MARCELO BORELA DE
OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil) |
|
Sexo e Destino
André Luiz
(Parte
10)
Damos continuidade ao
estudo da obra
Sexo e Destino,
de André Luiz,
psicografada pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco Cândido Xavier
e
publicada em 1963 pela
Federação Espírita
Brasileira.
Questões preliminares
A. A volta súbita de
Márcia ao seu lar,
quando evitou a
consumação do assédio de
Cláudio sobre Marita,
ocorreu por influência
de ordem espiritual?
Tudo indica que sim, o
que é fácil deduzir
pelas explicações que
ela mesma deu ao seu
marido. D. Márcia estava
em um sarau beneficente,
no qual colaborara. Eis
o que ela disse a
Cláudio: "Imagine você
que, embora o sarau
esteja longe de
terminar, larguei tudo.
O leilão de prendas
esperava por mim, quando
senti um constrangimento
esquisito. Tive medo.
Passei minhas obrigações
para Dona Margarida e
voltei. Atormentava-me,
supondo houvesse algo
atrapalhado em casa,
alguma ligação elétrica
esquecida, a presença de
algum malfeitor. Vejo,
porém, que você talvez
tenha tido o mesmo
palpite e chegou antes,
retificando o fogão...
Felizmente, tudo
passou...”.
(Sexo e Destino,
capítulo IX, pp. 101 a
103.)
B. Como Cláudio ouviu o
relato feito pela esposa
com relação aos
problemas de saúde que a
preocupavam?
Com profundo desdém, o
que fez com que Márcia
emudecesse, ao impacto
da desconsideração
inesperada. O marido não
dispensara a mínima
atenção aos padecimentos
orgânicos de que ela se
queixara e
desconhecia-lhe, de
propósito, os achaques.
(Obra citada, capítulo
IX, pp. 101 a 103.)
C. O caso entre Marina e
Nemésio Torres era visto
de modo diferente por
Márcia?
Sim. Na visão dela, a
filha agia assim por
compaixão, porque
Nemésio, ante a
enfermidade da esposa,
se encontrava
desarvorado e se apegara
à jovem. "Nossa menina
compadeceu-se", disse
Márcia ao marido.
"Tanto amparou a doente
que acabou descobrindo
os sofrimentos do homem
que se aproxima,
conscientemente, da
viuvez... É por isso que
vem buscando
revigorá-lo, como
pode...".
(Obra citada, capítulo
IX, pp. 105 a 107.)
Texto para leitura
46. Dois inimigos
no próprio lar -
Reunidos na sala de
visita, Cláudio e Márcia
entreolharam-se de
estranha maneira. Eram
adversários declarados,
em tréguas cordiais.
Márcia era espécime
comum das damas que
lutam, garbosas, contra
as arremetidas do tempo.
Os cabelos, graças ao
uso de produtos
medicinais, mantinham-se
escuros e brilhantes e
ninguém lhe atribuiria
os quarenta janeiros já
vividos. Delgada, na
magreza característica
dos que usam moderadores
de apetite,
apresentava-se em
figurino da alta. Era
tal e qual a filha
Marina, conquanto muito
mais asserenada e
amadurecida. Longe de
aparentarem a verdadeira
condição de mãe e
filha, podiam ser
interpretadas à conta de
irmãs, salientando-se
que dona Márcia se
revelava mais simpática,
pela brandura estudada
dos gestos. Seu sorriso
era espontâneo e
mostrava o engenhoso
artifício dos que se
distanciam
deliberadamente dos
problemas alheios para
que não lhes constituam
empeço ao avanço. Os
olhos traíam-lhe,
contudo, a alma sibilina.
Fisgados no esposo,
pareciam interessados em
arrancar-lhe as mínimas
reações, em proveito
próprio. Ela não
desejava conhecer
qualquer vestígio da
conduta dele, anelava
encobrir-se. Serena,
dava a impressão de um
viajante hábil,
preocupado em ilaquear o
guarda-barreira, para
seguir adiante, sem ter
de deixar as aquisições
clandestinas. Ele, por
sua vez, assemelhava-se
ao guarda-barreira,
calejado no suborno,
mais aplicado em
resguardar-se que em
denunciar viajores, tão
matreiros quanto ele
próprio. Naquele
momento, sobretudo, em
que quase fora pego em
flagrante, esmerava-se
em mesuras. Seu objetivo
era evidente: eliminar
na esposa qualquer
dúvida ocorrente, à
custa de uma tolerância
que não mais praticava.
Em ambos flutuava,
porém, a desconfiança
recíproca. Cada frase
vinha pré-fabricada na
garganta, dissimulando
o pensamento. (Cap. IX,
pp. 99 e 100)
47. Um estranho
constrangimento
- Adocicando a voz, a
mulher comentou os
aborrecimentos no bufê
do baile beneficente em
que havia trabalhado. O
local estivera repleto.
Alguns jovens
embriagados, forjando
obstáculos. Garotos
furtando. E tudo isso a
estafara. Desconfiando
que o marido, embora se
mostrasse quase
afetuoso, não se
inclinaria a longa
conversação, quis reter
o momento raro,
tornando-se mais terna.
