A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 16)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Que hipótese de
trabalho constitui,
segundo Myers, a base da
obra que ora estudamos? |
Conforme o pensamento de
Myers, o homem
representaria um
organismo constituído e
possuído por uma alma.
Nós viveríamos, então,
em dois mundos, ao mesmo
tempo, levando uma vida
planetária neste mundo
material, frente à qual
nosso organismo está
destinado a reagir, e
uma vida cósmica no
mundo espiritual ou
metaetéreo, que
constitui o meio natural
da alma.
(A Personalidade
Humana. Capítulo IV – O
sono.)
B. A personalidade
humana durante a vigília
tem objetivos diferentes
da personalidade humana
durante o sono?
Sim. Perseguimos na
vigília e durante o sono
diferentes objetivos,
que têm, no entanto, um
tronco comum. A
personalidade da vigília
desenvolve os órgãos dos
sentidos exteriores e se
adapta progressivamente
a uma vida subjugada
pelas relações com o
mundo exterior.
Esforça-se em submeter
os recursos da
personalidade a um
domínio cada vez mais
completo e alcança seu
ponto culminante naquilo
que chamamos gênio,
quando, em sua busca de
fins definidos, tenha
conseguido unir, no que
for possível, o
subliminar com o
supraliminar. A
personalidade, tal como
se manifesta no sono, se
desenvolve em direções
difíceis de prever.
Segundo Myers,
presume-se que no seu
desenvolvimento dará ela
mostras de uma crescente
tendência a tornar a
alma menos
exclusivamente ligada à
atividade do organismo,
para viver, pelo menos
por instantes, a vida
espiritual.
(Obra citada. Capítulo
IV – O sono.)
C. Myers considera
comprovada sua hipótese,
a que nos referimos
anteriormente?
Sim. Segundo ele, nossa
vida humana existe e
manifesta sua energia,
ao mesmo tempo, num
mundo material e num
mundo espiritual. A
personalidade humana,
desenvolvendo-se a
partir de seus
antepassados inferiores,
dividiu-se em duas
faces, uma adaptada às
necessidades materiais e
terrenas, a outra à
existência espiritual e
cósmica.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
Texto para leitura
361. Ao passar em
revista os fenômenos do
sonho, vimos, em
primeiro lugar, que este
possui uma capacidade
renovadora que os dados
conhecidos da psicologia
e da fisiologia não
explicam
satisfatoriamente. Vimos
que poderia existir
durante o sonho um
aumento do grau de
coordenação e de
centralização do
controle muscular e uma
clareza e vivacidade
maiores das percepções
encefálicas, que indicam
uma compreensão mais
exata do que na vigília,
das modificações
intraperiféricas.
362. De conformidade com
esse ponto de vista,
encontramos ainda que o
eu que dorme pode ter
experiências sensoriais
e emocionais mais
intensas do que durante
a vigília e capazes de
produzir efeitos
duradouros sobre o corpo
e o espírito. Vimos
também, finalmente, que
as impressões corporais
e espirituais
específicas, cujo
conjunto constitui o que
chamamos memória, podem,
durante o sonho, ser
mais profundas e possuir
um conteúdo mais rico do
que a memória desperta.
E não só a memória se
encontra dessa forma
identificada, mas também
o raciocínio, o cálculo,
a argumentação, porque
vimos casos em que os
problemas foram
resolvidos durante o
sonho, enquanto que sua
solução foi buscada em
vão durante a vigília.
363. Existem indícios
fragmentários de uma
inutilidade prática, se
se quiser, da existência
durante o sonho de
capacidades que agem
sobre os mesmos temas
que as do estado de
vigília e com frequência
com potência maior. Mas
vimo-nos obrigados a
levar mais adiante nosso
estudo e a
perguntarmo-nos se,
durante o sonho, o eu
não manifesta
capacidades de uma ordem
diversa das capacidades
pelas quais nossa
consciência desperta
mantém nossa atividade.
E constatamos que assim
era, de fato, que o
espírito do eu
adormecido era capaz de
relações que desafiam os
limites espaciais, de
percepção telestésica de
cenas distantes, de
comunicação telepática
com pessoas distantes e,
inclusive, com
espíritos, dos quais não
se pode dizer que
estejam perto ou
distante, uma vez que
estão libertos da prisão
carnal.
364. As conclusões que
advêm destas observações
estão em perfeito acordo
com a hipótese que serve
de base à minha obra.
365. Pretendia que o
homem representava um
organismo constituído e
possuído por uma alma.
Esta opinião implica a
hipótese segundo a qual
viveríamos em dois
mundos, ao mesmo tempo,
levando uma vida
planetária neste mundo
material, frente à qual
nosso organismo está
destinado a reagir, e
uma vida cósmica no
mundo espiritual ou
metaetéreo, que
constitui o meio natural
da alma. Esse mundo
invisível é o que
proporciona a energia
destinada a
constantemente renovar o
organismo. Não podemos
entender essa renovação:
não podemos imaginá-la
como um processo
protoplasmático, ou como
uma relação entre o
protoplasma, o éter e
algo que se encontra
além do éter e sobre o
qual será inútil
discutir agora.
366. Admitindo, pelas
necessidades da causa,
essas afirmações
audazes, temos,
igualmente, que
reconhecer que é
necessário que a atenção
da alma se abstraia, com
frequência, das coisas
do mundo, a fim de
prosseguir com maior
intensidade, o que
poderíamos chamar de sua
tarefa protoplasmática,
a manutenção das
relações fundamentais
íntimas entre o
organismo e o mundo
espiritual. Esse estado
mais denso, por
corresponder a
necessidades mais
fundamentais e
primitivas, deve ser
mais primitivo que o
estado de vigília. E, na
realidade, é assim: o
sonho é o estado que
predomina na criança; o
estado pré-natal
assemelha-se mais ao
sono do que à vigília, o
mesmo ocorrendo com
nossos antepassados
inferiores. Por ser mais
primitivo, o sono é,
acima disso, mais geral
e plástico.
367. Temos, assim, duas
fases da personalidade
que se desenvolvem em
direções opostas, e
perseguindo diferentes
objetivos, mas que têm
um tronco comum. A
personalidade da vigília
desenvolverá os órgãos
dos sentidos exteriores
e se adaptará
progressivamente a uma
vida subjugada pelas
relações com o mundo
exterior. Esforçar-se-á
em submeter os recursos
da personalidade a um
domínio cada vez mais
completo e alcançará seu
ponto culminante naquilo
que chamamos gênio,
quando, em sua busca de
fins definidos, tenha
conseguido unir, no que
for possível, o
subliminar com o
supraliminar.
368. A personalidade,
tal como se manifesta no
sono, se desenvolverá em
direções difíceis de
prever. Que fará, além
disso, da intensificação
comum da força
reparadora? Segundo
minha teoria, só nos
resta presumir que no
seu desenvolvimento dará
mostras de uma crescente
tendência a tornar a
alma menos
exclusivamente ligada à
atividade do organismo.
A alma prescindirá, cada
vez mais, da superfície
específica das coisas
materiais (que se nos
perdoe esta pobre
metáfora) para entrar
numa zona na qual as
relações existentes
entre a matéria e o
espírito já sejam
estabelecidas através do
éter ou, de outro modo,
serão mais profundamente
distintas.
369. Esta mesma
abstração da superfície,
ao diminuir o poder
sobre os processos
musculares complexos,
aumenta o que possuímos
sobre os processos
orgânicos profundos e,
ao mesmo tempo, a
potência de ação que a
alma é capaz de
desenvolver nesse mundo
espiritual, ao qual o
sonho nos aproxima.
370. Concorde com este
conceito do sono, não
deve surpreender-nos a
possibilidade existente
de aumentar a proporção
do sono com relação à
vigília, com ajuda da
sugestão hipnótica. Tudo
quanto podemos dizer é
que, mesmo reconhecendo
à alma o direito de
pretender uma quantidade
mínima de sono,
necessária para manter o
corpo com vida, não
podemos atribuir limite
algum superior à
quantidade de sonho que
é suscetível de
pretender, isto é, à
quantidade de atenção
que pode reclamar em
favor das operações
especiais do sono, em
comparação com as da
vida de vigília.
371. Aqui se encerra o
nosso estudo do sono. Se
a hipótese que sugerimos
explica os fatos que
citamos no desenrolar
deste capítulo, só o faz
em favor de afirmações
demasiado audaciosas
para serem aceitas sem
confirmação ulterior. É
nosso dever prosseguir,
nos capítulos seguintes,
o desenvolvimento da
personalidade que se
manifesta no sono, nas
duas direções por nós
indicadas, a de
reparação orgânica,
através do sono
hipnótico e a da
atividade independente
da alma na possessão e
no êxtase.
372. No cap. V desta
obra o tema será o
hipnotismo. Durante o
desenrolar do estudo da
personalidade e da
evolução humanas,
tratamos de aclarar dois
ou três pontos que são,
em nossa opinião, de
natureza a modificar os
conceitos correntes
sobre o assunto. Nossa
discussão relativa à
desintegração da
personalidade nos
permitiu, no capítulo
anterior, propor um
conceito do gênio no
sentido de uma
integração da
personalidade subliminar
com a personalidade
supraliminar, de uma
utilização cada vez mais
ampla do ser psíquico do
homem, tendo em vista os
fins definidos do eu
supraliminar.
373. Até agora o gênio
parecia ser antes
resultado de uma
combinação feliz e
fortuita de fatores
elementares, do que um
exercício sistemático;
mas é importante
demonstrar que um nível
assim tão superior ao
nosso já foi alcançado
durante a evolução
normal da espécie.
374. Submetemos à
discussão o fenômeno do
sono. Os sonhos
abriram-nos, ainda que
de um modo incoerente e
obscuro, horizontes
particularmente vastos
sobre o ambiente e o
destino do homem.
Mostraram-no em relação
com um mundo muito mais
profundo do que o
familiar ao gênio e de
posse de faculdades cujo
grau de potência o gênio
jamais alcançou.
375. Desse modo chegamos
a um conceito do sono
que, independentemente
da confirmação que possa
receber um dia por parte
da ciência, está em
perfeito acordo com as
ideias desenvolvidas
nesta obra. Segundo esse
conceito, nossa vida
humana existe e
manifesta sua energia,
ao mesmo tempo, num
mundo material e num
mundo espiritual.
376. A personalidade
humana, desenvolvendo-se
a partir de seus
antepassados inferiores,
dividiu-se em duas
faces, uma adaptada às
necessidades materiais e
terrenas, a outra à
existência espiritual e
cósmica. O eu
subliminar, pela simples
direção que dá ao sono,
já é capaz de
rejuvenescer o
organismo,
infundindo-lhe a energia
tomada do mundo
espiritual, ou de
enfraquecer temporal ou
parcialmente o elo que o
une ao organismo e se
expandir no exercício de
funções supranormais:
telepatia, telestesia,
êxtase.
377. Ao estudar, no
capítulo II, as
diferentes formas de
desintegração da
personalidade, tivemos
ocasião de entrever com
frequência os efeitos
felizes e benéficos
produzidos pela ação de
faculdades subliminares.
Vimos as camadas mais
profundas do eu
intervirem, de vez em
quando, com fim
terapêutico, ou pôr em
marcha, ainda que sem
objetivo e de forma
esporádica, faculdades
que escapam ao controle
do eu supraliminar. E
vimos, ainda, que com a
ajuda da hipnose se
provocava com frequência
a ação dessas faculdades
subliminares. Mas nada
disse sobre a natureza
do estado hipnótico; a
única coisa evidente era
que se tratava de algo
similar ao sonambulismo,
induzido ou artificial,
que parecia sistematizar
o domínio benéfico para
o organismo que os
estados de semivigília
espontânea exerciam só
de modo irregular.
378. Agora devemos nos
dedicar a compreender ab
initio esses fenômenos
hipnóticos e prosseguir
no estudo, o mais longe
que seja possível,
daquilo que se pode
chamar de evolução
experimental do sono.
379. Suponhamos, por um
momento, que sobre este
ponto não possuímos
maiores conhecimentos do
que os existentes na
época do jovem Mesmer.
Saberemos perfeitamente,
como psicólogos
experimentais, o que
desejamos fazer; mas não
teremos noção alguma de
como alcançar nosso
objetivo.
380. Desejamos submeter
a nossa vontade,
apropriarmo-nos para
nosso uso das faculdades
da semivigília, que tão
raramente aparecem. Do
ponto de vista físico,
desejamos reforçar sua
ação de inibição sobre a
dor e seu poder
regenerativo sobre o
organismo; do ponto de
vista emocional, tornam
mais intensa a sensação
de liberdade, de
expansão e de alegria
que nos proporciona sua
ação. Mas, antes de
tudo, desejamos
aquilatar o valor destas
faculdades supranormais:
a telepatia e a
telestesia, das quais
percebemos manifestações
isoladas e irregulares
no sonambulismo e no
sonho.
381. A essas esperanças,
a experiência chamada
“histórica” parece negar
toda a possibilidade
prática. Encontramos na
história exemplos, por
outro lado muito vagos,
de sugestão e influência
terapêuticas exercidas
de homem a homem, mas
esses fatos parecem ser
considerados como outros
tantos mistérios que
seria impossível
reproduzir à vontade.
382. Mas, que pense o
leitor somente em todas
as possibilidades
inesgotáveis do
organismo humano e da
vida humana. Que visite
um dos centros de
prática hipnológica,
como o do Prof. Bernheim
ou a clínica do Dr. Van
Rentorghen; que veja
centenas de pacientes
submersos diariamente,
no espaço de alguns
minutos, no sono
hipnótico e que se
lembre de que esse
comportamento, que
parece hoje tão fácil e
simples como a
deglutição de uma
pílula, foi totalmente
desconhecido, não só
para Galeno e Celso,
como também para Hunter
e Harvey e, uma vez
descoberto, denunciado
como uma ficção
fraudulenta.
383. Aquele que, muito
jovem, teve a
oportunidade de ser
testemunha das curas
efetuadas no hospital
mesmeriano do Dr.
Elliotson, antes que a
negligência e a calúnia
impedissem esse esforço
em prol da humanidade, e
que viu a indiferença
popular e o preconceito
profissional privar toda
uma geração desse
procedimento
terapêutico, não se pode
manter cético diante de
todas as negações das
faculdades humanas, de
todos os obiter dicta de
homens eminentes cujo
único erro consiste em
não ter conhecimento
algum acerca da questão
em litígio. Não são
preferíveis “as
experiências dos
insensatos” (como
pensava Darwin) ao invés
dessa ignorância
imemorial, baseada numa
espécie de incredulidade
irracional?
384. As experiências de
Mesmer eram quase
“experiências de
insensato” e o próprio
Mesmer, quase um
charlatão. Mas Mesmer e
seus sucessores,
frequentemente com
diversos pontos de
vista, e seguindo
teorias diferentes,
abriram um caminho que
se vai alargando cada
vez mais e nos
conduziram a um ponto em
que podemos esperar, com
ajuda das experiências
feitas não ao acaso,
antes de modo
sistemático, poder
reproduzir e
sistematizar a maioria
desses fenômenos de
sonambulismo espontâneo
que anteriormente
parecia estar fora de
nosso alcance.
385. Essa promessa é,
com efeito, enorme; mas
seria conveniente
imbuir-se,
imediatamente, de sua
verdadeira extensão. Não
devemos supor que vamos
poder, num primeiro
momento, submeter à
nossa experiência um eu
central, razoável e
integral. Pelo
contrário, é
característico da
histeria e, geralmente,
também do sonambulismo,
que as modificações que
se produzem durante
esses estados, ainda que
sendo subliminares, são
apenas parciais, que
essas modificações (para
empregar a conhecida
terminologia de
Hughlings-Jackson)
afetam os centros do
nível médio, não os do
nível superior, nem os
centros que presidem as
percepções da ideação
superior, antes os que
estão encarregados do
controle dos movimentos
coordenados complexos,
como as sinergias
necessárias ao caminhar,
à vista ou à palavra
ininteligível,
incoerente, como no
sonho.
386. Essa metáfora de
níveis superior e
inferior, ainda que
pareça imprópria, segue
sendo útil quando se
trata de uma sucessão de
faculdades que,
hipoteticamente, se
encontram sob o umbral
da consciência. O que
sabemos dos processos
subliminares nos obrigou
a reconhecer nesta
região submersa uma
graduação semelhante.
387. Podemos,
artificialmente,
alcançar qualquer
faculdade subliminar,
sem poder alcançar um
juízo central ou um
juízo de controle.
Podemos alcançar os
centros que exercem
somente sobre essas
faculdades subliminares
um poder fragmentário, e
nada terá de estranho
que as manifestações
provocadas por nossa
experiência mostrem um
caráter estranho,
incoerente. Devemo-nos
contentar, ao menos ao
princípio, com poder
afetar a personalidade,
mesmo que seja só nos
limites em que o faz a
histeria e o
sonambulismo, atuando de
um modo predeterminado e
útil, onde estas duas
afecções exerçam uma
ação mais prejudicial e
irregular. É já uma
grande esperança poder
inibir a dor, como no
caso do histérico,
concentrar a atenção
como faz o sonambulismo
ou descobrir e fixar
parte dessa faculdade
supranormal, cujos
resplendores fugidios
enxergamos durante a
visão ou durante o
sonho.
(Continua no próximo
número.)