JOSÉ LUCAS
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Óbidos, Portugal |
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Resistir ao
suicídio…
João estava
desesperado.
Fora despedido.
A empresa
falira, engolida
no egoísmo de
quem a geria. A
esposa,
empregada
fabril, tinha
sido despedida
há 2 meses. João
pensava nos dois
filhos que tinha
para criar, de
15 e 17 anos.
Almejava
dar-lhes um
curso superior,
que agora ia
pelo cano
abaixo. Faltavam
10 anos para
acabar de pagar
o empréstimo da
casa, e agora
não tinha como.
O futuro tinha
fugido, de
repente. Não
tinha saída.
A solução estava
ali à mão de
semear. Vivia
perto da linha
de comboio,
perto de uma
curva, seria uma
morte rápida e
sem grande dor,
pensava no seu
íntimo.
Nessa noite,
deitou-se pela
última vez ao
lado da esposa,
carcomida pelas
dificuldades da
vida, tal como
ele. Olhou para
ela, dormindo,
cansada, e uma
lágrima de
tristeza
misturada com
ternura rolou
pela face.
Não podia
fraquejar!
Levaria o seu
plano por
diante, após a
rotina diária de
desempregado,
após o café
diário, no café
do Sr. Joaquim.
Assim não daria
nas vistas.
Ajeitou-se nas
mantas, e sem
saber como nem
por quê,
lembrou-se da
sua falecida
mãe, que lhe
falava do seu
anjo da guarda
ou guia
espiritual.
Nunca fora dado
a essas coisas
da
espiritualidade.
Ela morrera, e
era apenas uma
leve recordação.
Adormeceu.
Teve um sonho
muito nítido,
onde se via lado
a lado com um
ser luminoso,
que o levava a
visitar um local
sinistro,
sombrio, onde a
dor não tem
palavras para
ser relatada.
Olhou para uma
tabuleta que
encimava a
entrada: “Vale
dos suicidas”.
O seu
companheiro de
viagem durante o
sono (o seu guia
espiritual)
mostrava-lhe ali
o estado de
inúmeras pessoas
que, pensando
tudo acabar com
a morte do corpo
de carne, ali
sofriam os
horrores da
desilusão, até
que um dia, por
mérito próprio,
fossem
resgatadas pelos
Espíritos
benfeitores,
levando-as para
um local mais
calmo, em
preparação para
nova
reencarnação.
Gritos, tiros,
apitos de
comboios,
gemidos de
dores, de tudo
um pouco ouvia,
e aquilo o
perturbou
imenso. Pediu
para voltar. De
repente,
acordou, alagado
em suor.
5 da manhã! A
esposa dormia
tranquila…
“Que raio de
sonho!”,
pensou… Deviam
ser preocupações
devido ao que
planeava.
Mas, aquilo
tinha sido tão
nítido que não
conseguiu dormir
mais, e
continuou até de
manhã, a matutar
naquele sonho
que, para ele,
parecia
realidade. Se
fosse daqueles
que acreditavam
nas coisas da
espiritualidade,
iria jurar que
tinha sido real.
Mas não, a vida
para além da
morte não
existe,
cogitava,
enquanto se
procurava
acalmar.
No dia seguinte,
levantou-se, fez
a rotina diária
e, enquanto
tomava o café no
Café do seu
bairro e lia as
notícias do dia,
antes do
fatídico momento
que tinha
preparado,
apareceu-lhe o
Victor, amigo de
sempre. “Pobre
coitado, o filho
fora assassinado
no bairro, faz
quase um mês,
sem ter culpa
nenhuma, e o
homem, mesmo
assim,
aguentou-se”,
pensava com os
seus botões.
Depois dos
cumprimentos de
praxe, Victor
mandou vir um
café, pousando
um livro sobre a
mesa.
“Que andas a
ler”
–
perguntou o
João.
“Ah, é um
livro que me tem
ajudado muito”,
disse o Victor.
“Imagina que
o André, o nosso
vizinho, é
espírita, faz
parte daquelas
reuniões todas
as 4ªs feiras,
naquele grupo
espírita ali à
beira da
mercearia do
Antônio. Nunca
acreditei nessas
coisas. Ele
convidou-me a lá
ir, e destroçado
com a morte do
meu filho, lá
fui.”
O
Espiritismo,
provando a vida
para além da
morte,
demonstra que o
suicídio não faz
sentido
“Oh! homem,
vim de lá novo.
Este livro, O
Livro dos
Espíritos,
de Allan Kardec,
abriu-me os
horizontes da
vida, tenho ido
às reuniões, e
venho sempre de
lá melhor. Até
tenho esperança
de um dia
receber uma
mensagem do meu
filho.”
João estava
atônito, pois
desconhecia a fé
daquele homem, a
quem tinham
matado o seu
único filho e a
esperança para o
fim da sua vida.
“Queres ir lá um
dia comigo?”
–
perguntou o
Victor.
– “Bem
sei que não
acreditas em
Deus, mas vais
ver que é
diferente.”
João irrompeu
num pranto,
soluçou, para
espanto do seu
colega de mesa e
dos restantes
que estavam nas
mesas ao lado.
Depois de se
acalmar, João já
lhe contou do
seu projeto para
dali a minutos
quando o comboio
passasse,
contou-lhe o
sonho vívido que
tivera, a
lembrança
repentina da sua
mãe antes de
adormecer, e
agora aquele
encontro
inopinado, e
ainda as mais
inopinadas
revelações da
frequência do
seu amigo às
reuniões
espíritas.
Seria um sinal
para que não se
matasse?
–
cogitava agora
em voz alta!
Victor pegou-lhe
pela mão. Foram
ao centro
espírita.
João pôde ali
lavar a alma,
com um dos
dirigentes
presentes, que
lhe falou das
inúmeras provas
da imortalidade
do Espírito, da
comunicabilidade
dos Espíritos,
da reencarnação,
e da esperança
num dia melhor.
O comboio acabou
por passar,
apitando na dita
curva, enquanto
eles iam falando
da
espiritualidade
e da
imortalidade.
Ali, naquele
momento, João
apanhou o
comboio da vida
de novo, e ainda
hoje pensa que,
se não fosse o
Espiritismo,
talvez estivesse
naquele lugar do
seu sonho, a
carpir as
mágoas, próprias
de quem tenta em
vão fugir da
Vida e das leis
sábias de Deus.
A esperança
estava de novo
ali, pois havia
a perspectiva de
ir trabalhar
como jardineiro
para a casa de
um dos
frequentadores
do grupo
espírita onde
fora socorrido.
Pensava com os
seus botões: nos
momentos
difíceis é
fundamental…
resistir ao
suicídio…