carregado de vida infinita, que penetra e ultrapassa a todos os Espíritos humanos e ao qual uns chamam Alma do mundo e outros Deus?

218. No momento não me ocuparei dessas faculdades paranormais. O que pretendo demonstrar é que o gênio, longe de poder ser colocado na mesma categoria da loucura e considerado como uma aberração do Espírito humano ou como um sinal de degenerescência, constitui antes uma das fases mais avançadas da evolução humana; e que as produções do gênio, a meu ver a filosofia, as artes plásticas, a poesia, as matemáticas puras, que tantos consideram como resultados acessórios, sem qualquer utilidade para a existência material, são outras intuições de verdades novas e de novas forças, inacessíveis ao homem médio que, ao invés da inspiração, só possui esse consenso de capacidades diferenciadas que a natureza elevou sobre o limiar da consciência, tendo em vista os fins da vida cotidiana.

219. A explicação meramente materialista da evolução é impossível. E é absurda quando supõe como seu objetivo a sobrevivência dos animais mais aptos a vencer os inimigos. Ninguém explica a evolução sem a tácita suposição de que, de alguma maneira, a Natureza tende a criar a inteligência; que o coelho e o micróbio da gripe não constituem seus resultados últimos. Mas sobre a qualidade e a quantidade de inteligência que pode criar, devemos dizer que não se trata do homem sensual mediano, mas dos melhores exemplares de nossa raça. A estes é que devemos perguntar qual é o fim da sua vida: se o seu trabalho tende apenas a proporcionar-lhes o tormento cotidiano ou se é o produto do amor e da sabedoria.

220. A inspiração genial e o pensamento lógico-consciente formam duas quantidades talvez incomensuráveis. Da mesma forma que o jovem calculador resolve problemas com o auxílio de métodos que diferem dos usados pelos matemáticos, nas produções artísticas esse algo estranho, que comporta “toda a beleza deslumbrante”, pode ser a expressão de uma diferença real entre o mundo da percepção subliminar e o da atividade supraliminar. Parece-me que esta diferença é particularmente sensível no que diz respeito às relações do eu subliminar com a função da linguagem. Ao tratar a linguagem como um ramo da arte ou da poesia, o eu subliminar ultrapassa com frequência o esforço consciente, e algumas vezes permanece nesse esforço, quando se vê obrigado a usar as palavras como uma forma necessária para exprimir ideias para as quais a linguagem comum não foi criada.

221. Desse modo, na presença de uma das obras-primas verbais da Humanidade, o Agamenon de Ésquilo, por exemplo, temos a vaga impressão de que uma inteligência diversa da razão supraliminar ou da seleção consciente contribuiu para a elaboração desta tragédia. O resultado, mais do que a perfeição de uma escolha racional entre dados conhecidos, assemelha-se a uma apresentação imperfeita de algum esquema baseado em percepções por nós desconhecidas. Mas, por outro lado, ainda que o gênio possa servir-se das palavras de uma forma que lembre um pouco a nostalgia misteriosa da música, parece-me que a nossa educação subliminar está menos ligada à faculdade da linguagem do que a supraliminar.

222. Existe na linguagem corrente uma frase cujo alcance psicológico é maior do que se pensa. Daquilo que chamamos gênio e de tudo que com o gênio relacionamos, arte, amor, emoção religiosa, dizemos que vai além do alcance da linguagem. Ainda que a linguagem falada e escrita se tenha convertido em nosso principal meio de expressão e de comunicação de nossos sentimentos e emoções, não temos qualquer razão para admitir a priori que possa expressar todos os nossos pensamentos e emoções.

223. Afirmou-se que “toda linguagem principia como poesia e termina como álgebra”. O que resta por dizer é que se inicia como uma emergência subliminar para terminar como artifício supraliminar. Os instintos orgânicos determinam a emissão dos primeiros sons, as leis inconscientes do Espírito proporcionam o primeiro esboço da gramática. Mas em nossos dias, a singeleza da linguagem começa a desaparecer. As necessidades da Ciência e do comércio tornaram-se dominantes, a primeira por ter criado deliberadamente, para seu uso, um sistema de signos, uma disposição de letras e de números ou vocabulários técnicos, construídos sobre um plano, decidido de antemão, o segundo esforçando-se por conseguir o mesmo caráter algébrico com a contabilidade, os códigos telegráficos etc.

