Na grande barreira
A crônica terrestre
costuma anotar esse ou
aquele acontecimento em
torno da morte dos
chamados «grandes do
mundo».
Carlos V, da Espanha,
soberano de vasto
império, termina os seus
dias na penumbra do
claustro, experimentando
o féretro que lhe
carrearia o corpo para o
sepulcro, à feição de
obsesso vulgar.
Elisabeth I, da
Inglaterra, depois de
manobrar largamente o
poder, separa-se do
trono, rogando,
desesperada: «Senhor,
Senhor, cedo todo o meu
reino por um minuto a
mais de vida!»
Molière tem os próprios
restos sentenciados ao
abandono.
Napoleão, o estrategista
coroado imperador,
plasmou com punhos de
bronze o temor e a
admiração em milhões de
súditos, mas não soube
guerrear o câncer que
lhe exauriu a força
vital na solidão de
Santa Helena.
Comte, o fundador do
Positivismo,
superestimando o próprio
valor, grita,
desapontado, perante a
fronteira de cinza: «Que
perda irreparável!»
Mas assim como os reis e
os conquistadores, os
filósofos e os artistas
se despedem da
autoridade e da fama,
legiões de criaturas, de
todas as procedências e
condições, deixam a
Terra, todos os dias.
Despojadas dos
empréstimos que lhes
honorificavam a
existência, ante a
grande libertação
guardam somente o
resultado das próprias
obras.
Nem posses, nem
latifúndios...
Nem títulos, nem
privilégios.
Nem armas, nem
medalhas...
Nem pena que fira, nem
tribuna que amaldiçoe...
Nem depósitos bancários,
nem caderneta de cheques
na mortalha sem bolso...
Imobilizam-se e
dormem...
E acordam buscando os
planos em que situaram
os sentimentos, dando a
impressão de estranha
ornitologia, nas esferas
do espírito.
Almas nobres e heroicas
renascem da letargia,
quais pombos viandeiros,
remontando à glória do
firmamento.
Corações dedicados à
virtude e à beleza
recobram a atividade
como andorinhas,
sequiosas da primavera.
Preguiçosos despertam,
copiando o insulamento
das corujas que se
aninham na escuridão.
Viciados e malfeitores
diversos ressurgem, à
maneira de abutres,
espalhando entre os
homens os germens da
peste.
Faladores impenitentes
reaparecem, de praça em
praça, a repetirem
solenemente conceitos
que lhes vibravam na
pregação sem obras,
lembrando a gritaria
inconsequente do
bem-te-vi.
Homicidas e suicidas,
semelhantes a marrecos
desavisados, reabrem os
olhos nos abismos
serpentários a que se
arrojam por gosto.
Não te esqueças, assim,
de que terás também a
boca hirta e as mãos
enregeladas, na grande
noite, e acende, desde
agora, a luz do bem
constante, na rota de
teus dias, para que a
sombra imensa te não
furte ao olhar a visão
das estrelas.
Do cap. 44 do
livro
Religião dos
Espíritos,
de Emmanuel,
obra
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier. |