Quais são as Obras
Básicas?
O primeiro ponto a
ressaltar é que Kardec
jamais usou a expressão
“obras básicas”, mas,
sim, “obras
fundamentais”1.
Entretanto, seus
seguidores acharam por
bem criá-la; porém,
temos percebido que no
Movimento Espírita há
indefinição do que vem a
constituir as “obras
básicas”. Quem, por
exemplo, tiver a
curiosidade de pesquisar
na Internet sobre isso,
verá que a confusão se
instalou em nosso meio,
tal qual uma nova torre
de Babel.
Inclusive, querem uns (e
esses não são poucos)
relacioná-las ao
vocábulo usado pelas
correntes religiosas
tradicionais para
designar um conjunto de
livros sagrados, que
acreditam conter as
revelações divinas,
atribuindo-lhes o nome
de “Pentateuco” da
Codificação Espírita.
Vemos nessa atitude
certa incoerência, mas
como, infelizmente,
muitos não conseguem se
desligar do que
aprenderam em suas
religiões de origem,
acabam, se não
intencionalmente, pelo
menos de forma
inconsciente, trazendo
para o nosso meio uma
palavra nunca dita ou
mencionada pelo
Codificador.
Nem mesmo as
Instituições, que se
dizem representantes do
Movimento Espírita,
falam a mesma língua,
demonstrando, a nosso
ver, falta de unidade e
coerência Doutrinária.
Elas deixam-nos sem
amparo para definir
quais livros, publicados
por Kardec, devem fazer
parte do conjunto de
livros que se
convencionou chamar de
obras básicas.
Por estar assim, sem
definição, é que há
gente, por exemplo, que
só cita o livro O que
é o Espiritismo,
como se nele estivesse
todo o corpo da
Doutrina, apesar da
clareza de Kardec em
situá-lo como uma obra
que apenas “[...]
contém sumária exposição
dos princípios da
Doutrina Espírita, um
apanhado geral desta,
permitindo ao leitor
apreender-lhe o conjunto
dentro de um quadro
restrito. [...]”2.
Muito embora nós lhe
reconheçamos a
importância,
principalmente, para os
que não têm noção do
Espiritismo, citar
somente ele seria
imaturo, pois, aos que
querem se informar da
Doutrina, os outros
livros também deverão
ser estudados para uma
visão mais ampla e, ao
mesmo tempo,
pormenorizada dos
princípios Espíritas.
Geralmente vemos pessoas
e Instituições Espíritas
citando como obras
básicas: O Livro dos
Espíritos, O
Livro dos Médiuns, O
Evangelho segundo o
Espiritismo, A
Gênese e O Céu e
o Inferno. E, raras
vezes, aparecem
referências às Obras
Póstumas, à
Revista Espírita e
ao O que é o
Espiritismo?, e,
quando isso ocorre,
dão uma importância
relativa, como se a
leitura delas fosse de
interesse secundário,
colocando-as como
obras complementares,
que não seria
necessário, mas apenas
seria bom lê-las.
Pensando nisso
resolvemos, como se diz,
“beber água na fonte”
para ver se poderíamos
encontrar essa definição
no que escreveu o
Codificador. Vejamos,
então, o que Kardec nos
fornece como roteiro
para estudo.
Em julho de 18593,
Kardec recomenda, aos
que querem se esclarecer
sobre o Espiritismo, que
devem, primeiramente,
estudar o resumo contido
no livro O que é
Espiritismo? (na
edição francesa há o
ponto de interrogação),
justificando:
[...] Nesta rápida
exposição esforçamo-nos
por indicar os pontos
sobre que
particularmente se deve
fixar a atenção do
observador. A ignorância
dos princípios
fundamentais é a causa
das falsas apreciações
da maioria daqueles que
querem julgar o que não
compreendem, ou que se
baseiam em ideias
preconcebidas.
Na sequência, para os
que desejam saber mais,
recomenda:
Se desta leitura nascer
o desejo de continuar,
deve-se ler O
Livro dos Espíritos,
onde os princípios da
doutrina estão
completamente
desenvolvidos; depois,
O Livro dos
Médiuns para a
parte experimental,
destinado a servir de
guia para aqueles que
querem operar por si
mesmos, como para
aqueles que querem bem
compreender os
fenômenos. Vêm depois as
diversas obras onde
estão desenvolvidas as
aplicações e as
consequências da
doutrina, como: O
Evangelho segundo o
Espiritismo, O Céu e o
Inferno segundo o
Espiritismo etc.
Voltando ao assunto, em
janeiro de 18614,
aconselha, aos que
querem adquirir as
noções preliminares
sobre o Espiritismo, que
leiam, nesta ordem:
1º - O que é o
Espiritismo? -
Esta brochura, de uma
centena de páginas
somente, contém sumária
exposição dos princípios
da Doutrina Espírita, um
apanhado geral desta,
permitindo ao leitor
apreender-lhe o conjunto
dentro de um quadro
restrito. Em poucas
palavras ele lhe percebe
o objetivo e pode julgar
do seu alcance. Aí se
encontram, além disso,
respostas às principais
questões ou objeções que
os novatos se sentem
naturalmente propensos a
fazer. Esta primeira
leitura, que muito pouco
tempo consome, é uma
introdução que facilita
um estudo aprofundado.
2º - O Livro dos
Espíritos -
Contém a doutrina
completa, como a ditaram
os próprios Espíritos,
com toda a sua filosofia
e todas as suas
consequências morais. É
a revelação do destino
do homem, a iniciação no
conhecimento da natureza
dos Espíritos e aos
mistérios da vida de
além-túmulo. Quem o lê
compreende que o
Espiritismo objetiva um
fim sério, que não
constitui frívolo
passatempo.
3º - O Livro dos
Médiuns -
Destina-se a guiar os
que queiram entregar-se
à prática das
manifestações,
dando-lhes conhecimento
dos meios próprios para
se comunicar com os
Espíritos. É um guia,
tanto para os médiuns,
como para os evocadores,
e o complemento de O
Livro dos Espíritos.
4º - A Revue
Spirite -
Variada coletânea de
fatos, de explicações
teóricas e de trechos
isolados, que completam
o que se encontra nas
duas obras precedentes,
formando-lhes, de certo
modo, a aplicação. Sua
leitura pode fazer-se
simultaneamente com a
daquelas obras, porém,
mais proveitosa será, e,
sobretudo, mais
inteligível, se for
feita depois de O
Livro dos Espíritos.
Isto pelo que nos diz
respeito. Os que desejam
tudo conhecer de uma
ciência devem
necessariamente ler tudo
o que se ache escrito
sobre a matéria, ou,
pelo menos, o que haja
de principal, não se
limitando a um único
autor. Devem mesmo ler o
pró e o contra, as
críticas como as
apologias, inteirar-se
dos diferentes sistemas,
a fim de poderem julgar
por comparação.
No mês seguinte5
(fevereiro de 1861), há
uma importante fala de
Kardec sobre as
publicações das
comunicações espontâneas
na Revista Espirita,
que vêm, com certeza,
justificar o porquê da
recomendação de sua
leitura. Leiamos:
[…] O que lhe dá essa
opinião é que a grande
quantidade de matérias e
a necessidade de
coordená-las permitem
muito raramente publicar
todas essas questões no
número da Revista
onde elas são
mencionadas no boletim;
mas, cedo ou tarde, nela
encontram o seu lugar.
Aliás, elas constituem
um dos elementos
essenciais das obras
sobre o Espiritismo;
foram aproveitadas em
O Livro dos Espíritos
e em O Livro dos
Médiuns onde estão
classificadas segundo o
seu objeto, e nenhuma
daquelas que são
essenciais foi omitida.
[...].
Ressaltamos que, segundo
o próprio Kardec, as
comunicações espontâneas
que foram publicadas na
Revista Espírita
“constituem um dos
elementos essenciais das
obras sobre o
Espiritismo”, citando os
dois livros em que elas
foram aproveitadas.
Em janeiro de 18686,
cerca de pouco mais de
um ano antes de sua
morte, Kardec reafirma
que se encontra na
Revista Espírita:
“[...] em forma de
esboços, a maioria das
ideias desenvolvidas
aqui nesta obra,
conforme o fizemos, com
relação às anteriores.
[...]”, e conclui
dizendo que “A Revue,
muita vez, representa
para nós um terreno de
ensaio, destinado a
sondar a opinião dos
homens e dos Espíritos
sobre alguns princípios,
antes de os admitir como
partes constitutivas da
doutrina”.
Kardec, desde a primeira
edição de A Gênese,
6 janeiro de 1868,
também cita a coleção da
Revista Espírita
como parte integrante
das obras fundamentais
da Doutrina. De igual
modo, em março de 1869,
ele, novamente, a cita
dentro deste contexto,
quando da publicação do
Catálogo racional:
obras para se fundar uma
biblioteca espírita.