Afável, estendeu-lhe
prateada carteira, mas
Cláudio agradeceu, pois
não queria fumar. Após
acender um cigarro e
relaxar-se na poltrona,
Márcia comentou:
"Imagine você que,
embora o sarau esteja
longe de terminar,
larguei tudo. O leilão
de prendas esperava por
mim, quando senti um
constrangimento
esquisito. Tive medo.
Passei minhas obrigações
para Dona Margarida e
voltei. Atormentava-me,
supondo houvesse algo
atrapalhado em casa,
alguma ligação elétrica
esquecida, a presença de
algum malfeitor. Vejo,
porém, que você talvez
tenha tido o mesmo
palpite e chegou antes,
retificando o fogão...
Felizmente, tudo
passou... Mesmo assim,
reconheço que o meu
regresso foi
providencial, pois,
desde muitos dias, venho
espreitando um
momentinho em que você
esteja calmo e
bem-humorado, como
agora, para tratarmos,
juntos, de assunto
sério... Coisa que nos
toca de perto, que não
posso decidir sem
você..." André e Neves
notaram o regime de
choques e contrachoques
em que aquelas duas
almas adversas
respiravam, aprisionadas
socialmente uma à
outra, por exigências de
provação. Inferindo que
a esposa se aproveitaria
de sua benevolência para
chamá-lo a questões de
responsabilidade,
Cláudio despiu a máscara
afetiva com que a
brindara e, taciturno,
colocou-se em guarda.
Buscando disfarçar o
azedume, afirmou-se
fatigado e, alegando
esgotamento, pediu à
esposa resumisse, quanto
possível, o que tinha a
dizer-lhe. Márcia fingiu
não ver o olhar irônico
que ele lhe endereçava e
começou referindo-se ao
cansaço de que se sentia
possuída. Reportou-se
então a alguns problemas
de saúde que a estavam
impedindo de dormir e a
outras questões de ordem
doméstica, para, no
final, informar que se
encontrava onerada e
tinha necessidade de
quinze mil cruzeiros.
Cláudio fitou-a,
sarcástico, e indagou:
"É só?" A pergunta,
carregada de zombaria,
pairou no ar da mesma
forma que uma chicotada
cortante. Márcia
emudeceu, ao impacto da
desconsideração
inesperada. O marido não
dispensara a mínima
atenção aos padecimentos
orgânicos de que ela se
queixara e
desconhecia-lhe, de
propósito, os achaques.
Enquanto relacionava os
seus problemas, ela
assustara-se ao ver-lhe
a dura expressão dos
olhos frios, numa
atitude gelada de
profundo desdém, que bem
conhecia. (Cap. IX, pp.
101 a 103)
48. Um diálogo
azedo - Márcia
teve a impressão,
enquanto falava de seus
problemas de saúde, de
que Cláudio lhe
perguntava,
mentalmente: "por que
não acaba você de
morrer?" Em outras
ocasiões, ele chegara a
enunciar semelhante
inquirição, com palavras
claramente pronunciadas
e repetidas. "Por que
tanto ódio?", indagava a
si mesma. Como se fizera
o silêncio, Cláudio fez
menção de retirar-se,
mas a esposa
frustrou-lhe o impulso,
exclamando, irritadiça:
"Não saia. É preciso que
você fique. Esta casa
não é minha só. Acaso,
não está vendo? Marina e
Marita... Criam-se os
filhos com desvelo, com
carinho... Em crianças,
são anjos; crescidos,
são pesadelos. Tenho
sofrido calada, mas
agora... Isso não pode
continuar sem que você
se mexa. Entre uma e
outra, não é possível a
indiferença. Acolhi essa
menina estranha em meus
braços como se fosse
minha própria filha.
Suportei afrontas,
esqueci minha saúde, meu
tempo... Não me poupei,
fiz o que pude... Nada
lhe faltou, entretanto,
hoje..." Cláudio,
admirado com o que
ouvia, indagou: "Hoje, o
quê?" E Márcia
prosseguiu: "Pois você
não percebe a humilhação
a que Marina se expõe?
Você não enxerga as
dificuldades de nossa
filha?" O marido riu-se,
zombando: "Márcia, deixe
de cenas... Você fala em
Marina, como se a nossa
desmiolada estivesse na
forca. Não entendo.
Vejo-a feliz e
desorientada, como
nunca. Se me detiver em
qualquer problema dela,
será para admoestá-la,
reprimi-la. Não fosse
você com o desregramento
de suas concessões e com
os seus maus exemplos,
haveria de corrigi-la,
ainda que obrigado a
interná-la no
hospício..." Em seguida,
contou que, dois dias
antes, viu Marina, num
clube noturno, nos
braços de um cavalheiro
maduro e bem-posto, que
a beijava. "Oh! a
pobrezinha!...", objetou
dona Márcia, faces em
fogo, tremendamente
revoltada. Naquele
instante, os dois
tiravam os últimos
disfarces, postando-se,
em espírito, um à frente
do outro, com rudeza
indissimulável, como
dois inimigos soberanos.
