ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
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A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 20)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death. |
Questões preliminares
A. Como Myers explica os
casos de estigmatização?
|
Segundo Myers, a
estigmatização, que
durante um tempo enorme
foi considerada como uma
fraude por alguns e como
um milagre por outros,
não constitui mais do
que um efeito da
autossugestão sobre o
sistema vasomotor, que
possui uma plasticidade
extrema e um maravilhoso
poder de reação. A
estigmatização seria,
assim, uma vesicação
sugerida ao próprio
indivíduo durante o
êxtase pela contemplação
permanente das chagas de
Cristo.
(A Personalidade Humana.
Capítulo V – O
hipnotismo.)
B. O medo que certos
oradores e atores
revelam pode ser
suprimido pela sugestão?
Sim. Certas pessoas
podem, em cena ou na
tribuna, dar a aparência
da genialidade, evocando
com a sugestão ou a
autossugestão uma
corrente subliminar de
ideias ou de palavras,
de gestos dramáticos ou
de entonação que
evitaria ao artista
colocado em tais
condições as violências
e torpezas que cometeria
sem ela.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
C. Pode uma pessoa
hipnotizada cometer um
crime sob a influência
da sugestão?
Diz Myers, no tocante
aos crimes supostamente
cometidos por pessoas
hipnotizadas sob a
influência da sugestão,
que sua veracidade não
foi até hoje
demonstrada, apesar de
todos os esforços
realizados nesse
sentido.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
Texto para leitura
465. Vou agora abordar o
estudo dos efeitos
dinamogênicos da
sugestão sobre os
processos vitais
centrais, isto é, que
afetam o sistema
vasomotor, o sistema
neuromuscular e os
trajetos sensoriais
centrais. |
466. No que concerne aos
efeitos da sugestão
sobre o sistema
vasomotor, estes são
conhecidos por todos e
as experiências acerca
deles são de uma
simplicidade infantil:
coloca-se sob as narinas
de um indivíduo um
frasco que contém
amoníaco, dizendo-lhe
que é água de colônia; o
sujeito aspira o odor
com prazer e seus olhos
não lacrimejam. Faz-se a
experiência contrária,
isto é, dá-se água de
colônia e diz-se que é
amoníaco; o sujeito
espirra e os olhos
lacrimejam. Essas
experiências mostram a
influência que a
sugestão hipnótica é
capaz de exercer sobre a
atividade secretora das
glândulas.
467. A “estigmatização”,
que durante um tempo
enorme foi considerada
como uma fraude por
alguns e como um milagre
por outros, não
constitui em nossa
opinião mais do que um
efeito da autossugestão
sobre o sistema
vasomotor, que possui
uma plasticidade extrema
e um maravilhoso poder
de reação. A
estigmatização não é,
com efeito, mais do que
uma vesicação
(1)
sugerida ao próprio
indivíduo durante o
êxtase pela contemplação
permanente das chagas de
Cristo.
468. Os efeitos da
sugestão sobre nossas
faculdades sensoriais
centrais, sobre nossa
faculdade de
representação interna de
visões, de sons, etc.,
são muito mais
importantes e só foram
tratados até agora de
forma superficial. Esses
efeitos são conhecidos
pelo nome de
alucinações.
Ocupar-nos-emos das
alucinações no capítulo
sobre o automatismo
sensorial. Agora somente
diremos que, longe de
considerar as
alucinações hipnóticas
como o efeito de uma
inibição, como a
expressão de um
monoideísmo, ao
contrário, enxergamos
nelas uma manifestação
dinamogênica, uma
intensificação da
imaginação, que se
relaciona às vezes a
temas fúteis, mas que de
todos os modos
representa uma faculdade
de ordem superior,
indispensável, de uma
forma ou de outra, à
produção das obras que
mais admiramos.
469. Esse poder intenso
de imaginação não é só
efeito da sugestão;
possui ainda outra
característica, a de
confundir-se com nosso
eu subliminar e de
persistir ali em estado
latente. Tal prova nos é
proporcionada pela
exatidão e precisão com
que se executam as
sugestões
pós-hipnóticas, isto é,
as ordens sugeridas
durante o sono
hipnótico, mas que devem
ser executadas mais
tarde, em data e hora
determinados, através de
um sinal convencionado.