Vale a pena lembrar o
conselho de Herculano
Pires7, que
estendia a necessidade
de estudo também à
Revista Espírita:
[...] Precisamos estudar
Kardec intensamente, de
assimilar os ensinos das
obras básicas, de
mergulhar nas páginas de
outro, da “Revista
Espírita”, não apenas
lendo-as, mas
meditando-as,
aprofundando-as,
redescobrindo nelas todo
o tesouro de
experiências, exemplos,
ensinos e moralidade que
Kardec nos deixou. [...]
Concluímos que, se
básico significa “que
ou o que serve de base,
de fundamento; basilar,
fundamental”
(Houaiss), então,
pelo que pudemos
perceber das próprias
recomendações de Kardec,
teremos que
discriminá-las assim:
O que é o
Espiritismo,
O Livro dos Espíritos,
O Livro dos
Médiuns, A
Gênese, O
Evangelho segundo o
Espiritismo,
O Céu e o Inferno,
A Revista Espírita.
A essas
acrescentaríamos, por
nossa conta, o livro
Obras Póstumas,
por ser uma publicação
de escritos inéditos de
Kardec. Se daí quiserem
dividi-las em “de
iniciação”,
“importantes” e
“complementares”, não
faz a menor diferença,
desde que se as tenham
como OBRAS FUNDAMENTAIS
e que, obviamente, a
leitura de todas elas
seja recomendada e não
como se faz atualmente,
restringindo em apenas
cinco delas.
Na revista Reformador,
de setembro de 1977,
publicação da FEB –
Federação Espírita
Brasileira8,
encontramos algo que,
talvez, possa justificar
essa forma de enquadrar
as obras da Codificação:
“DOUTRINA
ESPÍRITA É O CONJUNTO DE
PRINCÍPIOS básicos,
codificados por Allan
Kardec, que constituem o
Espiritismo. Estes
princípios estão
contidos nas obras
fundamentais, que são:
“O Livro dos Espíritos”,
“O Livro dos Médiuns”,
“O Evangelho segundo o
Espiritismo”, “O Céu e o
Inferno”, “A Gênese”.
Todas as demais obras
espíritas, por mais
preciosas que sejam ou
venham a ser, são e
serão obras
complementares, sem
que isso diminua o
extraordinário valor de
muitas delas, pois a
Doutrina Espírita é,
como a definiu o próprio
Codificador,
“essencialmente
progressiva”.
(Reformador, nº 1782,
setembro de 1977, p.
258) (grifo nosso).
Embora as nomeiem de
obras fundamentais,
listam somente as cinco,
que, provavelmente, com
o tempo passaram a ser
denominadas de obras
básicas, numa corruptela
da citação “princípios
básicos”.
E aos que somente leem a
primeira obra
doutrinária publicada,
achando que tudo está
nela, transcrevemos essa
esclarecedora fala de
Kardec9: “[...]
O Livro dos Espíritos
não é um tratado
completo do Espiritismo;
não faz senão
colocar-lhe as bases e
os pontos fundamentais,
que devem se desenvolver
sucessivamente pelo
estudo e pela
observação. [...]”.
Notas:
[1] KARDEC, A. La
Genèse.
Paris:
Librairie
Internationale,
1868, p. 460(?) e
KARDEC, A. Catálogo
racional: obras para se
fundar uma biblioteca
espírita. São Paulo:
Madras, 2004, p. 21.
[2] KARDEC, A. O
Livro dos Médiuns.
Rio de Janeiro: FEB,
2007, p. 52-53.
[3] KARDEC, A. O que
é o Espiritismo. Rio
de Janeiro: FEB, 2001,
p. 149.
[4] KARDEC, A. O
Livro dos Médiuns.
Rio de Janeiro: FEB,
2007, p. 52-53.
[5] KARDEC, A.
Revista Espírita 1861.
Araras-SP: IDE, 1993, p.
35.
[6] KARDEC, A. A
Gênese. Rio de
Janeiro: FEB, 2007, p.
17.
[7] PIRES, J. H. Na
hora do testemunho.
São Paulo: Paideia,
1978, p. 19.
[8] FEB – Federação
Espírita Brasileira.
Reformador, ano 95, nº
1782. Rio de
Janeiro, setembro de
1977, p. 258.
[9] KARDEC, A.
Revista Espírita 1866.
Araras, SP: IDE, 1993,
p. 223.