224. É certo que os progressos da linguagem não dependem unicamente do que se faz nos bancos ou nos laboratórios. Antigamente favorecia-se a espiritualização da linguagem humana, de modo a tornar o nosso vocabulário, ainda que baseado em objetos ou sensações diretas, adequado à expressão das ideias filosóficas. Mas, apesar desses esforços, nossas manipulações supraliminares deixam-nos um instrumento cada vez menos capacitado a exprimir a crescente complexidade de nosso ser psíquico.

225. Recorrendo ao simbolismo, no sentido mais amplo da palavra, tal como se expressa na arte, o homem de gênio consegue suprir a insuficiência da linguagem. Falo do simbolismo no sentido de um acordo preexistente, mas oculto, entre as coisas visíveis e invisíveis, entre a matéria e o pensamento, este e a emoção, através do qual as artes plásticas, a música e a poesia, cada qual a seu modo e no domínio que lhes é próprio, fazem suas descobertas e as põem em evidência, para a felicidade e a educação humanas.

226. Ao me valer da palavra simbolismo, estou longe, repito, de aderir às fórmulas de qualquer escola. O simbolismo de que falo nada tem em comum com o misticismo. Acredito não poder existir aí um abismo real nem uma divisão marcante entre as escolas realistas e idealistas. Tudo o que existe é contínuo e a arte não pode simbolizar um determinado aspecto, sem, ao mesmo temo, simbolizar, de uma forma implícita, outros aspectos menos visíveis e aparentes.

227. A arte expressa o simbolismo em todos os graus de transparência e obscuridade, desde o simbolismo que nada mais faz do que resumir a linguagem, até o simbolismo que a ultrapassa. Algumas vezes, e este é o caso da música, é inútil buscar uma interpretação demasiado exata. A música flui e fluirá sempre através do seu mundo ideal e imaginário. Sua melodia pode ser de um forte simbolismo, mas do qual os homens perderam a chave. A poesia, ao contrário, vale-se das palavras, cujo sentido aspira a superar. Se pretende continuar sendo poesia, deve, segundo a expressão de Tennyson, “exprimir através das palavras um encanto que as palavras não podem proporcionar”.

228. Considerada, quer sob o ponto de vista de seu desenvolvimento na raça, quer na sua manifestação entre os indivíduos, a música surge não como um produto de nossas necessidades terrestres e de seleção natural, mas como uma aptidão subliminar, que se manifesta de forma acidental, independente das influências externas e do eu supraliminar.

229. Sabemos até que ponto é difícil explicar as suas origens, de acordo com qualquer das teorias concernentes à evolução das capacidades humanas. Sabemos que a música é algo que se descobre, antes de ser um resultado fabricado, e as sensações subjetivas dos próprios músicos estão de perfeito acordo com essa concepção da natureza, essencialmente subliminar, da referida aptidão. Não existe outro ramo onde o gênio ou a inspiração constituam uma condição tão essencial do êxito. As obras-primas musicais não nasceram da reflexão sobre as relações recíprocas das notas da música. Nasceram, como no caso de Mozart, de uma inesperada explosão de sons, de uma alegria imprevista que se revelou espontaneamente. Nasceram, como no caso do Abade Vogler, de Browning, das profundezas da alma e das alturas do céu. Transportando essas frases poéticas aos termos de que nos servimos, podemos dizer que chegamos a um ponto em que os afloramentos subliminares são reconhecidos pela personalidade supraliminar como mais profundos, mais verdadeiros, mais permanentes do que os resultados do pensamentos voluntário. (Continua no próximo número.) 


 
(1) Panestesia significa hipersensibilidade exagerada.


 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita