Quinze
minutos
Hilário Silva
I
Aristeu Leite
era antigo
lidador da
Doutrina
Espírita.
Assíduo cliente
das sessões.
Dono de belas
palestras.
Edificava
maravilhosamente
os ouvintes. Bom
leitor.
Correspondente
de instituições
distintas.
Mantinha com
veemência o
culto do
Evangelho no
lar.
Extremamente
caridoso.
Visitava, cada
fim de semana,
vários núcleos
beneficentes.
II
Naquela
sexta-feira foi
para casa,
exultante.
Vivera um dia
pleno de
trabalho,
coroado à noite
pela oração ao
pé dos amigos.
Entrou.
Serviu-se de
pequena porção
de leite e, logo
após, dirigiu-se
ao quarto de
dormir, onde a
esposa e as
filhinhas
repousavam.
Preparou-se para
o sono. Sentia,
porém,
necessidade de
meditação e
voltou à sala
adjacente.
Abriu pequeno
volume e releu
este trecho: “O
cristão é
testado, a cada
instante, em sua
fé, pelos
acontecimentos
naturais do
caminho. Por
isso mesmo, a
oração e a
vigilância,
recomendadas
pelo Divino
Mestre,
constituem
elementos
indispensáveis
para que
estejamos
serenos e
valorosos nas
menores ações da
vida. Em razão
disso, confie na
Providência
Maior, busque a
benignidade e
seja otimista. A
caridade, acima
de tudo, é
infatigável amor
para todos os
infelizes. Por
ela
encontraremos a
porta de nossa
renovação
espiritual.
Acalme-se, pois,
sejam quais
forem as
circunstâncias e
ajude a todos os
seres da
Criação, na
certeza de que
estará ajudando
a si mesmo.”
Aristeu fechou o
livro,
confortado, e
refletiu. –
“Estou
satisfeito. Vivi
bem o meu dia.
Continuarei
imperturbável.
Auxiliarei a
todos. Estou
firme. Louvado
seja Deus.”
Sem dúvida,
sentia-se mais
senhor de si.
Realizava-se. E,
em voo mais alto
de
superestimação
do próprio
valor,
acreditou-se em
elevado grau de
ascensão íntima.
Nesse estado
dalma, proferiu
breve oração e
consultou o
despertador. Uma
e quinze da
madrugada.
Apagou a luz e
recolheu-se.
III
Penetrava de
leve os domínios
do sono, quando
acordou
sobreexcitado.
Alguém
pressionava de
manso a porta. A
esposa despertou
trêmula.
Aterrada, não
conseguia sequer
falar. Aristeu,
descontrolado,
pôde apenas
balbuciar:
– Psiu, psiu...
Ladrão em casa.
Lembrou-se, num
átimo, de antigo
revólver
carregado, em
gaveta de seu
exclusivo
conhecimento.
Deslizou, à
feição de gato.
E porque o rumor
aumentasse,
disparou dois
tiros contra o
suposto intruso.
Dispunha-se a
continuar,
quando voz
carinhosa
exclamou
assustadiça :
– Meu filho! Meu
filho! Sou eu,
seu pai! Sou eu!
Sou eu!...
Desfez-se o
tremendo engano.
O genitor do
chefe da casa
viera de
residência
contígua.
Possuindo as
chaves
domésticas, não
vacilara,
aflito, em vir
rogar ao filho
socorro médico
para a esposa
acamada, com
febre alta.
Algazarra.
Vizinhos em
cena. Meninas em
choro de grande
grito.
Aristeu,
envergonhado,
abraçava o pai,
saído incólume,
e explicava aos
circunstantes o
acontecido.
Enquanto
revirava pequena
farmácia
familiar,
procurando um
calmante, deu
uma olhadela no
relógio. Uma e
meia da manhã.
Entre os votos
solenes e a ação
intempestiva que
praticara, havia
somente o espaço
de quinze
minutos...
Do cap. 6 da
segunda parte do
livro Almas
em Desfile,
de Hilário
Silva, obra
psicografada
pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco
Cândido Xavier.