ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
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A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 14)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Qual a relação
existente entre o sono e
as recordações
dissociadas, paralelas
ou concêntricas?
A resposta dada pela
experiência a essa
pergunta é
espantosamente clara e
direta. Em cada uma das
observações publicadas,
houve um certo grau de
unificação entre os
estados alternativos, de
forma que fosse possível
a comparação: a memória
mais distanciada da vida
de vigília é a que
possui alcance mais
vasto e cujo poder sobre
as impressões
armazenadas no organismo
é mais profundo. Por
mais inexplicável que
pareça esse fenômeno,
aos observadores que com
ele se depararam, sem
possuir a chave do
enigma, as observações
independentes de
centenas de médicos e
hipnotizadores são
testemunhos de sua
realidade. (A
Personalidade Humana.
Capítulo IV – O sono.)
B. É correto dizer que o
grau de inteligência que
se manifesta no sono
varia de acordo com as
pessoas e com as
épocas?
Sim. Mas sempre que esse
grau é suficiente para
autorizar um juízo,
achamos que existe
durante o sono hipnótico
uma memória considerável
que não é,
necessariamente, uma
memória completa ou
raciocinada, como a da
vigília, enquanto que,
na maioria dos
indivíduos despertos, a
não ser que se lhes dê
uma ordem especial,
dirigida ao eu
hipnótico, não existe
qualquer lembrança
relacionada ao estado
hipnótico.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
C. Os atos realizados
durante o sono hipnótico
podem ser recordados no
sonho, com a mesma
ilusão com que o
hipnotizador os
circundou?
Sim. Isso foi
verificado. Eis um
exemplo: um sujeito
hipnotizado, ao qual
Auguste Voisin ordenou
apunhalar um doente – um
manequim – deitado na
cama ao lado, obedeceu
sem lembrar-se de nada
após despertar. Três
dias depois voltou ao
Hospital, queixando-se
de que sofria a obsessão
de um rosto de mulher
que o acusava de tê-la
assassinado a
punhaladas. Foi
necessário outra
sugestão para livrá-lo
daquele fantasma de
papelão.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
Texto para leitura
310. Do ponto de vista
da memória, como das
sensações, parece que na
vida de vigília fazemos
uma seleção, tendo em
vista os fins de nossa
existência terrenal. Na
confusa memória
pré-consciente, que
depende da organização
mesma da matéria viva, a
consciência, tal como
surgiu nos organismos
superiores, tem por
missão fazer uma seleção
apropriada e tornar
claras certas séries de
recordações úteis. A
pergunta na qual se
condensa o senso da
conservação individual:
“O que devo saber para
fugir a meus inimigos?”
supõe a pergunta: “O que
devo recordar para agir
sobre os fatos que
conheço?”. As correntes
de lembranças seguem às
correntes de sensações:
se sou incapaz, por
falta de exercício, de
notar a tempo um fato
qualquer, sou igualmente
incapaz de recordá-lo
mais tarde.
311. Basta, talvez, esta
regra, se considerarmos
somente organismos
simples. Mas o homem tem
necessidade de uma
fórmula mais complexa,
porque pode acontecer,
como já vimos, que o
homem tenha duas
personalidades, cada uma
das quais toma posse,
arrebatando-as à massa
comum de recordações
latentes, de um grupo
especial de lembranças
para seu uso exclusivo.
Esses grupos especiais
podem, por outro lado,
apresentar entre eles as
mais diversas relações,
quer uns abranjam os
outros, quer excluam-se
mutuamente e só surjam
com alternativas.
312. Essas dissociações
e alternâncias das
recordações estão
repletas de
ensinamentos. As que se
apresentam aqui não são
as menos importantes.
Qual a relação existente
entre o sono e essas
lembranças dissociadas,
paralelas ou
concêntricas? Quando uma
lembrança supõe outra, é
a lembrança consciente,
por causa de sua
clareza, maior na
aparência, mais profunda
e potente. O contrário
não é exato?