No momento de executar
esta ordem, o indivíduo
cai, momentaneamente, no
sono hipnótico e não se
recorda de a ter
executado. Isso prova
que a ordem sugerida
formava parte de uma
corrente de recordações
que existia
simultaneamente com
aquela do estado de
vigília, mas sem
relações com esta
última.
470. A faculdade
subliminar que preside
as alucinações se exerce
em limites muito amplos,
tão amplos como os
limites nos quais se
manifestam os efeitos
terapêuticos da
sugestão. Com efeito, as
alucinações
pós-hipnóticas não
afetam unicamente a
vista e o ouvido (aos
quais, com frequência,
se restringem as
alucinações
espontâneas), mas todas
as reações vasomotoras e
todas as sensações
orgânicas, cardíacas,
gástricas, etc., e
produzem efeitos que
artifício algum
conseguiria produzir nas
pessoas durante a
vigília.
471. A sugestão atua
intensificando nosso
poder e nossas
faculdades sensoriais
comuns, elevando a um
grau inacessível, no
estado normal, nossa
capacidade de percepção
periférica ou central.
Pode-se perguntar até
que ponto os órgãos
terminais especializados
participam nessa
atividade exagerada de
percepção, e a resposta
a esta pergunta nos
permitiria esclarecer o
estranho fenômeno
conhecido sob o nome da
transposição dos
sentidos e que equidista
entre a hiperestesia e a
telestesia ou a
clarividência.
472. Sabe-se em que
consiste esse fenômeno:
é, por assim dizer, a
substituição de um órgão
dos sentidos por outro,
como, por exemplo, a
visão com o auxílio da
ponta dos dedos, etc.
Trata-se de uma
verdadeira substituição;
mas, pergunta-se, um
órgão é, realmente,
capaz de assumir a
função que não lhe
corresponde e que é da
jurisdição de outro
órgão definido? Não o
creio. A meu ver, as
pontas dos dedos não
constituem, no caso em
questão, um órgão da
visão, como as zonas
chamadas hipnógenas não
constituem órgãos
destinados à transmissão
da sugestão hipnótica.
Trata-se, antes, de um
estado de telestesia que
não implica
necessariamente a
percepção pelo organismo
corporal; só o espírito
que percebe desta forma
supranormal se encontra
sob a impressão de que
percebe através deste ou
daquele órgão corporal.
473. Chego, neste
momento, à terceira
ordem dos efeitos
dinamogênicos da
sugestão: à sua
influência em especial
sobre a atenção, a
vontade e o caráter,
este último resultado da
direção e da
persistência da atenção
voluntária. Constatamos,
nos fenômenos hipnóticos
tratados nesta obra, que
a inteligência intervém
em certa medida e grau.
474. Passemos agora de
uma fase da consciência
e da atividade
inteligente a outra mais
elevada. Pode-se
reconhecer, na
consciência deste tipo,
três graus:
a) ignoro completamente
a maneira pela qual o
sangue flui em meu
braço; é um processo
orgânico que se realiza
inteiramente sob o nível
da consciência;
b) sei, até certo ponto,
como movo o braço; é um
processo orgânico
associado a certas
sensações conscientes de
escolha e vontade;
c) a partir do momento
em que movo o braço,
posso compreender, de
maneira mais uniforme do
que nas fases
anteriores, como escrevo
letras num papel.
475. Esse ato encerra um
elemento considerável de
capacidade adquirida e
de escolha consciente.
Mas o que desta vez nos
propomos a demonstrar é
o modo pelo qual a
sugestão hipnótica
realiza a passagem da
fase “b” à fase “c”,
isto é, da fase em que o
elemento consciente
desempenha um papel
mínimo à fase em que seu
papel se torna
importante e complexo.
476. Consideremos, por
um momento, o grau de
inteligência que
intervém nas
modificações do
organismo, produzidas
pela sugestão hipnótica,
como a formação de
bolhas cruciformes
(2).
Esta formação supõe, com
efeito, uma combinação
de capacidades bastante
raras: a capacidade de
impregnar as
modificações
fisiológicas com uma
direção nova e a de
reapresentar-se e imitar
uma ideia abstrata,
arbitrária, não
fisiológica: a ideia de
cruciformidade.
477. Tudo isso é, na
minha opinião, a
expressão de um controle
subliminar sobre todo o
organismo, controle mais
eficaz e profundo do que
o supraliminar. E, para
dar uma aparência mais
concreta a essa
expressão abstrata, eu
descreveria esse aumento
da capacidade de
modificação do organismo
como uma volta à
plasticidade primitiva;
essa plasticidade
latente durante o estado
normal é despertada com
a sugestão. Esse
despertar não se dá às
cegas, nem
conscientemente, antes,
parece-se a um capricho
inteligente. Por
exemplo, a vesicação
cruciforme localiza-se
de acordo com um plano
predeterminado, o que
prova que o processo não
é completamente cego e,
por outro lado, muitos
indivíduos atingidos por
ele ficariam contentes
de se verem livres dele,
o que prova que o
processo não é nem
consciente nem
voluntário; tudo o que
se pode dizer é que a
ordem, em virtude da
qual se formam as bolhas
cruciformes, é uma ordem
caprichosa, mas
executada
inteligentemente.
Estamos aqui na presença
de uma atividade dos
centros do nível médio
que põe em marcha as
faculdades subliminares.
478. Chegamos agora às
sugestões que afetam
mais diretamente as
faculdades centrais e se
dirigem mais aos centros
de nível superior.
Citemos, primeiramente,
os fatos em que as
faculdades superiores
obedecem a sugestões
feitas tendo em vista
fins puramente
caprichosos. Falei,
anteriormente, dos
cálculos realizados
subliminarmente, em
virtude de sugestões
pós-hipnóticas. Estas
sugestões, a prazo fixo,
isto é, ordens dadas
durante o sono e que
devem ser executadas em
circunstâncias
determinadas, depois de
um lapso de tempo
definido, mostram-nos o
grau de inteligência que
pode entrar em jogo,
fora de qualquer
intervenção da
consciência
supraliminar.
479. Milne Bramwell
ordena a um indivíduo
hipnotizado que trace
uma cruz quando tenham
transcorrido 20.180
minutos a partir do
momento em que a ordem
tenha sido dada. O fato
de que essa ordem tenha
podido ser executada
demonstra que existe uma
memória subliminar ou
hipnótica que se mantém
durante o transcorrer de
nossa vida comum e que
desperta quando aparecem
circunstâncias propícias
para que a ordem seja
executada. Das
experiências desse
gênero e dos fatos já
citados, de solução de
problemas aritméticos
durante o sonambulismo,
resulta que, graças à
educação, esta acuidade
da memória subliminar é
suscetível de auxiliar
bastante nossa atividade
supraliminar.
480. Todos compreendem
que o que Richet chamou
de objetivação dos tipos
é produzido durante a
hipnose com uma
vivacidade muito maior
do que no estado normal
e sabe-se igualmente que
o “medo” (dos atores ou
dos oradores) é uma
emoção que a sugestão
pode facilmente
suprimir. Certas pessoas
podem, em cena ou na
tribuna, dar a aparência
da genialidade, evocando
com a sugestão ou a
autossugestão uma
corrente subliminar de
ideias ou de palavras,
de gestos dramáticos ou
de entonação que, ainda
que não seja de rara
qualidade, evitaria ao
artista colocado em tais
condições as violências
e torpezas que cometeria
sem ela.
481. Aqui também a
hipnotização constitui
uma espécie de extensão
do “automatismo
secundário”, isto é, uma
eliminação da
consciência comum dos
movimentos (o caminhar,
os movimentos dos dedos
sobre o piano, etc.)
frequentemente
executados. E esses
fatos fazem-nos entrever
a possibilidade da
associação, no homem, da
estabilidade do instinto
e da plasticidade da
razão. O inseto, por
exemplo, realiza com
grande facilidade e
perfeição certos atos
difíceis que lhe são
ditados por um instinto,
que nada mais é, com
frequência, do que uma
“inteligência
decadente”, um esforço
vagamente consciente no
início e que, à força de
se repetir inúmeras
vezes, transformou-se
num automatismo
ininteligente, contudo
preciso.
