A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 19)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. A sugestão hipnótica
é eficaz no tratamento
do alcoolismo?
Sim. Nesse caso, a
sugestão hipnótica opera
de uma forma bastante
curiosa, menos no
sentido de um
fortalecimento de nossa
vontade central do que
no de uma nova junção
molecular; deixa o
paciente indiferente ao
estimulante, que quase
lhe produz nojo. O homem
sobre o qual o álcool
produzia anteriormente
alegria ou terror
extremados, comporta-se
então como se vivesse
num mundo onde não
existisse o álcool. E o
mesmo se dá com o
escravo da morfina, que
recobra às vezes uma
liberdade semelhante.
Com a cura pela
sugestão, a súbita
privação não deixa atrás
de si desejo algum nem
lamento.
(A Personalidade Humana.
Capítulo V – O
hipnotismo.)
B. No tocante às
chamadas fobias –
claustrofobia,
agorafobia, misofobia –
a sugestão hipnótica
pode ser útil?
Evidentemente, e seus
efeitos morais não são
menos importantes do que
nos casos de inibição da
dipsomania. A supressão
dessas ideias fixas,
mediante a sugestão,
lembra um pouco a
extirpação cirúrgica dos
tumores do organismo.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
C. É válido usar o termo
monoideísmo quando
aplicado aos estados
hipnóticos?
Não. Segundo Myers,
apoiado nas ideias de
Gurney e Bramwell, o
termo monoideísmo
aplicado aos estados
hipnóticos é totalmente
inadequado. Ocorre, com
certeza, no indivíduo
hipnotizado uma seleção
de ideias e uma
concentração da atenção
sobre esta ou aquela
ideia pré-escolhida; mas
essas ideias podem, por
sua vez, ser complexas e
mutáveis e nisso reside
uma das diferenças que
separam o estado
hipnótico do
sonambulismo, no qual
encontramos, com
frequência, um grupo
muito restrito de
centros cerebrais
chamados à ação.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
Texto para leitura
439. Os narcóticos e
certas substâncias
estimulantes constituem
uma ameaça perpétua à
moralidade humana. Por
um estranho acidente de
nosso desenvolvimento, a
tendência de nosso
organismo ao emprego de
certas drogas, o álcool,
o ópio etc., é
suficientemente poderosa
para prevalecer em
muitas pessoas não só
sobre os impulsos
altruístas, que são de
aquisição recente, mas
também sobre as
tendências primitivas de
defesa e de conservação
pessoal.
440. Vemo-nos aqui,
novamente, por assim
dizer, diante da
“quimiotaxia” dos
organismos inferiores e
nos envolvemos num
estranho conflito entre
nossa responsabilidade
moral e nossas
afinidades moleculares,
uma vez que nossa
vontade central
encontra-se saturada por
inumeráveis elementos
inertes de nosso ser.
441. Nesses estados, a
sugestão hipnótica opera
de uma forma bastante
curiosa, menos no
sentido de um
fortalecimento de nossa
vontade central do que
no de uma nova junção
molecular; deixa o
paciente indiferente ao
estimulante, que quase
lhe produz nojo. O homem
sobre o qual o álcool
produzia anteriormente
alegria ou terror
extremados, comporta-se
então como se vivesse
num mundo onde não
existisse o álcool.
442. Também o escravo da
morfina recobra às vezes
uma liberdade
semelhante. Com a cura
pela sugestão, a súbita
privação não deixa atrás
de si desejo algum nem
lamento. Trata-se de
algo mais profundo do
que uma reforma moral:
dir-se-ia que um
espírito permanecia
intacto no meio das
degradações sofridas
pelo corpo.
443. Chegamos às ideias
conhecidas sob o nome de
fobias, como a
agorafobia, a
claustrofobia, a
misofobia (temor de
contaminação), que
expressam uma espécie de
deslocamento ou de
contração da atenção,
nas quais a sugestão se
mostra às vezes muito
eficaz, quer suscitando
a atividade dos centros
antagônicos, quer
abrindo canais até então
fechados, determinando,
numa palavra, um rápido
desaparecimento da ideia
obsessiva.
444. Refiro-me, nos
casos deste gênero, a
uma mudança intelectual
que consiste na
reposição da atenção
deslocada. Mas os
efeitos morais não são
menos importantes do que
nos casos de inibição da
dipsomania, já por nós
mencionados. Esses
terrores mórbidos que a
sugestão faz desaparecer
atuam arruinando e
degradando o caráter. Os
elementos de antipatia,
de ciúmes, que
frequentemente encerram,
tornam os sujeitos que
os padecem tão perigosos
para os demais como
odiosos para si mesmos.
445. A supressão dessas
ideias fixas, mediante a
sugestão, lembra um
pouco a extirpação
cirúrgica dos tumores do
organismo. Mas a
extirpação dos tumores
não constitui a única
maneira de limpar o
organismo; e o organismo
psíquico, para
prosseguir a nossa
metáfora, está
igualmente sujeito a
destruições e retenções
que, com frequência, é
preciso em parte
dissipar. O tesouro da
memória pode acumular
resíduos. Os
ensinamentos tirados da
experiência são
frequentemente
absorvidos e a calma
filosófica pode
degenerar em apatia.