313. A resposta dada
pela experiência a essas
perguntas é
espantosamente clara e
direta. Em cada uma das
observações publicadas,
se me recordo bem, houve
um certo grau de
unificação entre os
estados alternativos, de
forma que fosse possível
a comparação: a memória
mais distanciada da vida
de vigília é a que
possui alcance mais
vasto e cujo poder sobre
as impressões
armazenadas no organismo
é mais profundo. Por
mais inexplicável que
pareça esse fenômeno,
aos observadores que com
ele se depararam, sem
possuir a chave do
enigma, as observações
independentes de
centenas de médicos e
hipnotizadores são
testemunhos de sua
realidade.
314. O exemplo mais
comum é o que
proporciona o sono
hipnótico comum. O grau
de inteligência que se
manifesta no sono varia
de acordo com os
sujeitos e com as
épocas. Mas sempre que
esse grau é suficiente
para autorizar um juízo,
achamos que existe
durante o sono hipnótico
uma memória
considerável, que não é,
necessariamente, uma
memória completa ou
raciocinada, como a da
vigília, enquanto que,
na maioria dos
indivíduos despertos, a
não ser que se lhes dê
uma ordem especial,
dirigida ao eu
hipnótico, não existe
qualquer lembrança
relacionada ao estado
hipnótico. Em muitos
casos de histeria,
encontra-se a mesma
regra geral, isto é, que
quanto mais nos
afastamos da superfície,
é mais vasta a expansão
da memória.
315. Se tudo isso é
verdade, temos, então,
diversos pontos que
merecem atento estudo. O
sono comum pode ser
considerado como
ocupando uma posição
intermediária entre a
vida de vigília e o sono
hipnótico profundo; e
parece provável, a
priori, que a memória
pertencente ao sono
comum está ligada, por
um lado, à que pertence
à vida de vigília e, por
outro, à que existe no
sono hipnótico. E isto
assim é, na realidade,
pois os fragmentos da
memória do sono comum
estão intercalados entre
as duas correntes. Por
exemplo, sem qualquer
sugestão especial
antecipada, os atos
realizados durante o
sono hipnótico são
suscetíveis de ser
recordados no sonho, com
a mesma ilusão que o
hipnotizador os
circundou.
316. Exemplificando: o
sujeito hipnotizado, ao
qual Auguste Voisin
ordenou apunhalar um
doente – um manequim –
deitado na cama ao
lado. O sujeito
obedeceu sem lembrar-se
de nada após despertar.
Três dias depois voltou
ao Hospital,
queixando-se de que
sofria a obsessão de um
rosto de mulher que o
acusava de tê-la
assassinado a
punhaladas. Foi
necessário outra
sugestão para livrá-lo
daquele fantasma de
papelão.
317. Inversamente, os
sonhos esquecidos
durante a vigília podem
ser rememorados durante
o sono hipnótico. Dessa
forma, Albert, paciente
do Dr. Tissié, sonhou
estar a ponto de
realizar uma de suas
fugas sonambúlicas ou
viagens sem destino; uma
vez hipnotizado,
confessou ao médico o
sonho que esquecera
durante a vigília. A
verdade dessa confissão
foi provada pelo fato de
que o doente preparava
realmente as viagens que
sonhara e que suas
outras viagens foram
precedidas ou
estimuladas pelos sonhos
rememorados.
318. Não necessito
insistir sobre a
existência, incompleta,
em qualquer caso, da
lembrança da vida comum
nos sonhos; igualmente,
sobre a ocasional
formação de correntes de
lembranças separadas,
compostas de sonhos
sucessivos e coerentes.
Devo acrescentar que não
sabemos exatamente qual
é a extensão da
lembrança que possuímos
da vida de vigília nos
sonhos, uma vez que nos
é impossível formar uma
ideia sobre esse tema,
de acordo com a
recordação, notoriamente
deficiente, que
possuímos, durante a
vigília, de nossos
sonhos passados.
319. Existem exemplos em
que as recordações
desaparecidas da memória
desperta,
independentemente da
sugestão hipnótica,
reapareceram durante o
sono comum, como nesses
casos ecmenésicos como
consequência de novo
choque violento e nos
quais a perda da memória
estende-se, inclusive, a
um certo período
anterior ao choque.
Exemplo disto é o caso
da doente de Charcot,
que, em consequência de
uma comoção moral
violenta, apresenta um
longo ataque de histeria
e perde completamente a
memória, não só a
respeito dos fatos
acontecidos no acidente,
mas também dos ocorridos
durante as seis últimas
semanas que o
precederam.
