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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 291 - 16 de Dezembro de 2012
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 


A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 16)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. Que hipótese de trabalho constitui, segundo Myers, a base da obra que ora estudamos? 

Conforme o pensamento de Myers, o homem representaria um organismo constituído e possuído por uma alma. Nós viveríamos, então, em dois mundos, ao mesmo tempo, levando uma vida planetária neste mundo material, frente à qual nosso organismo está destinado a reagir, e uma vida cósmica no mundo espiritual ou metaetéreo, que constitui o meio natural da alma.  (A Personalidade Humana. Capítulo IV – O sono.)

B. A personalidade humana durante a vigília tem objetivos diferentes da personalidade humana durante o sono? 

Sim. Perseguimos na vigília e durante o sono diferentes objetivos, que têm, no entanto, um tronco comum. A personalidade da vigília desenvolve os órgãos dos sentidos exteriores e se adapta progressivamente a uma vida subjugada pelas relações com o mundo exterior. Esforça-se em submeter os recursos da personalidade a um domínio cada vez mais completo e alcança seu ponto culminante naquilo que chamamos gênio, quando, em sua busca de fins definidos, tenha conseguido unir, no que for possível, o subliminar com o supraliminar. A personalidade, tal como se manifesta no sono, se desenvolve em direções difíceis de prever. Segundo Myers, presume-se que no seu desenvolvimento dará ela mostras de uma crescente tendência a tornar a alma menos exclusivamente ligada à atividade do organismo, para viver, pelo menos por instantes, a vida espiritual. (Obra citada. Capítulo IV – O sono.) 

C. Myers considera comprovada sua hipótese, a que nos referimos anteriormente? 

Sim. Segundo ele, nossa vida humana existe e manifesta sua energia, ao mesmo tempo, num mundo material e num mundo espiritual. A personalidade humana, desenvolvendo-se a partir de seus antepassados inferiores, dividiu-se em duas faces, uma adaptada às necessidades materiais e terrenas, a outra à existência espiritual e cósmica. (Obra citada. Capítulo V – O hipnotismo.)

Texto para leitura 

361. Ao passar em revista os fenômenos do sonho, vimos, em primeiro lugar, que este possui uma capacidade renovadora que os dados conhecidos da psicologia e da fisiologia não explicam satisfatoriamente. Vimos que poderia existir durante o sonho um aumento do grau de coordenação e de centralização do controle muscular e uma clareza e vivacidade maiores das percepções encefálicas, que indicam uma compreensão mais exata do que na vigília, das modificações intraperiféricas.

362. De conformidade com esse ponto de vista, encontramos ainda que o eu que dorme pode ter experiências sensoriais e emocionais mais intensas do que durante a vigília e capazes de produzir efeitos duradouros sobre o corpo e o espírito. Vimos também, finalmente, que as impressões corporais e espirituais específicas, cujo conjunto constitui o que chamamos memória, podem, durante o sonho, ser mais profundas e possuir um conteúdo mais rico do que a memória desperta. E não só a memória se encontra dessa forma identificada, mas também o raciocínio, o cálculo, a argumentação, porque vimos casos em que os problemas foram resolvidos durante o sonho, enquanto que sua solução foi buscada em vão durante a vigília.

363. Existem indícios fragmentários de uma inutilidade prática, se se quiser, da existência durante o sonho de capacidades que agem sobre os mesmos temas que as do estado de vigília e com frequência com potência maior. Mas vimo-nos obrigados a levar mais adiante nosso estudo e a perguntarmo-nos se, durante o sonho, o eu não manifesta capacidades de uma ordem diversa das capacidades pelas quais nossa consciência desperta mantém nossa atividade. E constatamos que assim era, de fato, que o espírito do eu adormecido era capaz de relações que desafiam os limites espaciais, de percepção telestésica de cenas distantes, de comunicação telepática com pessoas distantes e, inclusive, com espíritos, dos quais não se pode dizer que estejam perto ou distante, uma vez que estão libertos da prisão carnal.