O diálogo azedo
continuou. "Pobrezinha,
por quê?", perguntou
Cláudio. A esposa
mediu-o, de alto a
baixo, com um olhar de
zombaria, e passou a
acusá-lo: "Não quero
discutir agora a sua
presença de homem velho
e casado, numa casa de
tolerância, pois não
acredito nessa história
de homenagens a chefes,
em horas avançadas da
noite. Você foi sempre
imoral, indigno,
mentiroso, mas, por amor
à família, esqueço tudo
isso, para que você
conheça toda a
situação..." (Cap. IX,
pp. 103 a 105)
49. O envolvimento
de Marina -
Abrandando sua voz, para
poder sensibilizar o
marido, Márcia lhe
disse: "Cláudio, atenda,
Marina, obediente, nunca
me ocultou a verdade.
Não proceda com malícia;
desde a piora da esposa
do senhor Nemésio, vem
repartindo,
carinhosamente, o tempo,
entre as obrigações do
emprego e o lar do
chefe, onde a infeliz
senhora vem morrendo,
pouco a pouco...
Impossível que você não
lhe admire a abnegação,
porque, de modo algum,
precisaria interessar-se
pela vida íntima da
família Torres, a ponto
de velar junto deles,
por várias noites
consecutivas, por
simples espírito de
sacrifício... Não sei se
você chega a vê-la,
quando volta de manhã,
mostrando fundas
olheiras e faces
pisadas". Na mente de
Cláudio operara-se
complicada reviravolta.
Ao ouvir as palavras
injuriosas da mulher,
sentira ímpetos de
esbofeteá-la; todavia,
conteve-se. Além disso,
sabia que Marita
escutava, e desejava
conquistá-la a qualquer
preço, sobretudo depois
de haver-se declarado. O
amigo desencarnado, por
sua vez, insuflava-lhe
ideias com o mesmo
objetivo. Manejaria
Márcia para alcançar
Marita e, diante disso,
suavizou a expressão,
como quem se resignasse
aos ditames da
paciência. Márcia
continuou a falar,
informando que Nemésio
Torres se encontrava
desarvorado diante da
tragédia que a fortuna
dele não podia conjurar.
"Nossa menina
compadeceu-se", disse
ela. "Tanto amparou a
doente que acabou
descobrindo os
sofrimentos do homem que
se aproxima,
conscientemente, da
viuvez... É por isso que
vem buscando
revigorá-lo, como
pode..." Cláudio
replicou, observando que
não é afogando-se em
bebidas e prazeres
noturnos que Marina
ajudaria Nemésio e a
esposa doente. E aditou:
"Não os vi rezando pela
tranquilidade da
enferma..." Márcia
objetou-lhe: "Deixe de
ironias. Você, com toda
a certeza, numa situação
igual, não se consolaria
com lágrimas,
procuraria distrações.
Não há inconveniente
algum em que o senhor
Torres, numa hora
dessas, se dirija para
um ambiente alegre, a
fim de ganhar forças, e
não vejo maldade em que
trate Marina por filha
dele próprio, afagando-a
por boneca mimada que
sempre foi". (Cap. IX,
pp. 105 a 107)
50. O ciúme
amargura Cláudio
- Diante da versão
apresentada por dona
Márcia relativamente à
conduta da filha,
Cláudio retomou a
galhofa, o que
desapontou a esposa, que
julgava que Marina vinha
agindo corretamente. A
conversa, porém,
continuou. "Você não
ignora – disse Márcia –
que Marita se enamorou,
há meses, de Gilberto, o
filho dos Torres. Vendo,
de minha parte, os dois,
em ligação constante,
acreditei piamente que
o jovem nutrisse por ela
uma inclinação segura."
Misturando reserva e
malícia, Márcia passou a
historiar, então, as
entrevistas, os
passeios, os telefonemas
e os bilhetes, sem
deixar de mencionar o
encontro que os
namorados haviam
mantido, dias atrás, em
plena floresta da
Tijuca, fatos que
Cláudio também conhecia
e que o feriam fundo,
espicaçado que estava
pelo ciúme. Esfregando
os dedos contra as
palmas das mãos, num
gesto característico,
levantou-se, deu alguns
passos na sala e
resmungou: "Ingratidão!"
Márcia ficou feliz com a
cena, porquanto seu
desejo era estabelecer
um clima favorável a
Marina, em detrimento de
Marita, mas não
imaginava que a reação
do esposo se dava por
outros motivos. André
Luiz verificou, contudo,
as telas mentais de
Cláudio e viu quanto lhe
doíam o desprezo e o
ciúme. "Comove-me a sua
reação contra Marita!...",
disse-lhe a esposa. "Sua
atitude respeitável de
pai me encoraja e me
alegra. Graças a Deus,
sinto em você o chefe da
casa e da família."
Cláudio a ouvia, atento.
"É necessário que você
saiba – prosseguiu ela
– que Gilberto não quer
coisa nenhuma com Marita,
que vive a derreter-se
sem razão. O rapaz é
apaixonado por Marina e
tudo indica
possibilidades de um
casamento vantajoso,
que não podemos jogar
fora." (Cap. IX, pp. 107
a 109)
(Continua no próximo
número.)