A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 17)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Na história do
hipnotismo, qual o nome
que primeiro se deve
mencionar?
É o nome de Mesmer, a
quem devemos o primeiro
conceito dos poderes
terapêuticos de uma
brusca e profunda
modificação nervosa. A
ele devemos, também, em
grande parte, a doutrina
da influência nervosa ou
dos eflúvios nervosos
que passam de um homem a
outro, doutrina que,
apesar de despojada da
importância excessiva
que ele lhe atribuía,
não pode ser, a meu ver,
ignorada ou negada.
(A Personalidade Humana.
Capítulo V – O
hipnotismo.)
B. Que descoberta
devemos ao marquês de
Puysegur, o mais
importante dos
sucessores imediatos de
Mesmer?
Do marquês de Puysegur
quase se pode dizer que
foi o descobridor do
sonambulismo. Em seus
experimentos, obteve ele
a clarividência e a
telestesia em diversos
indivíduos e descreveu
seus casos com tantos
detalhes, que é difícil
ver em tudo isso o
resultado de uma
observação defeituosa,
ou de telepatia emanada
de pessoas presentes.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
C. Quem descobriu que a
hipnose poderia ser
produzida sem passes?
Foi Braid, cujas
experiências diferem
consideravelmente
daquelas praticadas
antes e depois dele. Seu
método inicial da visão
convergente produziu
resultados que ninguém
conseguiu atingir depois
dele; e o estado que
obtinha lhe parecia
suscetível de deter e
dissipar enfermidades
que nem o hipnotizador
nem o paciente
acreditavam suscetíveis
de cura. Ele, porém,
mais tarde abandonou
esse processo, a favor
da simples sugestão
verbal, porque se
assegurou que a única
coisa necessária era
preocupar-se em influir
nas ideias do paciente.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
Texto para leitura
388. O nome de Mesmer é
o que primeiro se deve
mencionar na história do
hipnotismo. Acreditava,
em princípio, nos
eflúvios terapêuticos e
seu método parece ter
sido uma combinação de
passes, de sugestão e de
uma presumível
“magnetoterapia” (a
célebre cubeta) que,
indubitavelmente, nada
mais era do que uma
forma de sugestão.
389. Seus resultados,
ainda que descritos de
maneira imperfeita, não
passam de experiências
pessoais. As crises que
sofriam alguns de seus
pacientes são
semelhantes às crises de
histeria; mas é provável
que fossem
frequentemente seguidas
de rápida melhora, sem a
qual não exerceriam uma
impressão tão forte nos
sábios e na burguesia de
Paris.
390. Devemos, também, a
Mesmer o primeiro
conceito dos poderes
terapêuticos de uma
brusca e profunda
modificação nervosa.
Devemos-lhe, ainda, em
grande parte, a doutrina
da influência nervosa ou
dos eflúvios nervosos
que passam de um homem a
outro, doutrina que,
apesar de despojada da
importância excessiva
que ele lhe atribuía,
não pode ser, a meu ver,
ignorada ou negada.
391. O mais importante
de seus sucessores
imediatos, o marquês de
Puysegur, parece, pelo
que se denota de seus
escritos, um dos homens
mais hábeis e puros
entre os praticantes do
mesmerismo; também foi
um dos que fizeram
experimentos em grande
escala e com um objetivo
que não era unicamente
terapêutico.
392. Quase se pode dizer
que foi o descobridor do
sonambulismo; obteve a
clarividência e a
telestesia em diversos
indivíduos e descreveu
seus casos com tantos
detalhes, que é difícil
ver em tudo isso o
resultado de uma
observação defeituosa,
ou de telepatia emanada
de pessoas presentes.
Outros observadores,
como por exemplo
Bertrand, um médico de
alto gabarito, seguiram
o mesmo caminho e esse
breve período é, talvez,
de todos os que
mencionamos em nosso
tema, o mais fértil em
experiências
desinteressadas.