446. A experiência
acumulada, afirmou-se
com toda a razão,
paralisa a ação,
perturba a reação lógica
do indivíduo ao meio. A
falta de controle que,
com frequência, marca a
decadência das
faculdades mentais, não
é (às vezes) mais do que
um controle defeituoso,
produzido pela
preponderância das
influências secundárias
sobre as primitivas.
Desse modo, a eliminação
da falsa vergonha
através da sugestão
hipnótica constitui, na
realidade, uma limpeza
da memória, uma inibição
da lembrança de antigas
faltas e um colocar em
movimento as aptidões
necessárias num certo
momento.
447. Assim, no caso de
um rapaz ao qual se pede
para recitar em público,
o hipnotismo, ao
despertar o instinto
primitivo da
loquacidade, liberta-o
do paralisante medo ao
ridículo. Ao contrário,
no músico uma sugestão
semelhante fará com que
desapareça o instinto
secundário adquirido
pelos dedos, ao
libertá-lo de instintos
secundários de indecisão
e embaraço, próprios do
escolar.
448. Devo aqui observar
(de acordo com Gurney e
Bramwell) que o termo
monoideísmo aplicado aos
estados hipnóticos
parece-me totalmente
inadequado. Ocorre, com
certeza, no indivíduo
hipnotizado uma seleção
de ideias e uma
concentração da atenção
sobre esta ou aquela
ideia pré-escolhida; mas
essas ideias podem, por
sua vez, ser complexas e
mutáveis e nisso reside
uma das diferenças que
separam o estado
hipnótico do
sonambulismo, no qual
encontramos, com
frequência, um grupo
muito restrito de
centros cerebrais
chamados à ação.
449. A doméstica
sonâmbula, por exemplo,
segue pondo a mesa do
chá, ainda que se ordene
outra coisa, e isto é,
com efeito, monoideísmo;
mas o indivíduo
hipnotizado é capaz de
obedecer simultaneamente
a ordens mais variadas e
numerosas do que faria
durante a vigília.
450. Dessas inibições da
memória ou da atenção
dirigida para as
experiências do passado,
dirigimos a atenção para
a experiência atual. E
aqui chegamos a um ponto
central, a mancha
amarela do campo mental
e veremos que, entre os
efeitos mais importantes
do hipnotismo, alguns
podem ser considerados
como modificações da
atenção. Qualquer
modificação da atenção
pode realizar-se quer no
sentido de interrupção,
quer no de estimulação,
ou nos dois ao mesmo
tempo.
451. Indubitavelmente,
eu espantaria mais de um
leitor, ao dizer que a
supressão hipnótica da
dor é devida a uma
inibição da atenção. Nas
anestesias de causa
orgânica (envenenamento,
traumatismo, etc.) são
produzidas modificações
na estrutura íntima dos
nervos que têm como
consequência não só a
supressão de sua
comunicação com o
sistema nervoso central,
mas também a diminuição,
inclusive o
desaparecimento, da
atividade funcional do
nervo em geral; ao
contrário, na anestesia
hipnótica, o sistema
nervoso permanece tão
vigoroso e ativo como
sempre, quase capaz
tanto de transmitir a
dor, como de inibi-la;
numa palavra, o
indivíduo hipnotizado
está sobre a dor, ao
invés de estar sob ela.
452. O hipnotismo tem
por fim não suprimir a
causa orgânica, física,
da dor, mas, antes,
debilitar a faculdade de
representação, mediante
a qual nosso sistema
nervoso central
transforma em dor esta
ou aquela perturbação
orgânica. Esse
enfraquecimento nem
sempre chega à
eliminação completa; com
frequência, a dor que
pode ser suprimida
durante o transcorrer de
uma operação, estando o
enfermo hipnotizado e
inclusive anestesiado,
desperta, num certo
momento, durante o sono
(por exemplo), o que
prova que a dor esteve
simplesmente relegada a
uma das camadas de nossa
consciência,
inacessíveis ao nosso
exame e aos nossos
olhares.
453. Esse poder de
inibição que o
hipnotismo possui
proporciona, por menos
que o indivíduo se
considere sugestionável,
um poder de concentração
da atenção, de escolha
no exercício de nossas
faculdades, e isto nos
permite separar, relegar
a uma camada profunda de
nossa consciência, todas
as faculdades que não
sejam estritamente
necessárias para
alcançar o fim a que se
propusera. Isto supõe
uma dissociação dos
elementos que até aqui
pareciam
indissoluvelmente
ligados, e a escolha
entre os que são
imediatamente
indispensáveis e os que,
sem ser de qualquer
utilidade no momento,
nada mais fazem do que
distrair nossa atenção.
454. Chegamos assim a
uma concentração desta
última, que com
frequência pode alcançar
um grau comparável ao
que acreditamos tenha
existido entre os
Newtons e os Arquimedes.
455. A inibição
compreendida desta forma
aproxima-se do que se
poderia chamar a
atividade dinamogênica
da sugestão hipnótica.
Mas, neste caso, a
dinamogenia mostra, por
assim dizer, um caráter
meramente negativo:
elevamos o grau de uma
faculdade, a atenção,
separando-a dos objetos
que não podem ser
considerados como meios
que permitam alcançar um
fim definido;
devolvemos-lhe em
intensidade o que lhe
fizemos perder em
extensão.
456. A sugestão
hipnótica, contudo, tem
ainda uma ação
dinamogênica positiva,
isto é, capaz de
aumentar a vitalidade,
de fortalecer a vontade,
de tornar mais intensa a
energia e o
funcionamento de todas
as nossas faculdades,
sem recorrer à inibição.
Assim procedendo, parece
tirar do organismo mais
do que lhe é permitido
pelas condições
fisiológicas.
457. É verdade que a
energia física do
organismo depende de
condições fisiológicas
como o calor e a
nutrição. Mas, mesmo
dentro desses limites,
muito amplos por outro
lado, do metabolismo
fisiológico, a energia
produzida mediante o
calor e a nutrição é
suscetível de variações
indefinidas, tanto no
caráter como na
intensidade. Da mesma
forma, a energia
psíquica está muito
longe de ser fechada num
circuito estreito, de
apresentar um grau
constante.
458. Com a educação nos
propomos a:
1) que nossos filhos
adquiram, através de
seus órgãos sensoriais
externos, todos os
divertimentos sadios,
todos os conhecimentos
que esses órgãos são
capazes de proporcionar;
2) dar a seus órgãos
sensoriais centrais, ou
ao mundo interior da
imaginação, uma
fecundidade sadia e
útil;
3) tornar as crianças
capazes de dominar suas
energias intelectuais
retendo, através da
memória, todos os atos
que anteriormente
solicitaram sua atenção;
4) converter seus
conhecimentos e sua
imaginação em sabedoria
e virtude, através do
exercício da vontade
esclarecida.
459. Este é um caminho
lento e difícil; mas
veremos que em cada caso
a sugestão hipnótica nos
proporciona um início de
ajuda e contribuição. A
ação da sugestão sobre
nossas faculdades de
percepção através dos
órgãos dos sentidos
externos manifesta-se,
principalmente, de três
maneiras:
a) pela restituição dos
sentidos comuns,
afetados por uma
anomalia de
funcionamento, ao estado
normal;
b) pela intensificação
dos sentidos comuns:
hiperestesia;
c) pelo desenvolvimento
de novos sentidos:
heterestesia.
460. No que concerne à
primeira categoria,
trata-se, na maioria dos
casos, quer de um
costume adquirido pelo
eu subliminar para
compensar um defeito
orgânico real (espasmo
involuntário do músculo
ciliar, para corrigir
uma insuficiência do
cristalino), quer de uma
insuficiência da
atenção. Portanto, basta
suprimir-se o costume ou
despertar a atenção, e
ambos os efeitos não
podem ser obtidos a não
ser com a ajuda da
sugestão hipnótica, para
devolver o órgão ao seu
funcionamento normal.
461. Os casos de
hiperestesia são muito
numerosos e de maneira
suficientemente provada
para que haja
necessidade de insistir
aqui sobre eles.
Digamos, unicamente, que
provam que o
funcionamento dos nossos
sentidos só apresenta o
mínimo de adaptação a
nossas necessidades
cotidianas, mas possuem
potencialidades latentes
que a sugestão hipnótica
pode trazer à luz.
462. Os casos de
heterestesia
apresentam-se de maneira
um tanto diversa. É
possível que a
heterestesia constitua
unicamente uma
manifestação de certos
sentidos que herdamos do
protoplasma primitivo, o
qual estava
provavelmente dotado de
panestesia, isto é, que
possuía latente todos os
sentidos próprios dos
seres vivos.
463. Destes sentidos não
desenvolveram durante o
curso da evolução mais
do que os adaptados aos
nossos fins e
necessidades humanas
terrenas; portanto,
encontraram-se providos
de órgãos terminais. Mas
isso não exclui a
possibilidade da
existência de outros
sentidos que não tiveram
ocasião de se
exteriorizar, mas que, a
exemplo dos trajetos
olfativos e óticos, não
permanecem no sistema
nervoso central. É,
portanto, improvável que
o impulso externo ou
interno seja capaz de
torná-los evidentes à
inteligência desperta,
ou ao menos perceptíveis
no estado de
concentração limitada
(êxtase).
464. Por outro lado,
sinto-me inclinado a
pensar que as
percepções,
aparentemente novas, da
heterestesia representam
somente uma mistura de
formas comuns de
percepção levadas ao
novo grau, interpretadas
pelo sistema nervoso
central com uma acuidade
igualmente nova.
(Continua no próximo
número.)