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Clássicos do Espiritismo
Ano 6 - N° 294 - 13 de Janeiro de 2013
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 

 

A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 19)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. A sugestão hipnótica é eficaz no tratamento do alcoolismo?

Sim. Nesse caso, a sugestão hipnótica opera de uma forma bastante curiosa, menos no sentido de um fortalecimento de nossa vontade central do que no de uma nova junção molecular; deixa o paciente indiferente ao estimulante, que quase lhe produz nojo. O homem sobre o qual o álcool produzia anteriormente alegria ou terror extremados, comporta-se então como se vivesse num mundo onde não existisse o álcool. E o mesmo se dá com o escravo da morfina, que recobra às vezes uma liberdade semelhante. Com a cura pela sugestão, a súbita privação não deixa atrás de si desejo algum nem lamento. (A Personalidade Humana. Capítulo V – O hipnotismo.)

B. No tocante às chamadas fobias – claustrofobia, agorafobia, misofobia – a sugestão hipnótica pode ser útil?

Evidentemente, e seus efeitos morais não são menos importantes do que nos casos de inibição da dipsomania. A supressão dessas ideias fixas, mediante a sugestão, lembra um pouco a extirpação cirúrgica dos tumores do organismo. (Obra citada. Capítulo V – O hipnotismo.)

C. É válido usar o termo monoideísmo quando aplicado aos estados hipnóticos?

Não. Segundo Myers, apoiado nas ideias de Gurney e Bramwell, o termo monoideísmo aplicado aos estados hipnóticos é totalmente inadequado. Ocorre, com certeza, no indivíduo hipnotizado uma seleção de ideias e uma concentração da atenção sobre esta ou aquela ideia pré-escolhida; mas essas ideias podem, por sua vez, ser complexas e mutáveis e nisso reside uma das diferenças que separam o estado hipnótico do sonambulismo, no qual encontramos, com frequência, um grupo muito restrito de centros cerebrais chamados à ação. (Obra citada. Capítulo V – O hipnotismo.)

Texto para leitura 

439. Os narcóticos e certas substâncias estimulantes constituem uma ameaça perpétua à moralidade humana. Por um estranho acidente de nosso desenvolvimento, a tendência de nosso organismo ao emprego de certas drogas, o álcool, o ópio etc., é suficientemente poderosa para prevalecer em muitas pessoas não só sobre os impulsos altruístas, que são de aquisição recente, mas também sobre as tendências primitivas de defesa e de conservação pessoal.

440. Vemo-nos aqui, novamente, por assim dizer, diante da “quimiotaxia” dos organismos inferiores e nos envolvemos num estranho conflito entre nossa responsabilidade moral e nossas afinidades moleculares, uma vez que nossa vontade central encontra-se saturada por inumeráveis elementos inertes de nosso ser.

441. Nesses estados, a sugestão hipnótica opera de uma forma bastante curiosa, menos no sentido de um fortalecimento de nossa vontade central do que no de uma nova junção molecular; deixa o paciente indiferente ao estimulante, que quase lhe produz nojo. O homem sobre o qual o álcool produzia anteriormente alegria ou terror extremados, comporta-se então como se vivesse num mundo onde não existisse o álcool.

442. Também o escravo da morfina recobra às vezes uma liberdade semelhante. Com a cura pela sugestão, a súbita privação não deixa atrás de si desejo algum nem lamento. Trata-se de algo mais profundo do que uma reforma moral: dir-se-ia que um espírito permanecia intacto no meio das degradações sofridas pelo corpo.

443. Chegamos às ideias conhecidas sob o nome de fobias, como a agorafobia, a claustrofobia, a misofobia (temor de contaminação), que expressam uma espécie de deslocamento ou de contração da atenção, nas quais a sugestão se mostra às vezes muito eficaz, quer suscitando a atividade dos centros antagônicos, quer abrindo canais até então fechados, determinando, numa palavra, um rápido desaparecimento da ideia obsessiva.

444. Refiro-me, nos casos deste gênero, a uma mudança intelectual que consiste na reposição da atenção deslocada. Mas os efeitos morais não são menos importantes do que nos casos de inibição da dipsomania, já por nós mencionados. Esses terrores mórbidos que a sugestão faz desaparecer atuam arruinando e degradando o caráter. Os elementos de antipatia, de ciúmes, que frequentemente encerram, tornam os sujeitos que os padecem tão perigosos para os demais como odiosos para si mesmos.