393. Vem, em seguida, a
era inaugurada por
Elliotson, na
Inglaterra, e por
Esdaille, em seu
hospital em Calcutá. Seu
procedimento consistia
em passes mesmerianos; o
principal intuito de
Elliotson era a cura
direta das enfermidades,
enquanto que Esdaille se
propunha,
especificamente, a obter
uma anestesia
suficientemente profunda
para poder executar
operações cirúrgicas. O
êxito deste último foi
ímpar e, deixando de
lado os fenômenos
paranormais, os
resultados obtidos por
ele constituem o fato
mais extraordinário da
história do mesmerismo.
Se esses resultados não
estivessem consignados
nas atas oficiais, a
aparente impossibilidade
de reproduzi-los
bastaria, naquela época,
para desacreditar
totalmente o
procedimento em questão.
394. O grande passo
seguinte dado pelo
hipnotismo foi
considerado por
Elliotson e seu grupo
como uma demonstração
hostil. Quando Braid
descobriu que a hipnose
pode ser produzida sem
passes, os mesmerianos
acreditaram estar
seriamente ameaçada sua
teoria dos eflúvios
terapêuticos. E era
certo: porque essa
teoria foi, na
realidade, relegada ao
esquecimento, de maneira
demasiadamente absoluta,
na minha opinião, pelo
recurso, cada vez mais
amplo e exclusivo, da
simples sugestão.
395. As experiências de
Braid diferem
consideravelmente
daquelas praticadas
antes e depois dele. Seu
método inicial da visão
convergente produziu
resultados que ninguém
conseguiu atingir depois
dele; e o estado que
obtinha lhe parecia
suscetível de deter e
dissipar enfermidades
que nem o hipnotizador
nem o paciente
acreditavam suscetíveis
de cura. Porém, mais
tarde abandonou esse
processo, a favor da
simples sugestão verbal,
porque se assegurou que
a única coisa necessária
era preocupar-se em
influir nas ideias do
paciente. Mostrou, a
seguir, que todos os
fenômenos chamados
frenológicos e que os
efeitos presumíveis dos
ímãs, dos metais, etc.,
também podiam ser
produto da sugestão.
396. Ele atribuía,
assim, importância
enorme ao poder do
paciente em resistir às
ordens do operador e a
produzir sobre si mesmo
os efeitos do
hipnotismo, sem ajuda do
operador. A inovação
mais importante,
introduzida por Braid,
foi, na minha opinião, a
possibilidade da
auto-hipnotização, por
concentração da vontade.
Essa experiência nova
sobre as faculdades
humanas, sob certo
aspecto a mais
importante de todas,
conseguiu apenas
escassos imitadores.
397. Falando das ideias
divulgadas pelo grupo de
Braid, devemos mencionar
um hábil experimentador,
ainda que inferior a
Braid, cujas obras
parecia desconhecer.
Vamos falar do Dr.
Fahnestok, cuja obra
Stavolism, or Artificial
Somnambulism (Chicago,
1871) não atraiu a
atenção que merecia,
quer por causa de seu
estranho título, por
causa de sua falta de
clareza, quer por causa
de sua publicação numa
cidade que, naquela
época, achava-se
totalmente nos confins
da civilização.
Fahnestok parece ter
obtido, pela
autossugestão em pessoas
sãs, resultados que, sob
muitos aspectos, são
muito superiores aos
demais conhecidos até
então.
398. O hipnotismo
recebeu um novo impulso
na França, graças a
Charles Richet, cuja
obra está liberta de
toda estreiteza de
critério e de toda
conceituação falsa; mas
o movimento inaugurado
por ele foi impulsionado
numa direção singular e
infeliz por Charcot e
sua escola. Fato
estranho: Charcot, que
foi talvez o único homem
eminente que deveu sua
reputação profissional
exclusivamente a seus
trabalhos sobre o
hipnotismo, é, ao mesmo
tempo, o homem cujas
ideias são consideradas
naturalmente errôneas e
que aparece a todos como
tendo seguido um caminho
errado, do qual querem
os seus discípulos
afastar-se agora.
399. Os principais
resultados obtidos por
Charcot (como os de seus
antecessores
supracitados) são os que
se reproduzem com
raridade depois. As
famosas “três fases” do
hipnotismo maior são
coisas nas quais hoje
ninguém crê. Mas isto
não se aplica ao que
outros hipnotizadores
possam obter, caso o
queiram, mas ao qual as
experiências mostraram
que os resultados e os
sintomas, aos quais
Charcot atribuía enorme
importância, só são o
produto superficial de
sugestões prolongadas e,
por assim dizer,
endêmicas, como as
observadas em
Salpêtrière.
400. Chegamos à corrente
atual de maior
importância e que conta
em seu ativo com o maior
número de curas. A
escola de Nancy,
iniciada por Liébault,
combate, pouco a pouco,
com uma crescente
convicção, os
presumíveis “sinais
somáticos” de Charcot, a
irritabilidade
neuromuscular, etc., que
era considerada como a
condição essencial do
hipnotismo, até que
Bernheim declarou
corajosamente que o
estado hipnótico é igual
ao sono comum e que a
sugestão hipnótica era a
única causa da reação
hipnótica, nada mais
sendo do que um simples
conselho ou ordem
verbal.
401. Isso, infelizmente,
era demasiadamente
simples para ser
correto. Nenhum sono,
entre um milhão,
constitui realmente o
estado hipnótico, e nem
a sugestão, entre um
milhão, alcança o eu
subliminar nem influi
realmente sobre ele. Se
as teorias de Bernheim,
consideradas em sua
última expressão, fossem
verdadeiras, na
atualidade ter-se-iam
curado todos os doentes.
402. O que Bernheim fez
foi curar muitas pessoas
sem passes mesmerianos,
sem nenhuma crença na
força superior à do
operador ou à do
indivíduo que iria ser
hipnotizado. E, nesse
aspecto, estão as suas
experiências mais
valiosas, que mostram o
hipnotismo reduzido a
seus aspectos mais
simples. “O sono
hipnótico – disse com
efeito Bernheim – é o
sono comum, a sugestão
hipnótica, uma ordem
comum. Ordena-se ao
paciente que durma e,
caso durma, ordena-se
que se porte bem e,
imediatamente, se porta
bem.”
403. Uma ordem comum não
consegue curar um homem
comum de seu reumatismo
ou de odiar o cheiro de
aguardente que tanto
apreciava, até então.
Resumindo: a sugestão é
algo mais complexo do
que uma palavra; supõe
com certeza uma profunda
mudança nervosa,
provocada por uma
atividade nervosa vinda
de dentro ou de fora.
Antes de ficarmos
satisfeitos com a
fórmula de Bernheim,
devemos considerar
novamente as mudanças a
que nos propomos efetuar
e ver se os métodos
empregados até aqui
pelos hipnotizadores
eram capazes de
provocá-las.
404. Segundo Bernheim,
somos todos suscetíveis
à sugestão e o que nos
propomos obter é um
aumento de nossa
suscetibilidade a ela.
Mas deixemos, por um
momento, do encanto das
palavras do oráculo.
Trata-se de tornar o
organismo mais
obediente, para o fim a
que o dedicamos. O sono,
com o qual geralmente se
identifica o hipnotismo,
não constitui, neste
caso, uma condição
essencial, porque as
modificações
subliminares se obtêm,
com frequência, sem
vestígio algum de
sonolência.
405. Vejamos, agora, se
certas ações nervosas,
ora difusas, ora
especializadas, tendem a
fazer surgir, não o sono
nem a catalepsia, antes
essa espécie de reação
fácil com a ajuda de
gestos visíveis, ou com
processos ativadores
nutritivos invisíveis,
que constituem a
hipnose, tal como é
entendida na prática,
com seriedade.
406. Entre os agentes
externos suscetíveis de
influir sobre o sistema
nervoso, em geral, os
medicamentos narcóticos
ocupam o primeiro lugar.
O ópio, o álcool, o
clorofórmio, a cannabis
etc. afetam o sistema
nervoso de maneira tão
especial, que tornam a
ideia de empregá-los a
título de agentes
hipnóticos completamente
natural. E alguns
pesquisadores
observaram, com efeito,
que uma ligeira
cloroformização torna os
indivíduos mais
sensíveis à sugestão.
407. Janet citou um caso
de sugestibilidade
produzido durante a
convalescença do
delirium tremens. Outros
hipnotizadores (Bramwell)
descobriram que o
clorofórmio tornava os
indivíduos menos
hipnotizáveis e o álcool
é, no geral, considerado
como um agente que
diminui a
suscetibilidade
hipnótica. Aguardando
outras experiências com
os diversos narcóticos,
podemos dizer que os
resultados conhecidos
até agora tornam pouco
provável a opinião que
considera a hipnose como
o resultado de uma
atividade fisiológica
direta, exercida por
agentes externos.