364. As conclusões que advêm destas observações estão em perfeito acordo com a hipótese que serve de base à minha obra.

365. Pretendia que o homem representava um organismo constituído e possuído por uma alma. Esta opinião implica a hipótese segundo a qual viveríamos em dois mundos, ao mesmo tempo, levando uma vida planetária neste mundo material, frente à qual nosso organismo está destinado a reagir, e uma vida cósmica no mundo espiritual ou metaetéreo, que constitui o meio natural da alma. Esse mundo invisível é o que proporciona a energia destinada a constantemente renovar o organismo. Não podemos entender essa renovação: não podemos imaginá-la como um processo protoplasmático, ou como uma relação entre o protoplasma, o éter e algo que se encontra além do éter e sobre o qual será inútil discutir agora.

366. Admitindo, pelas necessidades da causa, essas afirmações audazes, temos, igualmente, que reconhecer que é necessário que a atenção da alma se abstraia, com frequência, das coisas do mundo, a fim de prosseguir com maior intensidade, o que poderíamos chamar de sua tarefa protoplasmática, a manutenção das relações fundamentais íntimas entre o organismo e o mundo espiritual. Esse estado mais denso, por corresponder a necessidades mais fundamentais e primitivas, deve ser mais primitivo que o estado de vigília. E, na realidade, é assim: o sonho é o estado que predomina na criança; o estado pré-natal assemelha-se mais ao sono do que à vigília, o mesmo ocorrendo com nossos antepassados inferiores. Por ser mais primitivo, o sono é, acima disso, mais geral e plástico.

367. Temos, assim, duas fases da personalidade que se desenvolvem em direções opostas, e perseguindo diferentes objetivos, mas que têm um tronco comum. A personalidade da vigília desenvolverá os órgãos dos sentidos exteriores e se adaptará progressivamente a uma vida subjugada pelas relações com o mundo exterior. Esforçar-se-á em submeter os recursos da personalidade a um domínio cada vez mais completo e alcançará seu ponto culminante naquilo que chamamos gênio, quando, em sua busca de fins definidos, tenha conseguido unir, no que for possível, o subliminar com o supraliminar.

368. A personalidade, tal como se manifesta no sono, se desenvolverá em direções difíceis de prever. Que fará, além disso, da intensificação comum da força reparadora? Segundo minha teoria, só nos resta presumir que no seu desenvolvimento dará mostras de uma crescente tendência a tornar a alma menos exclusivamente ligada à atividade do organismo. A alma prescindirá, cada vez mais, da superfície específica das coisas materiais (que se nos perdoe esta pobre metáfora) para entrar numa zona na qual as relações existentes entre a matéria e o espírito já sejam estabelecidas através do éter ou, de outro modo, serão mais profundamente distintas.

369. Esta mesma abstração da superfície, ao diminuir o poder sobre os processos musculares complexos, aumenta o que possuímos sobre os processos orgânicos profundos e, ao mesmo tempo, a potência de ação que a alma é capaz de desenvolver nesse mundo espiritual, ao qual o sonho nos aproxima.

370. Concorde com este conceito do sono, não deve surpreender-nos a possibilidade existente de aumentar a proporção do sono com relação à vigília, com ajuda da sugestão hipnótica. Tudo quanto podemos dizer é que, mesmo reconhecendo à alma o direito de pretender uma quantidade mínima de sono, necessária para manter o corpo com vida, não podemos atribuir limite algum superior à quantidade de sonho que é suscetível de pretender, isto é, à quantidade de atenção que pode reclamar em favor das operações especiais do sono, em comparação com as da vida de vigília.

371. Aqui se encerra o nosso estudo do sono. Se a hipótese que sugerimos explica os fatos que citamos no desenrolar deste capítulo, só o faz em favor de afirmações demasiado audaciosas para serem aceitas sem confirmação ulterior. É nosso dever prosseguir, nos capítulos seguintes, o desenvolvimento da personalidade que se manifesta no sono, nas duas direções por nós indicadas, a de reparação orgânica, através do sono hipnótico e a da atividade independente da alma na possessão e no êxtase.

372. No cap. V desta obra o tema será o hipnotismo. Durante o desenrolar do estudo da personalidade e da evolução humanas, tratamos de aclarar dois ou três pontos que são, em nossa opinião, de natureza a modificar os conceitos correntes sobre o assunto. Nossa discussão relativa à desintegração da personalidade nos permitiu, no capítulo anterior, propor um conceito do gênio no sentido de uma integração da personalidade subliminar com a personalidade supraliminar, de uma utilização cada vez mais ampla do ser psíquico do homem, tendo em vista os fins definidos do eu supraliminar.

373. Até agora o gênio parecia ser antes resultado de uma combinação feliz e fortuita de fatores elementares, do que um exercício sistemático; mas é importante demonstrar que um nível assim tão superior ao nosso já foi alcançado durante a evolução normal da espécie.

374. Submetemos à discussão o fenômeno do sono. Os sonhos abriram-nos, ainda que de um modo incoerente e obscuro, horizontes particularmente vastos sobre o ambiente e o destino do homem. Mostraram-no em relação com um mundo muito mais profundo do que o familiar ao gênio e de posse de faculdades cujo grau de potência o gênio jamais alcançou.

375. Desse modo chegamos a um conceito do sono que, independentemente da confirmação que possa receber um dia por parte da ciência, está em perfeito acordo com as ideias desenvolvidas nesta obra. Segundo esse conceito, nossa vida humana existe e manifesta sua energia, ao mesmo tempo, num mundo material e num mundo espiritual.

376. A personalidade humana, desenvolvendo-se a partir de seus antepassados inferiores, dividiu-se em duas faces, uma adaptada às necessidades materiais e terrenas, a outra à existência espiritual e cósmica. O eu subliminar, pela simples direção que dá ao sono, já é capaz de rejuvenescer o organismo, infundindo-lhe a energia tomada do mundo espiritual, ou de enfraquecer temporal ou parcialmente o elo que o une ao organismo e se expandir no exercício de funções supranormais: telepatia, telestesia, êxtase.

377. Ao estudar, no capítulo II, as diferentes formas de desintegração da personalidade, tivemos ocasião de entrever com frequência os efeitos felizes e benéficos produzidos pela ação de faculdades subliminares. Vimos as camadas mais profundas do eu intervirem, de vez em quando, com fim terapêutico, ou pôr em marcha, ainda que sem objetivo e de forma esporádica, faculdades que escapam ao controle do eu supraliminar. E vimos, ainda, que com a ajuda da hipnose se provocava com frequência a ação dessas faculdades subliminares. Mas nada disse sobre a natureza do estado hipnótico; a única coisa evidente era que se tratava de algo similar ao sonambulismo, induzido ou artificial, que parecia sistematizar o domínio benéfico para o organismo que os estados de semivigília espontânea exerciam só de modo irregular.

378. Agora devemos nos dedicar a compreender ab initio esses fenômenos hipnóticos e prosseguir no estudo, o mais longe que seja possível, daquilo que se pode chamar de evolução experimental do sono.

379. Suponhamos, por um momento, que sobre este ponto não possuímos maiores conhecimentos do que os existentes na época do jovem Mesmer. Saberemos perfeitamente, como psicólogos experimentais, o que desejamos fazer; mas não teremos noção alguma de como alcançar nosso objetivo.

380. Desejamos submeter a nossa vontade, apropriarmo-nos para nosso uso das faculdades da semivigília, que tão raramente aparecem. Do ponto de vista físico, desejamos reforçar sua ação de inibição sobre a dor e seu poder regenerativo sobre o organismo; do ponto de vista emocional, tornam mais intensa a sensação de liberdade, de expansão e de alegria que nos proporciona sua ação. Mas, antes de tudo, desejamos aquilatar o valor destas faculdades supranormais: a telepatia e a telestesia, das quais percebemos manifestações isoladas e irregulares no sonambulismo e no sonho.

