ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)
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Origens, evolução & progresso
O advento do Reino de Deus depende da união da razão
humana com a razão divina
"(...) Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente." - Léon Denis
É inexplicável a ignorância e a má vontade de inúmeras criaturas defensoras ferrenhas do criacionismo e contrárias às teorias do evolucionismo darwinista. É incrível em pleno século das luzes e dos mais sofisticados avanços tecnológicos existirem tendências tão ortodoxas e radicais, quão refratárias aos postulados lógicos do evolucionismo e favoráveis às ancilosadas e anticientíficas historietas do criacionismo que nos remete à lenda de Adão e Eva! Existem, (pasmem!) movimentos até bem-sucedidos que lograram alijar o evolucionismo da grade curricular das escolas, “desovando” em seu lugar o criacionismo bíblico, haja vista o que ocorre hoje nos Estados Unidos da América do Norte, onde existem as melhores Universidades do mundo. Lá, naquele país de gente orgulhosa de seus “super-homens”, leia-se: “cientistas laureados pelo Nobel”, apresenta a estranha estatística na qual está consignado que apenas ⅓ da população acredita ser o homem produto de milhões de anos de evolução.
O cepticismo de hoje é justamente o corolário fatal do abuso das lendas e ficções.
A revista “Veja” de 11.02.2009 publicou extensa matéria sobre o tema onde existem perguntas para essas perplexidades: “Como explicar a persistente má vontade para com as teorias evolucionistas em países campeões na produção científica como os Estados Unidos e Inglaterra?”. “Por que tanta gente ainda reluta em aceitar que o homem é o resultado natural da evolução?”. Ora, tais perguntas e o estranhamento são pertinentes porque não é segredo para ninguém que o criacionismo se nutre das superstições ancestrais da teologia primitiva, e não passa de uma hipótese que não resiste ao escrutínio da razão, bem ao contrário do evolucionismo baseado no método científico, portanto, pura ciência de observação e conhecimento.
Em que pese a onipresente teimosia dos criacionistas, as ideias revolucionárias do nobre naturalista inglês, são – atualmente – os pilares da biologia e da genética, incluindo-se aí a medicina e a biotecnologia, e estão presentes em muitas áreas da ciência moderna. Segundo a jornalista Gabriela Carelli, “o enigma reside na relutância, quase um mal-estar que as ideias de Darwin causam num vasto contingente de pessoas, algumas delas fervorosamente religiosas, outras nem tanto”.
Ah! Doutrina Espírita! Que beleza você é! Pois enquanto as religiões e inúmeros estabelecimentos de ensino até mesmo no dito “primeiro mundo” ainda patinam no terreno escorregadio e instável das tradições religiosas de antanho, você não só demonstra quão equivocados e injustos são os conceitos do criacionismo redutor para com a Inteligência Suprema, mas estadeia-se aquém e além das teorias darwinianas, quando nos mostra que o processo evolutivo transcende as fronteiras do aqui e agora da matéria e nos alça, por um lado, aos alcandorados patamares da evolução espiritual, descerrando-nos os painéis do Infinito incomensurável e, por outro lado, mostra-nos o período anterior ao que ele assinala, porque revela-nos o longo caminho percorrido pelo princípio inteligente (precursor do Espírito) através dos reinos mineral e vegetal antes de chegar ao reino animal que é o ponto de onde Darwin partiu.
Assim, enquanto testemunhamos – tristemente – mentalidades retrógradas acoroçoando o criacionismo irracional, já em 1857 com Kardec e em 1897 com Léon Denis, as ideias espíritas revelavam a verdadeira trajetória do princípio inteligente/Espírito, mostrando-o a percorrer as variegadas veredas evolutivas. Esses e outros estudiosos da vida da alma desvelam de maneira exuberante tais proscênios evolutivos. Avancemos nesse terreno na companhia de Léon Denis3:
EVOLUÇÃO E PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS
“Sabemos que, em nosso globo, a vida aparece primeiramente sob os mais simples, os mais elementares aspectos, para elevar-se, por uma progressão constante, de formas em formas, de espécies em espécies, até ao tipo humano, coroamento da criação terrestre. Pouco a pouco, desenvolvem-se e depuram-se os organismos, aumenta a sensibilidade. Lentamente, a vida liberta-se dos liames da matéria; o instinto cego dá lugar à inteligência e à razão. Teria cada alma percorrido esse caminho medonho, essa escala de evolução progressiva, cujos primeiros degraus afundam-se num abismo tenebroso? Antes de adquirir a consciência e a liberdade, antes de se possuir na plenitude de sua vontade, teria ela animado os organismos rudimentares, revestido as formas inferiores da vida? Em uma palavra: teria passado pela animalidade? O estudo do caráter humano, ainda com o cunho da bestialidade, leva-nos a supor isso.