408. A semelhança
aparente entre a narcose
e a hipnose diminui, com
efeito, quando a
submetemos a uma análise
mais profunda.
Produz-se, tanto numa
como na outra, uma fase
caracterizada por uma
ideação incoerente,
delirante; só que, no
sujeito narcotizado,
esta fase precede o
estado de inibição de
todo o sistema nervoso e
os centros superiores
são os primeiros a
paralisar; enquanto que
na hipnose a inibição
das faculdades
supraliminares parece,
na maioria dos casos, só
uma condição preliminar
necessária à entrada em
jogo de faculdades
novas, entranhadas nas
profundas regiões do eu.
409. Temos que citar
ainda, no número de
fatores externos capazes
de produzir efeitos
difusos em todo o
sistema nervoso, as
impressões súbitas, cuja
ação pode ocasionar a
morte por parada do
coração, provocar
paralisia, ou o stupor
attonitus (uma forma
consagrada de loucura)
que determina essa
imobilidade cataléptica
na qual um simples soar
de gongo pode
aterrorizar uma doente
de Salpêtrière.
410. Fenômenos
semelhantes foram
observados em certos
animais, como a rã, o
escaravelho etc.
Todavia, o caráter
hipnótico desses estados
é extremamente duvidoso.
Não se demonstrou a
existência, nos casos
desse gênero, de uma
verdadeira faculdade de
reação, de obediência à
sugestão, a menos que se
trate (como em certos
casos da Salpêtrière) de
uma forma de sugestão
tão evidente e habitual
que a obediência a essa
sugestão possa ser
considerada como parte
do estado cataléptico.
Assim, a “maleabilidade”
do cataléptico, cujos
braços se mantêm na
posição em que os
colocaram, deve ser
considerada com maior
exatidão, como um estado
caracterizado por um
poder de reação menos
forte e rápida aos
estímulos internos e
externos.
411. Existe uma forma de
produção da hipnose
entre certas pessoas
histéricas, que se
distancia igualmente dos
estímulos maciços,
difusos e das ações
locais. É, propriamente
dito, um estímulo local;
mas não se vê por que
razão, a não ser que
seja em virtude de um
capricho profundo do
organismo, o trajeto
especial, que neste caso
é um trajeto sensitivo,
se desenvolveu numa
direção mais do que em
outra. Falo da produção
do estado hipnótico como
consequência da pressão
exercida sobre o que se
chama de zonas
hipnógicas, cujo ponto
de partida é constituído
pelas zonas de anestesia
que se encontram nos
histéricos, os “estigmas
das bruxas” de nossos
antepassados.
412. De acordo com o que
sabemos atualmente
acerca disso, a
disposição desses
“estigmas” é
completamente
arbitrária, isto é, não
parece depender de
nenhuma lesão central
como as “dores
irradiadas” que se
produzem durante o curso
de lesões orgânicas
profundas e que se
manifestam por zonas de
sensibilidade
superficial que seguem a
disposição dos troncos
nervosos.
413. As zonas
anestésicas são um
exemplo do que eu
convencionei chamar de
autossugestão irracional
da zona hipnótica e são,
com mais precisão,
determinadas por
caprichos incoerentes do
que por antecedentes
puramente fisiológicos.
Quanto aos pontos que se
chamam de zonas
histeróginas, zonas
hipnógicas etc.,
parecem-me, apesar de
sua constância, como
localizações puramente
arbitrárias, criadas em
virtude de uma decisão
inconsciente do eu
subliminar, do qual
constitui o resultado
externo.
414. A pressão local
exercida ao nível desses
pontos não seria, na
minha opinião, mais do
que um simples sinal, um
aviso às faculdades
preexistentes dos
centros da camada
hipnótica, cujo
funcionamento não se
submete a lei alguma.
Onde outros veem uma
ação fisiológica, vejo
tão-somente o efeito da
autossugestão.
(Continua no próximo
número.)