381. A essas esperanças, a experiência chamada “histórica” parece negar toda a possibilidade prática. Encontramos na história exemplos, por outro lado muito vagos, de sugestão e influência terapêuticas exercidas de homem a homem, mas esses fatos parecem ser considerados como outros tantos mistérios que seria impossível reproduzir à vontade.

382. Mas, que pense o leitor somente em todas as possibilidades inesgotáveis do organismo humano e da vida humana. Que visite um dos centros de prática hipnológica, como o do Prof. Bernheim ou a clínica do Dr. Van Rentorghen; que veja centenas de pacientes submersos diariamente, no espaço de alguns minutos, no sono hipnótico e que se lembre de que esse comportamento, que parece hoje tão fácil e simples como a deglutição de uma pílula, foi totalmente desconhecido, não só para Galeno e Celso, como também para Hunter e Harvey e, uma vez descoberto, denunciado como uma ficção fraudulenta.

383. Aquele que, muito jovem, teve a oportunidade de ser testemunha das curas efetuadas no hospital mesmeriano do Dr. Elliotson, antes que a negligência e a calúnia impedissem esse esforço em prol da humanidade, e que viu a indiferença popular e o preconceito profissional privar toda uma geração desse procedimento terapêutico, não se pode manter cético diante de todas as negações das faculdades humanas, de todos os obiter dicta de homens eminentes cujo único erro consiste em não ter conhecimento algum acerca da questão em litígio. Não são preferíveis “as experiências dos insensatos” (como pensava Darwin) ao invés dessa ignorância imemorial, baseada numa espécie de incredulidade irracional?

384. As experiências de Mesmer eram quase “experiências de insensato” e o próprio Mesmer, quase um charlatão. Mas Mesmer e seus sucessores, frequentemente com diversos pontos de vista, e seguindo teorias diferentes, abriram um caminho que se vai alargando cada vez mais e nos conduziram a um ponto em que podemos esperar, com ajuda das experiências feitas não ao acaso, antes de modo sistemático, poder reproduzir e sistematizar a maioria desses fenômenos de sonambulismo espontâneo que anteriormente parecia estar fora de nosso alcance.

385. Essa promessa é, com efeito, enorme; mas seria conveniente imbuir-se, imediatamente, de sua verdadeira extensão. Não devemos supor que vamos poder, num primeiro momento, submeter à nossa experiência um eu central, razoável e integral. Pelo contrário, é característico da histeria e, geralmente, também do sonambulismo, que as modificações que se produzem durante esses estados, ainda que sendo subliminares, são apenas parciais, que essas modificações (para empregar a conhecida terminologia de Hughlings-Jackson) afetam os centros do nível médio, não os do nível superior, nem os centros que presidem as percepções da ideação superior, antes os que estão encarregados do controle dos movimentos coordenados complexos, como as sinergias necessárias ao caminhar, à vista ou à palavra ininteligível, incoerente, como no sonho.

386. Essa metáfora de níveis superior e inferior, ainda que pareça imprópria, segue sendo útil quando se trata de uma sucessão de faculdades que, hipoteticamente, se encontram sob o umbral da consciência. O que sabemos dos processos subliminares nos obrigou a reconhecer nesta região submersa uma graduação semelhante.

387. Podemos, artificialmente, alcançar qualquer faculdade subliminar, sem poder alcançar um juízo central ou um juízo de controle. Podemos alcançar os centros que exercem somente sobre essas faculdades subliminares um poder fragmentário, e nada terá de estranho que as manifestações provocadas por nossa experiência mostrem um caráter estranho, incoerente. Devemo-nos contentar, ao menos ao princípio, com poder afetar a personalidade, mesmo que seja só nos limites em que o faz a histeria e o sonambulismo, atuando de um modo predeterminado e útil, onde estas duas afecções exerçam uma ação mais prejudicial e irregular. É já uma grande esperança poder inibir a dor, como no caso do histérico, concentrar a atenção como faz o sonambulismo ou descobrir e fixar parte dessa faculdade supranormal, cujos resplendores fugidios enxergamos durante a visão ou durante o sonho. (Continua no próximo número.) 



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita