ANGÉLICA
REIS
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Londrina, Paraná
(Brasil) |
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A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 23)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Qual o tipo mais
comum da chamada visão
interna?
|
São as
imagens-lembrança, que
não nos trazem
conhecimentos novos,
antes têm por objetivo
manter os conhecimentos
adquiridos através da
visão externa. Na sua
forma espontânea mais
simples constituem os
vestígios cerebrais da
visão externa, da qual
as pós-imagens
constituem os vestígios
retinianos. Esses dois
gêneros de imagens podem
se achar mesclados em
certos casos. Mas o que
caracteriza as
impressões armazenadas
no cérebro, e o que as
distingue das
armazenadas pela retina,
é que encerram um
elemento psíquico que se
manifesta por uma nova
disposição e uma
generalização das
impressões retinianas.
(A Personalidade Humana.
Capítulo VI –
Automatismo sensorial.)
B. São de origem
subliminar as
imagens-lembrança?
Sim. E nos parecem de
igual origem as imagens
imaginativas, como, por
exemplo, a imagem da
máquina a vapor que
apareceu a Watt e, em
seguida, adentrou pronta
em sua razão
supraliminar.
(Obra citada. Capítulo
VI – Automatismo
sensorial.)
C. Como definir a
alucinação?
Segundo Myers, a
alucinação é a expressão
de uma hiperestesia
central que nasce, às
vezes, como consequência
de uma excitação
periférica direta, mas
na maioria dos casos é
uma visão puramente
interna que envolve a
ideia como uma forma
visual. As alucinações,
até os últimos anos,
eram consideradas como
fenômenos patológicos,
como expressão de
perturbação física; mas
as investigações
estatísticas e
analíticas de Gurney
mostraram que, num
grande número de casos
de automatismo
sensorial, o fenômeno se
deu com pessoas
completamente sadias.
(Obra citada. Capítulo
VI – Automatismo
sensorial.)
Texto para leitura
544. O estudo das
modificações dérmicas e
nervosas sucessivas que
deram lugar ao
nascimento da faculdade
de visão compete à
biologia: só temos que
mostrar que o fato
isolado dessa faculdade
num germe animado de
vida metaetérea indica
que uma certa percepção,
que devia servir de
ponto de partida à
visão, preexistia no
mundo original
invisível. O germe
estava constituído ab
initio, de maneira que
pudesse desenvolver-se
neste caminho e em
outros, e isto
independentemente da
questão de saber se cada
uma das modificações
específicas existiam
(podendo ser discernida
por um observador
onisciente) desde o
início, ou se não
existia.
545. Sabemos, vagamente,
como se realizou a
diferenciação periférica
da visão, à medida que
aumentava a
sensibilidade das
manchas pigmentárias à
sombra e à luz. Mas deve
ter-se produzido também
uma diferenciação
cerebral e uma
diferenciação
psicológica, isto é, o
nascimento de uma
sensação diferente,
oposta às sensações
escuras precedentes, das
quais não é impossível
se reconstituir a
história.
546. Não acredito que
persistem sempre em
nossa estrutura cerebral
os vestígios dessa
transição de nossa
sensibilidade contínua,
não diferenciada e
primitiva, ao estado
atual que é o da
especialização dos
sentidos. Em cada um de
nós existe,
provavelmente, de
maneira mais ou menos
diversa, uma certa
sinestesia(1)
ou concomitância de
impressões sensoriais,
independentemente da lei
de associação.
547. Um segundo sentido
vem frequentemente
reagir, de forma
automática, a uma
excitação que parecia
dirigida num único
sentido. Não me atrevo a
dizer que unicamente o
ladrar de um cão faça
nascer diante de nós o
aspecto de um cão,
porque o ladrar sugere
tal imagem; esta é uma
consideração que resulta
da experiência adquirida
no curso da vida. Mas,
para um verdadeiro
sinestesista, para um
“visionário dos sons”
(para usar a forma mais
comum desta repercussão
central das impressões
sensoriais) existe entre
a vista e os sons uma
conexão instintiva
complexa e que para
nossa inteligência é
totalmente arbitrária.
548. Podemos, em
diversos casos, observar
esses cromatismos, senão
na sua origem, ao menos
em seu desenvolvimento,
e atribuí-los então a
alguma associação
estranha e caprichosa.