O sentimento da justiça absoluta diz-nos também que o animal, tanto quanto o homem, não deve viver e sofrer para o nada. Uma cadeia ascendente e contínua liga todas as criações, o mineral ao vegetal, o vegetal ao animal, e este ao ente humano. Liga-os duplamente, ao material como ao espiritual. Não sendo a vida mais que uma manifestação do espírito traduzida pelo movimento, essas duas formas de evolução são paralelas e solidárias.
A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está apenas em estado embrionário; no homem, adquire o conhecimento, e não mais pode retrogradar. Porém, em todos os graus ela prepara e conforma o seu invólucro. As formas sucessivas que reveste são a expressão do seu valor próprio. A situação que ocupa na escala dos seres está em relação direta com o seu estado de adiantamento. Não se deve acusar Deus por ter criado formas horrendas e desproporcionadas. Os seres não podem ter outras aparências que não sejam as resultantes das suas tendências e dos hábitos contraídos. Acontece que almas, atingindo o estado humano, escolhem corpos débeis e sofredores para adquirirem as qualidades que devem favorecer a sua elevação; porém, na Natureza inferior nenhuma escolha poderiam praticar e o ser recai forçosamente sob o império das atrações que em si desenvolveu.
Nada há, aliás, maior, mais justo, mais conforme à lei do progresso do que essa ascensão das almas operando-se por escalas inumeráveis, em cujo percurso elas próprias se formam: pouco a pouco se libertam dos instintos grosseiros e despedaçam a sua couraça de egoísmo para penetrarem nos domínios da razão, do amor, da liberdade.
No dia em que a alma, libertando-se das formas animais e chegando ao estado humano, conquistar a sua autonomia, a sua responsabilidade moral, e compreender o dever, nem por isso atinge o seu fim ou termina a sua evolução. Longe de acabar, agora é que começa a sua obra real; novas tarefas chamam-na. As lutas do passado nada são ao lado das que o futuro lhe reserva. Os seus renascimentos em corpos carnais suceder-se-ão. De cada vez, ela continuará, com órgãos rejuvenescidos, a obra do aperfeiçoamento interrompida pela morte, a fim de prosseguir e mais avançar. Eterna viajora, a alma deve subir, assim, de esfera em esfera, para o Bem, para a Razão infinita, alcançar novos níveis, aprimorar-se sem cessar em ciência, em critério, em virtude...
Cada uma das existências terrestres mais não é que um episódio da vida imortal. Alma nenhuma poderia em tão pouco tempo despir-se de todos os vícios, de todos os erros, de todos os apetites vulgares, que são outros tantos vestígios das suas vidas desaparecidas, outras tantas provas da sua origem. Calculando o tempo que foi preciso à Humanidade, desde a sua aparição no globo, para chegar ao estado da civilização, compreenderemos que, para realizar os seus destinos, para subir de claridades em claridades até ao absoluto, até ao divino, a alma necessita de períodos sem limites, de vidas sempre novas, sempre renascentes. Só a pluralidade das existências pode explicar a diversidade dos caracteres, a variedade das aptidões, a desproporção das qualidades morais, enfim, todas as desigualdades que ferem a nossa vista.
(...) Se para nós tudo começasse com a vida atual, como explicar tanta diversidade nas inteligências, tantos graus na virtude e no vício, tantas variedades nas situações humanas? Um mistério impenetrável pairaria sobre esses gênios precoces, sobre esses Espíritos prodigiosos que, desde a infância, penetram com ardor as veredas da arte e das ciências, ao passo que tantos jovens empalidecem no estudo e ficam medíocres, apesar dos seus esforços.
Todas essas obscuridades se dissipam perante a doutrina das existências múltiplas. As desigualdades, resultantes dos feitos do passado, podem ser resgatadas e niveladas nas vidas futuras. Em resumo, o ser se forma a si próprio pelo desenvolvimento gradual das forças que estão consigo. Inconsciente ao princípio, sua vida vai ganhando inteligência e torna-se consciente logo que chega à condição humana e entra na posse de si mesmo”.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, questões 604 a 609.