O problema do
mal – A Nova
Ordem e o fim do
Terror
Há séculos o
problema do mal
aflige
filósofos,
historiadores e
todo aquele que
na condição
humana se
questiona sobre
o caráter tantas
vezes injusto da
vida. Através
dos tempos as
reações da
sociedade aos
horrores
cometidos em
nome do Estado,
da Igreja e,
acima de tudo,
do poder e do
dinheiro têm
passado por
estágios que
apresentaram
sempre uma
característica
constante: a
ideia de
anormalidade, de
saída da rotina
e de algo que
não pode ser
aceito como
coloquial.
O entendimento
do problema do
mal pela
filosofia parte
com frequência
de 3 hipóteses:
o mal é um
produto da
vontade humana,
é uma força
externa, ou uma
ilusão da
consciência. As
explicações
invocam
preferencialmente
a injustiça
social e as
doenças mentais,
mas não se
constrangem, se
necessário, em
apelar até para
possessão
demoníaca como
causa das
tragédias que a
humanidade já
enfrentou.
Desde a época do
chamado “mal
necessário à
sobrevivência”,
aquele que se
fazia em nome
dos instintos
básicos e sem a
presença do
Estado, até a
chamada
“banalização”
que Hannah
Arendt descreveu
em “Eichmann em
Jerusalém”, a
impressão do mal
como o elemento
estranho à ordem
social tem
causado
desconforto a
uma espécie que
encontrou no
amor e na
caridade a força
para superar
todas as outras.
Para entender
este conflito
que atormentou
desde os
selvagens até os
filósofos da
Escola de
Frankfurt, os
pensadores
fizeram uso de
racionalizações.
Santo Agostinho,
por exemplo,
afirmava que
toda coisa que
se corrompe
guarda em si
algo de bom, já
que se fosse
perfeitamente
boa não poderia
se corromper e,
se nela não
houvesse nenhum
bem, nada
haveria a ser
corrompido.
Seja
justificando
como fazia
Maquiavel ou
banalizando como
fizeram Hitler e
Stalin, o mal
sempre se
apresentou com
desculpas
peculiares. As
grandes
religiões, nos
seus conflitos
com os poderes
do Estado,
muitas vezes
viram-se, elas
próprias,
acuadas.
Primeiro
tentaram
explicar (e
nunca
conseguiram)
como Deus, tendo
criado tudo,
permite a
existência do
mal. Segundo,
como o próprio
mal pode ter
sido feito “em
nome de Deus”.
Ao falharem
abriram as
portas para o
Terror do
Estado.
Não deixa de ser
trágico, e até
certo ponto
cômico, que os
maiores
genocídios da
história tenham
sido realizados
em nome de algo
chamado “bem
maior” (seja lá
o que isso
queira dizer) e
que seus
perpetradores
tenham sido os
Estados; não os
indivíduos.
Neste pequeno
texto quero
partir de uma
premissa
distinta – a
ideia de que não
é necessário
mais banalizar a
maldade como
algo corriqueiro
e até mesmo
trivial e que,
ainda que
banalizado, o
mal traz consigo
a ideia de
elemento
alienígena a uma
determinada
ordem social
cujas bases não
contemplam a
crueldade como
natural. Isso
ocorre porque
estas
sociedades, por
mais violentas
que tenham sido,
subordinaram seu
ordenamento
moral ao
princípio de
individualidade,
obrigando o
Estado a
construir
através da
burocracia, da
violência
policial e da
desinformação a
condição de
terror através
da qual o mal se
banaliza.
É nos cidadãos e
não nos estados
que reside a
capacidade de
distinguir, a
priori, o bem e
o mal. Mais
grave que a
banalização do
mal é a anulação
da consciência
do indivíduo
como única.
Enquanto as
pessoas tiverem
uma consciência
independente, o
mal precisa ser
banalizado, mas,
quando a
“consciência do
estado”
conseguir
substituir
totalmente a do
indivíduo sem o
uso da
burocracia e da
desinformação,
isso não vai
mais ser
necessário
porque então não
haverá mais bem
nem mal a se
oporem.
Talvez este seja
o mais
importante aviso
a ser dado
àqueles que
pensam que o
problema do
mundo seja a
falta de fé e a
banalização do
mal, porque
Hanah Arendt viu
na capacidade
autoritária do
estado nazista
uma pré-condição
necessária para
que Eichmann
cometesse
horrores sem
problema algum
de consciência.
O carrasco
nazista
acreditava estar
agindo “bem” e
assim sendo
“tinha sua
consciência
em paz”.
O domínio dos
estados sobre os
indivíduos, que
vivemos hoje em
dia, é
radicalmente
distinto daquele
idealizado por
Hitler ou
Stalin. Sem
apelar para uma
“raça superior”
ou “justiça
social”, a
chamada Nova
Ordem conseguiu,
através do
relativismo
moral que lhe é
peculiar,
dominar toda a
cultura
ocidental. Ela
misturou as 3
hipóteses da
origem do mal
sem aceitar
nenhuma como
verdadeira.
Criou-se assim
uma quarta
condição em
que não existe
explicação
alguma sobre as
causas da
maldade, mas tão
pouco existe a
necessidade de
nenhuma máquina
estatal
gigantesca capaz
de gerar terror
e, a partir
dele, o consenso
que garante o
poder.
Convivemos com
pessoas que têm
toda chance de
se informarem
muito bem, de
conhecerem (até
pela internet)
os detalhes da
máquina
burocrática do
estado e com uma
polícia que se
prepara com
cursos de
psicologia e
abordagem
diferenciada de
minorias, mas
mesmo assim
vivemos com
medo. Parece-me
que no mundo
atual não há
mais necessidade
do terror, visto
que a revolução
cultural
permitiu criar
um estado de
consenso sobre
temas que até
então tinham
sido polêmicos.
São
lugares-comuns a
respeito de
assuntos tão
graves quanto à
existência de
Deus,
homossexualismo
e aquecimento
global (só para
citar alguns
exemplos),
geradores de um
enorme e
poderoso acordo
silencioso sobre
o que deve, ou
não, ser dito em
sociedades
“civilizadas e
sem
preconceitos”.
Esse consenso
nasce da ideia
de que não
devemos mais
fazer
determinadas
perguntas e o
medo que
mencionei acima
vem da vontade
de questionar a
opinião pública;
não o conjunto
de condições
políticas ou o
Estado que a
construiu.
É esse o mundo
em que vivemos
hoje – um mundo
onde o terror
por parte do
Estado não é
mais necessário
porque o medo
tornou-se, antes
do próprio mal,
uma condição
imanente da
ordem e onde não
há hipótese
alguma que
explique a causa
de tanta
maldade.
Nasceu assim o
mundo previsto
por Yeats em seu
“Segundo
Advento” – o
mundo da Nova
Ordem e do fim
do Terror.
O autor é médico
em Porto Alegre,
RS.