Mas, ao lado deste
primeiro grupo, existe
um segundo, onde o
cromatismo é, por assim
dizer, anterior ao
nascimento da
conscientização, como
nos casos em que existe
uma correspondência
precisa, inexplicável,
entre tal nota tocada no
piano e a cor verde da
maçã.
549. A meu ver, essas
sinestesias equidistam
das percepções de origem
externa e das de origem
interna. Por outro lado,
essas irradiações da
sensibilidade,
congênitas na aparência,
não podem ser
consideradas como um
fenômeno puramente
mental, nem
classificadas entre os
fenômenos da visão
exterior, porque
frequentemente são o
resultado de um processo
de associação mental.
Seria mais conveniente
chamá-los entencefálicos,
por analogia aos
fenômenos entópticos,
uma vez que parecem ser
atribuídos a uma
particularidade na
estrutura do cérebro,
como as percepções
entópticas(2)
estão unidas a certas
particularidades da
estrutura do olho.
550. Desse fotismo(4)
entencefálico passamos
por uma insensível
transição à forma mais
característica da visão
entóptica e à mais
interna da visão
externa: as faíscas
luminosas que provocam a
eletrificação do nervo
ótico. Aparecem a seguir
os fosfênios(3),
como consequência de uma
pressão exercida sobre o
nervo ótico ou de uma
irritação da retina; as
figuras de Purkinje, ou
as sombras projetadas
pelos vasos sanguíneos
da camada média da
retina sobre sua camada
papilar; moscas voando
ou sombras projetadas
pelas partículas do
humor vítreo sobre a
camada fibrosa da
retina.
551. As pós-imagens
formam uma transição da
visão entóptica à visão
externa comum; essas
imagens, ainda que
perceptíveis com os
olhos fechados,
pressupõem uma
estimulação externa
prévia da retina; formam
na realidade os
vestígios entópticos da
visão externa comum.
552. Em último lugar,
temos a visão comum
externa, que podemos
levar ao mais alto grau
de intensidade com a
ajuda de processos
artificiais. Aquele que
olha as estrelas através
de um telescópio procura
para seus órgãos
terminais o maior
aperfeiçoamento mecânico
que se possa obter na
atualidade.
553. Consideremos agora
o grau mais avançado da
faculdade da visão
interna. Essa visão é
virtualmente
independente do olho;
isto é, pode persistir
mesmo depois da
destruição do olho,
contanto que este tenha
funcionado o tempo
suficiente para dar ao
cérebro uma educação
visual. Não sabemos
quais são os limites
exatos dessa
independência; um estudo
mais completo do que o
realizado até agora
sobre os cegos
inteligentes é a única
coisa que nos poderia
informar sobre isso. Não
podemos dizer até que
ponto o olho é, por sua
vez, influenciado pelo
cérebro nas pessoas
clarividentes.
Abster-me-ia de qualquer
síntese no que diz
respeito à existência de
uma corrente retrógrada
do cérebro à retina, do
mesmo modo que me
abstive, para indicar o
lugar primitivo da
vista, de qualquer
expressão mais
específica que o termo
cérebro. Trata-se aqui
de um nexo psicológico
que pode ser discutido,
sem que haja necessidade
de entrar no domínio da
fisiologia.
554. As
imagens-lembrança
constituem o tipo mais
comum de visão interna.
Entenda-se, essas
imagens não nos trazem
conhecimentos novos,
antes têm exclusivamente
por objetivo manter os
conhecimentos adquiridos
através da visão
externa. Na sua forma
espontânea mais simples
constituem os vestígios
cerebrais da visão
externa, da qual as
pós-imagens constituem
os vestígios retinianos.
Esses dois gêneros de
imagens podem se achar
mesclados em certos
casos. Mas o que
caracteriza as
impressões armazenadas
no cérebro, e o que as
distingue das
armazenadas pela retina,
é que encerram um
elemento psíquico que se
manifesta por uma nova
disposição e uma
generalização das
impressões retinianas.