445. A supressão dessas ideias fixas, mediante a sugestão, lembra um pouco a extirpação cirúrgica dos tumores do organismo. Mas a extirpação dos tumores não constitui a única maneira de limpar o organismo; e o organismo psíquico, para prosseguir a nossa metáfora, está igualmente sujeito a destruições e retenções que, com frequência, é preciso em parte dissipar. O tesouro da memória pode acumular resíduos. Os ensinamentos tirados da experiência são frequentemente absorvidos e a calma filosófica pode degenerar em apatia.

446. A experiência acumulada, afirmou-se com toda a razão, paralisa a ação, perturba a reação lógica do indivíduo ao meio. A falta de controle que, com frequência, marca a decadência das faculdades mentais, não é (às vezes) mais do que um controle defeituoso, produzido pela preponderância das influências secundárias sobre as primitivas. Desse modo, a eliminação da falsa vergonha através da sugestão hipnótica constitui, na realidade, uma limpeza da memória, uma inibição da lembrança de antigas faltas e um colocar em movimento as aptidões necessárias num certo momento.

447. Assim, no caso de um rapaz ao qual se pede para recitar em público, o hipnotismo, ao despertar o instinto primitivo da loquacidade, liberta-o do paralisante medo ao ridículo. Ao contrário, no músico uma sugestão semelhante fará com que desapareça o instinto secundário adquirido pelos dedos, ao libertá-lo de instintos secundários de indecisão e embaraço, próprios do escolar.

448. Devo aqui observar (de acordo com Gurney e Bramwell) que o termo monoideísmo aplicado aos estados hipnóticos parece-me totalmente inadequado. Ocorre, com certeza, no indivíduo hipnotizado uma seleção de ideias e uma concentração da atenção sobre esta ou aquela ideia pré-escolhida; mas essas ideias podem, por sua vez, ser complexas e mutáveis e nisso reside uma das diferenças que separam o estado hipnótico do sonambulismo, no qual encontramos, com frequência, um grupo muito restrito de centros cerebrais chamados à ação.

449. A doméstica sonâmbula, por exemplo, segue pondo a mesa do chá, ainda que se ordene outra coisa, e isto é, com efeito, monoideísmo; mas o indivíduo hipnotizado é capaz de obedecer simultaneamente a ordens mais variadas e numerosas do que faria durante a vigília.

450. Dessas inibições da memória ou da atenção dirigida para as experiências do passado, dirigimos a atenção para a experiência atual. E aqui chegamos a um ponto central, a mancha amarela do campo mental e veremos que, entre os efeitos mais importantes do hipnotismo, alguns podem ser considerados como modificações da atenção. Qualquer modificação da atenção pode realizar-se quer no sentido de interrupção, quer no de estimulação, ou nos dois ao mesmo tempo.

451. Indubitavelmente, eu espantaria mais de um leitor, ao dizer que a supressão hipnótica da dor é devida a uma inibição da atenção. Nas anestesias de causa orgânica (envenenamento, traumatismo, etc.) são produzidas modificações na estrutura íntima dos nervos que têm como consequência não só a supressão de sua comunicação com o sistema nervoso central, mas também a diminuição, inclusive o desaparecimento, da atividade funcional do nervo em geral; ao contrário, na anestesia hipnótica, o sistema nervoso permanece tão vigoroso e ativo como sempre, quase capaz tanto de transmitir a dor, como de inibi-la; numa palavra, o indivíduo hipnotizado está sobre a dor, ao invés de estar sob ela.

452. O hipnotismo tem por fim não suprimir a causa orgânica, física, da dor, mas, antes, debilitar a faculdade de representação, mediante a qual nosso sistema nervoso central transforma em dor esta ou aquela perturbação orgânica. Esse enfraquecimento nem sempre chega à eliminação completa; com frequência, a dor que pode ser suprimida durante o transcorrer de uma operação, estando o enfermo hipnotizado e inclusive anestesiado, desperta, num certo momento, durante o sono (por exemplo), o que prova que a dor esteve simplesmente relegada a uma das camadas de nossa consciência, inacessíveis ao nosso exame e aos nossos olhares.

453. Esse poder de inibição que o hipnotismo possui proporciona, por menos que o indivíduo se considere sugestionável, um poder de concentração da atenção, de escolha no exercício de nossas faculdades, e isto nos permite separar, relegar a uma camada profunda de nossa consciência, todas as faculdades que não sejam estritamente necessárias para alcançar o fim a que se propusera. Isto supõe uma dissociação dos elementos que até aqui pareciam indissoluvelmente ligados, e a escolha entre os que são imediatamente indispensáveis e os que, sem ser de qualquer utilidade no momento, nada mais fazem do que distrair nossa atenção.

454. Chegamos assim a uma concentração desta última, que com frequência pode alcançar um grau comparável ao que acreditamos tenha existido entre os Newtons e os Arquimedes.

455. A inibição compreendida desta forma aproxima-se do que se poderia chamar a atividade dinamogênica da sugestão hipnótica. Mas, neste caso, a dinamogenia mostra, por assim dizer, um caráter meramente negativo: elevamos o grau de uma faculdade, a atenção, separando-a dos objetos que não podem ser considerados como meios que permitam alcançar um fim definido; devolvemos-lhe em intensidade o que lhe fizemos perder em extensão.

456. A sugestão hipnótica, contudo, tem ainda uma ação dinamogênica positiva, isto é, capaz de aumentar a vitalidade, de fortalecer a vontade, de tornar mais intensa a energia e o funcionamento de todas as nossas faculdades, sem recorrer à inibição. Assim procedendo, parece tirar do organismo mais do que lhe é permitido pelas condições fisiológicas.

457. É verdade que a energia física do organismo depende de condições fisiológicas como o calor e a nutrição. Mas, mesmo dentro desses limites, muito amplos por outro lado, do metabolismo fisiológico, a energia produzida mediante o calor e a nutrição é suscetível de variações indefinidas, tanto no caráter como na intensidade. Da mesma forma, a energia psíquica está muito longe de ser fechada num circuito estreito, de apresentar um grau constante.

458. Com a educação nos propomos a:

1) que nossos filhos adquiram, através de seus órgãos sensoriais externos, todos os divertimentos sadios, todos os conhecimentos que esses órgãos são capazes de proporcionar;

2) dar a seus órgãos sensoriais centrais, ou ao mundo interior da imaginação, uma fecundidade sadia e útil;

3) tornar as crianças capazes de dominar suas energias intelectuais retendo, através da memória, todos os atos que anteriormente solicitaram sua atenção;

4) converter seus conhecimentos e sua imaginação em sabedoria e virtude, através do exercício da vontade esclarecida.

459. Este é um caminho lento e difícil; mas veremos que em cada caso a sugestão hipnótica nos proporciona um início de ajuda e contribuição. A ação da sugestão sobre nossas faculdades de percepção através dos órgãos dos sentidos externos manifesta-se, principalmente, de três maneiras:

a) pela restituição dos sentidos comuns, afetados por uma anomalia de funcionamento, ao estado normal;

b) pela intensificação dos sentidos comuns: hiperestesia;

c) pelo desenvolvimento de novos sentidos: heterestesia.

460. No que concerne à primeira categoria, trata-se, na maioria dos casos, quer de um costume adquirido pelo eu subliminar para compensar um defeito orgânico real (espasmo involuntário do músculo ciliar, para corrigir uma insuficiência do cristalino), quer de uma insuficiência da atenção. Portanto, basta suprimir-se o costume ou despertar a atenção, e ambos os efeitos não podem ser obtidos a não ser com a ajuda da sugestão hipnótica, para devolver o órgão ao seu funcionamento normal.

461. Os casos de hiperestesia são muito numerosos e de maneira suficientemente provada para que haja necessidade de insistir aqui sobre eles. Digamos, unicamente, que provam que o funcionamento dos nossos sentidos só apresenta o mínimo de adaptação a nossas necessidades cotidianas, mas possuem potencialidades latentes que a sugestão hipnótica pode trazer à luz.

462. Os casos de heterestesia apresentam-se de maneira um tanto diversa. É possível que a heterestesia constitua unicamente uma manifestação de certos sentidos que herdamos do protoplasma primitivo, o qual estava provavelmente dotado de panestesia, isto é, que possuía latente todos os sentidos próprios dos seres vivos.

463. Destes sentidos não desenvolveram durante o curso da evolução mais do que os adaptados aos nossos fins e necessidades humanas terrenas; portanto, encontraram-se providos de órgãos terminais. Mas isso não exclui a possibilidade da existência de outros sentidos que não tiveram ocasião de se exteriorizar, mas que, a exemplo dos trajetos olfativos e óticos, não permanecem no sistema nervoso central. É, portanto, improvável que o impulso externo ou interno seja capaz de torná-los evidentes à inteligência desperta, ou ao menos perceptíveis  no estado de concentração limitada (êxtase).

464. Por outro lado, sinto-me inclinado a pensar que as percepções, aparentemente novas, da heterestesia representam somente uma mistura de formas comuns de percepção levadas ao novo grau, interpretadas pelo sistema nervoso central com uma acuidade igualmente nova. (Continua no próximo número.) 



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita