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As Lendas e os
Espíritos
(Rememorando o
artigo "Os
Gobelins -
Lendas",
publicado na
Revista
Espírita, de
Allan Kardec,
edição de
janeiro de
1858.)
A cultura é um
atributo do
homem e se
constitui a
partir das
relações e das
experiências com
o mundo que o
cerca, como os
grupos sociais,
a tradição, os
costumes, o meio
ambiente, a
religião etc.
Dessa mistura
nasce o folclore
com suas lendas
e crendices.
Folclore, cuja
acepção é
"ciência ou
sabedoria do
povo", é um
vocábulo cunhado
pelo arqueólogo
inglês Williams
John Thoms em
1846. O estudo
do nosso
folclore começou
com Amadeu
Amaral
(1875-1929),
poeta e
pesquisador, e
prosseguiu
depois por
outros
estudiosos do
assunto, entre
os quais
destacamos
Sílvio Romero,
Nina Rodrigues,
Figueiredo
Pimentel e
Câmara Cascudo.
Vasto é o
vocabulário
folclórico em
todo o mundo e
não nos cabe
aqui citá-los
por não ser o
objetivo central
deste artigo.
As lendas e
mitos que estão
intrinsecamente
ligadas ao
folclore são
tudo aquilo que
está vinculado
ao maravilhoso e
ao fantástico.
Podem ser
contadas ou
inventadas por
qualquer pessoa.
Existem entre
todos os povos
desde o
aparecimento do
homem na Terra.
Escritos, ou
oralmente,
narram feitos
heroicos, contam
histórias de
seres estranhos,
medonhos,
irreais, pois
não existem
limites para a
imaginação.
Riquíssimo é o
acervo
brasileiro nesse
campo em todas
as suas regiões
geográficas.
Citemos alguns
deles, a seguir,
mas sem descer
aos detalhes de
suas
representações
para não
comprometer o
espaço deste
escrito e nem
cansar aqueles
que se derem ao
trabalho de
lê-lo: boitatá,
boto, curupira,
lobisomem,
mãe-d'água,
corpo-seco,
pisadeira,
mula-sem-cabeça,
mãe-de-ouro,
saci-pererê etc.
No interior do
Estado do Ceará,
denominamos
"visagem" a toda
aparição
intangível, em
substituição a
"alma do outro
mundo", ou a
qualquer fato de
natureza
inexplicável do
ponto de vista
material. E o
que dizer das
estórias de
caçadores que se
dizem
importunados por
seres invisíveis
quando, de algum
modo, praticam
ações que
agridem a fauna
ou a flora? Há,
por parte deles,
relatos de
açoites, de
perseguições, de
gritos ou
assovios,
praticados por
entidades que
não são vistas.
Mas desviemos o
foco desta
composição,
saindo do campo
das superstições
e crenças
populares para
adentrar no
universo real do
Espiritismo.
O Codificador da
Doutrina
Espírita, o
francês
Hippolyte Léon
Denizard Rivail
(Allan Kardec),
no seu artigo
"Os Gobelins -
Lendas",
publicado na
Revista
Espírita, de
janeiro de 1858,
aborda o tema
sobre as lendas
pela ótica
espiritista.
Inicia ele
aquele escrito,
assim se
exprimindo: "A
intervenção de
seres
incorpóreos nas
minúcias da vida
privada faz
parte das
crenças
populares de
todos os tempos.
Não pode, sem
dúvida, caber no
pensamento de
uma pessoa
sensata tomar ao
pé da letra
todas as lendas,
todas as
histórias
diabólicas e
todos os contos
ridículos, que
se gosta de
contar ao lado
do fogo". Quer
ele aqui, na sua
costumeira
sensatez,
orientar-nos
para que
interpretemos as
aparições
contadas nas
lendas
despojados da
ilusão do
maravilhoso e do
fantástico,
considerando-os
fatos normais da
Natureza.
Continua Kardec
a sua expressão:
"Entretanto, os
fenômenos, dos
quais somos
testemunhas,
provam que esses
próprios contos
repousam sobre
alguma coisa,
porque o que se
passa em nossos
dias, pôde e
deveu se passar
em outras
épocas. Que se
aparte, desses
contos, o
maravilhoso e o
fantástico dos
quais a
superstição os
vestiu
ridiculamente, e
se encontrarão
todos os
caracteres,
fatos e gestos
dos nossos
Espíritos
modernos; uns
bons,
benevolentes,
prestativos em
servir, como os
bons Brownies,
outros mais ou
menos traquinas,
espertos,
caprichosos e
mesmo maus, como
os Gobelins da
Normandia, que
se encontra sob
os nomes de
Bogles na
Escócia, de
Bogharts na
Inglaterra, de
Cluricaunes na
Irlanda, de
Puckas na
Alemanha.
Segundo a
tradição
popular, esses
duendes se
introduzem nas
casas, onde
procuram todas
as ocasiões de
brincar
maldosamente:
eles batem nas
portas, deslocam
os móveis, dão
golpes sobre os
barris, batem no
teto e no
assoalho,
assoviam
baixinho,
produzem
suspiros
lamentosos,
tiram as
cobertas e as
cortinas dos que
estão deitados
etc.". Refere
Kardec que, na
Inglaterra, os
Bogharts exercem
suas ações
maliciosas,
particularmente
sobre as
crianças,
parecendo a elas
terem grande
aversão,
porquanto
"arrancam,
frequentemente,
sua fatia de pão
com manteiga e
sua tigela de
leite, agitam,
durante a noite,
as cortinas de
seu leito; sobem
e descem as
escadas com
grande ruído,
jogam sobre o
assoalho as
baixelas e os
pratos, e causam
muitos outros
estragos nas
casas". Já em
algumas
localidades da
França, os
Gobelins são
considerados
"fantasmas
domésticos" e
são tratados de
maneira especial
no que diz
respeito à
alimentação,
pois a eles são
reservados as
iguarias mais
delicadas, pelo
simples motivo
de trazerem para
os donos das
casas com os
quais convivem,
o trigo que
furtam de outros
proprietários.
Tal superstição
provém da Gália
antiga e dos
borussianos do
século X, que
foram os
prussianos do
século XIX,
cujos "gênios
domésticos" eram
chamados de
Koltkys.
Identifica-se,
claramente,
nessas passagens
citadas por
Kardec,
Espíritos de
Terceira Ordem
ou Espíritos
Imperfeitos nos
quais há muito
mais de
leviandade, de
irreflexão e de
malícia do que
propriamente
maldade,
conforme nos
ensina ele no
Capítulo I – Do
Mundo Espírita
ou Mundo dos
Espíritos –
Escala Espírita
– de "O Livro
dos Espíritos".
Já no Capítulo
IX, ibidem, – Da
Intervenção dos
Espíritos no
Mundo Corporal –
Ação dos
Espíritos nos
Fenômenos da
Natureza –,
Kardec indaga na
questão 536-b:
"Concebemos
perfeitamente
que a vontade de
Deus seja a
causa primária,
nisto como em
tudo; porém,
sabendo que os
Espíritos
exercem ação
sobre a matéria
e que são os
agentes da
vontade de Deus,
perguntamos se
alguns dentre
eles não
exercerão certa
influência sobre
os elementos
para os agitar,
acalmar ou
dirigir?". Ao
que respondem os
Espíritos: "Mas,
evidentemente.
Nem poderia ser
de outro modo.
Deus não exerce
ação direta
sobre a matéria.
Ele encontra
agentes
dedicados em
todos os graus
da escala dos
mundos".
Finalizando,
recordamos
novamente o
Codificador ao
iniciar os "Prolegômenos"
do seu antes
citado "O Livro
dos Espíritos":
"Fenômenos
alheios às leis
da ciência
humana se dão
por toda parte,
revelando na
causa que os
produz a ação de
uma vontade
livre e
inteligente".
Bibliografia:
"Revista
Espírita",
janeiro de 1858,
de Allan Kardec.
"O Livro dos
Espíritos", de
Allan Kardec.