555. Existe um grupo
muito conhecido de
imagens-lembrança, nas
quais a disposição
subliminar é,
particularmente,
marcante. São os sonhos
que se subdividem em
imagens imaginativas e
em alucinações. As
primeiras designam a
nova combinação
consciente de nossa
reserva de imagens
visuais, que elaboramos
ora por mero prazer,
como quando sonhamos
acordados, ora como
artifícios destinados a
fazer-nos compreender
melhor determinados
fenômenos naturais, como
ao construirmos figuras
geométricas, e Watt,
imaginando sua máquina a
vapor enquanto estava
deitado numa casa às
escuras, alcançou o
último limite da visão
interna involuntária.
556. A visão interna
consciente não pode ir
mais longe. Mas, por
outro lado, as imagens
imaginativas, qualquer
que seja seu valor,
constituem um mero
esforço para submeter ao
controle supraliminar as
visões que, como as
imagens-lembrança, são,
antes de qualquer coisa,
de origem subliminar.
Desse modo pode-se
reconhecer, com
segurança, que a imagem
da máquina a vapor, tal
como apareceu a Watt,
adentrou pronta em sua
razão supraliminar,
enquanto que esta
permanecia nessa atitude
de expectativa que
desempenha um alto papel
em todas as invenções.
Sem pretender a exata
compreensão da proporção
do esforço, voluntário
ou involuntário,
desenvolvido pelo
espírito criador, temos,
de maneira inconteste, o
direito de considerar as
imagens visuais como que
emergentes de forma
espontânea no homem de
gênio, como uma fase
mais avançada da visão
interna.
557. Chegamos, desta
forma, às alucinações
por três caminhos
diversos: os sonhos são
alucinações de pouca
intensidade; as imagens
imaginativas são
suscetíveis de adquirir
intensidade semelhante à
das alucinações, nos
indivíduos cuja
faculdade visual esteja
muito desenvolvida, e as
inspirações geniais se
apresentam com
frequência ao espantado
artista com toda a
vivacidade de uma
alucinação.
558. O que é uma
alucinação? Pode-se
dizer que é a expressão
de uma hiperestesia
central. Pode nascer, às
vezes, como consequência
de uma excitação
periférica direta; mas
na maioria dos casos é
uma visão puramente
interna que envolve a
ideia como uma forma
visual. É que, com
efeito, qualquer ideia
constitui, segundo a
predominância dos
elementos motores ou
sensoriais, ou um
movimento ou uma
alucinação nascentes. A
visão mental tem, como a
visão retiniana, seus
limites habituais
determinados em cada
caso pela seleção
natural ou, expresso de
outra maneira, os
limites mais adequados à
raça e aos recursos do
organismo. Mas em certos
indivíduos esses limites
podem ser amplamente
superados, com ou sem
vantagem. Uma acuidade
excepcional da visão
ocular, inútil à maioria
dos indivíduos, é de
grande utilidade para o
astrônomo; uma
excepcional faculdade de
visualização interna,
simples curiosidade para
a maioria, é de grande
utilidade quanto se quer
desenhar de memória
pássaros no voo.
559. Trata-se agora de
interpretar todos os
fenômenos conhecidos sob
o nome de alucinações.
Até os últimos anos eram
considerados como
fenômenos patológicos,
como expressão de
perturbação física. Mas
as investigações
estatísticas e
analíticas de Gurney
mostraram que, num
grande número de casos
de automatismo
sensorial, tratava-se de
pessoas completamente
sadias e que
frequentemente era
impossível encontrar uma
explicação qualquer
desse fenômeno.
560. Onde a causa
parecia demonstrada com
alguma probabilidade,
sua maneira de agir
permanecia obscura. Em
certas pessoas a
ansiedade, o pesar, a
espera pareciam
desempenhar determinado
papel; mas, por um lado,
na maioria delas, as
alucinações se produziam
em momentos de perfeita
calma, enquanto tinham
atravessado crises de
angústia muito intensas,
sem sofrer a menor
alucinação; e, por
outro, as pessoas cujas
alucinações pareciam
realmente coincidir com
um fato superveniente,
mais ou menos comovedor,
tiveram suas alucinações
sem ter experimentado
qualquer conhecimento
desse acontecimento.
561. Tratava-se, então,
entre as pessoas desta
última categoria, de
alucinações telepáticas,
isto é, de uma faculdade
de representar-se
acontecimentos que se
realizavam distantes do
espírito do sujeito, de
experimentar percepções
verídicas,
independentemente dos
objetos com que se
relacionava, em outras
palavras, de uma
verdadeira faculdade
nova, antes que um sinal
de degeneração. E isso
nos traz de novo a tese
que formulamos com
frequência, ou seja: que
a visão ocular só
constitui um aspecto
específico da faculdade
visual, da qual a visão
interna constitui uma
expressão mais ampla.
562. A visão ocular
consiste numa percepção
de objetos materiais,
conforme as leis óticas,
num ponto definido do
espaço. O estudo que
fizemos das alucinações
nos permitiu separar
duas dessas limitações.
Quando falo de figura
alucinatória – e as que
aparecem no sonho
pertencem a esta
categoria – falo de algo
que não é um objeto
material e que é
independente das leis
óticas. Uma figura de
sonho pode parecer estar
de acordo com essas
leis, mas isso será o
efeito da autossugestão,
ou de uma lembrança
organizada, que irá
avaliar segundo a
faculdade visionária do
que sonha. Enquanto que
um pintor é capaz de
pintar de memória,
durante a vigília, um
rosto que lhe apareceu
em sonho, os sonhos dos
homens comuns são em
geral vagos, fugazes e
escapam facilmente da
memória.
563. De igual modo,
quando vemos uma figura
alucinatória subjetiva
presente em nosso
quarto, seu aspecto não
está determinado pelas
leis da ótica (pode, em
particular, parecer que
se encontra atrás do
observador ou, de uma
forma qualquer, fora de
seu campo visual), mas
está mais ou menos de
acordo, em virtude de
uma autossugestão, ou de
outro modo, e essa
figura é visível ainda
desde um ponto fixo do
espaço constituído pelo
olho ou o cérebro do
observador.
564. Tudo isso parece
perfeitamente claro, até
o ponto de supormos nos
ver diante de
alucinações nascidas no
espírito do sujeito. Mas
as dificuldades
tornam-se maiores desde
quando chegamos às
quase-percepções, cuja
existência ou origem
está fora do espírito do
observador.
565. Se existe uma certa
origem externa para
nossa visão interna (que
por isso se torna
verídica), seria errôneo
supor que qualquer visão
interna tenha a mesma
origem. Quando se apoia
em fatos (em impressões
verídicas ou em
pinturas, não em ilusões
subjetivas) nunca
podemos dizer a priori
se a visão vai em busca
dos fatos ou se os fatos
vão em sua busca. Por
outro lado, nada prova
que essas percepções
tenham como objeto
coisas imateriais ou
fantasmagóricas. Desde o
momento em que essa
visão é suscetível de
perceber coisas
imateriais situadas fora
do organismo, por que
não há de poder perceber
igualmente coisas
materiais? Por que não
há de ver as casas
distantes tão bem como
as imagens das almas
ausentes?
566. Examinemos agora os
meios que nos permitem
compreender, desenvolver
e controlar a visão
interna. A palavra
controle significa tanto
repressão como direção;
e existe, com efeito,
uma categoria de visões
internas que necessitam
ser reprimidas. O
delírio alucinatório do
ébrio e do maníaco, que
representa o grau
extremo de desintegração
da visão interna, pode
ser interrompido
raramente, enquanto o
cérebro continua
envenenado e doente. Mas
constitui um fato digno
de observação que as
alucinações
degenerativas, enquanto
curáveis, devem essa
cura mais frequentemente
e com maior facilidade à
sugestão hipnótica do
que a qualquer outro
meio.
567. As mesmas
influências que originam
as alucinações anódinas
podem destruir as
alucinações perigosas.
Essa extensão do poder
das camadas profundas do
espírito do paciente,
essa possibilidade de
alcançar uma fonte
profunda, que a
princípio parecia uma
simples curiosidade
científica, adquirem
agora um uso prático
novo.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Sinestesia: relação
subjetiva que se
estabelece
espontaneamente entre
uma percepção e outra
que pertença ao domínio
de um sentido diferente
(p. ex., um perfume que
evoca uma cor, um som
que evoca uma imagem,
etc.).
(2)
Entópticas: referente a
fenômenos visuais cuja
sede é intraocular.
(3)
Fosfênio: impressão
luminosa produzida por
compressão do globo
ocular, estando as
pálpebras unidas e na
ausência de luz.
(4)
Fotismo: sinestesia em
que a sensação de cor ou
de luz asssocia-se à
sensação de audição,
tato, gustação e
olfação.