482. O homem é
frequentemente guiado
por um automatismo
secundário desse gênero,
mas em grau ínfimo, se
compararmos com a
frequência pela qual se
manifesta, com a
quantidade de trabalho
que efetua em virtude de
um esforço consciente.
Esse automatismo é
suscetível de se
estender em duas
direções e o homem chega
a cumprir com
indiferença as
necessidades
desagradáveis e com
facilidade as difíceis.
483. O hipnotismo pode
ter um grande valor
prático do ponto de
vista do desenvolvimento
da atenção em geral, que
constitui um dos fins a
que se propõe a
educação. A
incapacidade, a
indolência, a falta de
atenção repartem entre
si a maioria das faltas
e dos erros que
cometemos diariamente. A
falta de atenção é, sem
dúvida, frequentemente,
uma forma especial de
indolência; mas, em
outros casos, pode ser
“constitucional” até o
ponto de não poder ser
vencida por um esforço
enérgico da vontade.
484. Se nos fosse
possível cortar essa
precipitação do foco
central até os centros
indesejáveis de ideação
como podemos deter os
movimentos desordenados
da moléstia de
Parkinson, resultaria
numa elevação do nível
da inteligência humana,
não do ponto de vista
qualitativo, mas do
ponto de vista
quantitativo, ao se
prever as perdas.
485. Os conhecidos casos
das enfermeiras do Dr.
Forel que podiam, graças
à sugestão, dormir
profundamente junto aos
enfermos de que tinham
que cuidar, não
despertando senão quando
os enfermos tinham
necessidade de serem
atendidos, demonstra que
a atenção pode ser
concentrada em
impressões escolhidas e
determinadas e evitado o
desgaste de energia por
meios mais eficazes do
que os exercícios comuns
da vontade.
486. No que diz respeito
à influência da sugestão
sobre a vontade,
limitar-me-ei aqui a
chamar a atenção sobre a
energia e a resolução
com que se realizam as
sugestões hipnóticas,
sobre a ferocidade
mesma, com que o sujeito
hipnotizado afasta as
resistências mais
vigorosas. Não creio que
o sujeito hipnotizado se
exponha assim a graves
riscos, porque estou
convencido (com Bramwell
e outros) que o sujeito
hipnotizado se dá conta
vagamente de que não se
trata, em suma, mais do
que de um experimento.
487. De todas as
maneiras, corre um certo
risco, conduz-se como
deve conduzir-se um
homem resoluto e cheio
de confiança em si, por
mais tímido e agressivo
que seja seu caráter
habitual. E creio que se
pode tirar muitas
vantagens dessa
confiança temporária em
si mesmo que a sugestão
faz nascer no indivíduo.
488. Aí temos um meio
adquirido de inibição
contra timidez e contra
desconfiança do
indivíduo acerca de si,
tal como se manifesta no
estado supraliminar, e a
possibilidade de
concentrar o eu
subliminar sobre um
objeto determinado, por
mais difícil que seja de
se conseguir. Em outras
palavras, estamos de
posse de um meio que
permite tirar o maior
partido possível das
faculdades inatas do
indivíduo e esperamos
fazê-lo executar não só
excursões clarividentes,
mas também exercer uma
ação a distância sobre a
matéria, a telecinesia.
489. Admite-se,
geralmente, que a
hipnose debilita a
vontade, que as pessoas
hipnotizadas sofrem cada
vez mais a influência do
hipnotizador, que pode
sugerir ao sujeito atos
criminosos. E, sem
dúvida, não há nada mais
fácil, tanto para o
sujeito como para o
hipnotizador, do que
prever e afastar as
influências
indesejáveis. Um amigo
fiel nada mais tem do
que sugerir ao sujeito
hipnotizado que ninguém
será capaz de lhe
sugerir o que for, e
obterá o resultado
almejado. No que
concerne aos crimes
supostamente cometidos
por pessoas hipnotizadas
sob a influência da
sugestão, sua veracidade
não foi até hoje
demonstrada, apesar de
todos os esforços
realizados nesse
sentido.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Vesicação: ato de gerar
vesículas, como, por
exemplo, mediante
substância irritante.
(2)
Cruciforme: em forma de
cruz.