320. Tomando consciência
de seu estado, anotava
todos os acontecimentos
em que tomara parte e
tudo o que acontecia,
mas, ao ler novamente
suas anotações, não se
lembrava de nada, como
se os fatos consignados
não lhe dissessem
respeito. Após o
acidente, foi mordida
por um cão raivoso e
tratada no Instituto
Pasteur, sem que se
lembrasse disso. Porém,
os vizinhos perceberam
que tinha o costume de
falar quando dormia e
que, nos fragmentos dos
sonhos, em voz alta,
revelava muitos fatos
relacionados com o seu
período ecmenésico.
321. Charcot, supondo
que se tratava de crise
prolongada de
histerepilepsia,
hipnotizou a doente e
descobriu que no sono
hipnótico sua memória
estava intacta. Com a
ajuda da sugestão
pós-hipnótica, foi
possível colocar
novamente a doente de
posse dos fatos
esquecidos de sua vida
pregressa.
322. A memória
pertencente ao sonho
apresenta, contudo,
propriedades ainda mais
curiosas:
a) pode, em
particular, tratar de
acontecimentos que o eu
da vigília conhecera em
outros tempos, mas, logo
a seguir, esquecidos;
b) pode compreender
fatos que chegaram ao
campo sensorial, mas dos
quais o sujeito não teve
jamais conhecimento ou
conceito supraliminar.
323. Talvez sejam estas
recordações que
proporcionam os
elementos dos sonhos que
podem ser
retrospectivos,
prospectivos ou, usando
a terminologia de Pope,
dando-lhe novo
significado,
circunspectivos, isto é,
não relacionados com
fatos passados ou
futuros, antes, sobre o
estado atual das coisas
que se encontram além
dos limites comuns da
percepção.
324. Esses sonhos
hipermnésicos nos
proporcionam um meio de
interpretar com maior
exatidão certos
fenômenos chamados
maravilhosos e de ver
mais claramente o que as
teorias comuns são
incapazes de explicar,
na maioria dos casos
mais completos.
325. É, com efeito, um
fato rotineiro, mas cuja
estranheza não nos
surpreende, o lembrar-se
durante o sono de algo
que desaparecera
totalmente da
consciência desperta.
Como exemplo, citaremos
o sonho de Delboeuf,
relatado no seu
interessante livro O
Sono e os Sonhos. Nesse
sonho, o nome de
“Asplenium Ruta Muralis”
figurava como uma frase
familiar. Uma vez
acordado, perguntou-se
em vão onde poderia ter
ouvido esse termo
botânico. Algum tempo
depois encontrou o nome
mencionado escrito por
sua própria mão, numa
pequena coleção de
flores e plantas, cujas
designações escrevera
seguindo os ensinamentos
de um botânico, seu
amigo.
326. Neste caso e em
outros semelhantes, o
objeto primitivo do
conhecimento formara
parte, num certo
momento, da consciência
supraliminar. Mas, creio
eu, existem casos em que
os fatos e as imagens,
que jamais fizeram parte
da consciência
supraliminar, são
retidos pela memória
subliminar e às vezes se
apresentam nos sonhos
com um objetivo que
parece definido.
327. Como veremos mais
adiante, a
cristalografia nos
proporcionou os
fenômenos mais curiosos
sobre esse assunto. A
Srta. Goodrich Freer,
por exemplo, vê num
cristal o anúncio da
morte de uma amiga, fato
totalmente estranho ao
seu eu consciente comum.
Ao ler o Times encontra
numa página, da qual se
servira para proteger o
rosto contra o calor da
lareira, o anúncio da
morte de uma pessoa que
era homônima da sua
amiga; de modo que as
palavras penetraram no
seu campo de visão sem
chegar à consciência
desperta.
328. Existem casos em
que a memória
subliminar,
manifestando-se no
sonho, substitui a
insuficiência de um
sentido qualquer. Esse é
o caso de Herbert Lewis,
atacado de pronunciada
miopia e que, após ter
procurado, sem êxito, um
importante documento,
numa sala onde
acreditava tê-lo
perdido, teve durante o
sonho a indicação
precisa e exata do lugar
onde estava o documento
em questão e onde o
encontrou, de fato
(Proceedings of the S.
P. R.,, VIII, pág. 389).
329. Produziu-se neste
caso um espasmo
momentâneo, que passando
inadvertido para o
músculo ocular, teve por
resultado a extensão do
campo visual? Para que
esta suposição não
pareça demasiado
fantástica, citarei
algumas linhas da
observação pessoal de
uma sonâmbula de Dufay:
“São 8 horas; várias
operárias trabalham ao
redor de uma mesa, sobre
a qual está colocada uma
lâmpada. A Srta. R. L...
toma parte no trabalho,
produzindo risotas, de
vez em quando.
Repentinamente ouve-se
um grito: é a cabeça da
Srta. R. L... que se
despruma, com violência,
sobre a mesa. É o começo
do acesso. Ao fim de
alguns segundos,
levanta-se, tira, com
enfado, os óculos e
continua o trabalho que
iniciara, sem precisar
das grossas lentes
côncavas que sua
pronunciada miopia a
obrigava a usar,
colocando-se o mais
distante possível da
lâmpada.”
330. A Srta. Goodrich
Freer teve, por sua vez,
uma experiência durante
a qual o título de um
livro que desconhecia, e
que se esforçava, em
vão, para decifrar,
enquanto o livro se
encontrava distante
dela, apareceu-lhe com o
auxílio da
cristaloscopia. Neste
último caso, uma
alteração espasmódica da
visão, semelhante à que
se produz na hipnose, é
apenas admissível.
331. Nos casos citados
até aqui, vimos que o eu
dos sonhos mostrava
cenas significativas
para eleger, em sua
galeria de fotografias,
a imagem especial
desejada pelo espírito
desperto, sem
necessidade de tirar a
conclusão, mais ou menos
complexa, dos fatos de
que dispunha.
Ocupar-me-ei agora de um
pequeno grupo de sonhos
no qual o eu subliminar
raciocina, ao mesmo
tempo em que rememora,
onde, talvez, se trata
de algo mais do que um
mero raciocínio sobre
fatos adquiridos, de uma
forma qualquer, de algo
que vai além do tema
deste capítulo.
332. Em primeiro lugar,
parece certo que os
fatos conhecidos são
suscetíveis de ser
tratados no sonambulismo
ou no sono comum, com
uma sagacidade que
supera a inteligência
desperta. Tais são os
casos dos problemas
matemáticos resolvidos
durante o sonambulismo
ou a colocação
esquelética por Agassiz,
durante o sonho, de
diversos ossos por ele
descobertos, após
havê-lo tentado em vão,
várias vezes, durante a
vigília. Em certos casos
desse gênero, a
capacidade que assim se
manifesta durante o sono
alcança o grau de
intensidade mais elevado
nos limites de nosso
espectro comum; e, em
quase todas as regiões
desse espectro, vimos
que a capacidade em
questão mostrava, em
seus limites, mais ou
menos estreitos, sinais
dispersos que permitiam
tirar a conclusão de uma
igualdade ao menos
potencial com o estado
de vigília.
333. Fizemos idêntica
constatação, no que
concerne aos movimentos
musculares, à visão e à
audição interiores e à
memória; os últimos
exemplos nos mostram a
impossibilidade de
realizar durante o sono
operações intelectuais
de ordem mais elevada.
334. Kubla Khan, de
Coleridge, demonstrou há
muito o que um grande
poeta é capaz de
realizar, graças ao
obscurecimento dos
sentidos despertos. E a
própria imperfeição de
Kubla Khan, a lembrança
truncada por uma
interrupção, lembra-nos,
por sua vez, o
conhecimento parcial que
temos durante a vigília
das operações realizadas
durante o sonho.
335. Em face disso, como
não nos sentiremos
autorizados a ver uma
certa semelhança entre
as operações que se
realizam durante o sonho
e as operações de que é
capaz o gênio? Em ambos
os casos, observamos a
mesma espontaneidade
triunfante, a mesma
resolução de não se
fechar nos limites do
funcionamento
neurocerebral, antes de
apelar a fontes
desconhecidas, isentas
dessas limitações.
(Continua no próximo
número.)