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Clássicos do Espiritismo
Ano 7 - N° 307 - 14 de Abril de 2013
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)
 



A Personalidade Humana

Fredrich Myers

(Parte 32)

Damos sequência ao estudo metódico e sequencial do livro A Personalidade Humana, de Fredrich W. H. Myers, cujo título no original inglês é Human Personality and Its Survival of Bodily Death. 

Questões preliminares 

A. As manifestações de um morto podem dar-se antes mesmo da ocorrência de sua morte corpórea?

Sim. Embora o momento da morte seja, segundo Gurney, o centro das experiências dessa natureza, umas antecedem, enquanto outras seguem-se à morte. Esta frase não deve, porém, ser interpretada como se Gurney tivesse desejado afirmar que a morte é a causa dessas experiências. As que se produzem antes da morte podem ser motivadas ou determinadas não pela morte em si, mas pelo estado anormal (coma, delírio), que a antecede. Em quase todos os casos em que a aparição de um fantasma antecedeu a morte do agente, a morte foi motivada por uma doença, não por um acidente. (A Personalidade Humana, capítulo VII  – Os fantasmas dos mortos.)

B. No tocante a essas aparições póstumas, que casos Myers considera mais eloquentes?

Ele assim classifica os casos em que a morte é desconhecida do sujeito, porque dotam a aparição de um grau muito maior de veracidade. Um certo senhor Farler viu duas vezes, no espaço de uma noite, o fantasma gotejante de um de seus amigos que, como soube mais tarde, afogara-se na véspera. Quinze dias depois, o mesmo vulto foi visto com sua roupa usual, sem qualquer vestígio do acidente. (Obra citada. Capítulo VII  – Os fantasmas dos mortos.)

C. Pode uma manifestação póstuma permanecer latente e ser vista apenas horas depois de sua ocorrência?

Sim. Nas observações em que uma alucinação auditiva ou visual clara sobrevém durante a noite, horas após a morte, podemos admitir a hipótese de uma impressão telepaticamente recebida durante o dia e que permaneceu latente até o aparecimento de outras excitações, exteriorizando-se a seguir, sob a forma de uma alucinação, após o primeiro sono, por algum fato suscetível de excitar em nós o interesse ou a angústia e que, esquecido durante o dia, invade de repente nossa consciência com uma força e uma clareza notáveis. (Obra citada. Capítulo VII  – Os fantasmas dos mortos.)

Texto para leitura

761. Ficaria contente se pudessem me citar um caso de aparição fantasmagórica de uma pessoa, que o amigo que viu a aparição acreditava morta, mas que, na realidade, estava bem viva e saudável. Os avisos falsos sobre a morte são raros para que se possam citar casos desse gênero. Acredito que a dor e o sentimento de terror, aliados à morte, podem ser considerados como a causa suficiente das experiências sensoriais anormais, relativas a pessoas cuja morte recente é deplorada, até que a realidade objetiva dos fantasmas dos mortos, em determinados casos, seja estabelecida através de provas independentes.

762. Se, agora, vamos tirar alguma conclusão provável, no que diz respeito à natureza objetiva das aparições e das comunicações póstumas (ou de algumas delas), do fato da extrema frequência com que é produzida, pouco tempo após a morte, deveríamos nos limitar ao caso em que o fato da morte era desconhecido do sujeito que recebe, no momento exato da experiência. Mas, nesta época de cartas e telegramas, a maioria das pessoas toma conhecimento dessas notícias dias ou horas após o falecimento, de forma que as aparições, para estarem de acordo com as nossas condições, devem acontecer imediatamente após a morte. Possuímos um número suficiente de casos desse gênero?

763. Os leitores de Phantasms of the Living sabem da existência de tais casos. Em alguns deles, citados neste livro, como os exemplos de transmissão telepática, por parte de uma pessoa morta, a pessoa estava de fato morta, no momento em que se realizara a experiência; e a publicação destes casos sob o título comum de Phantasms of the Living (Fantasmas dos Vivos) despertou, e é natural, críticas.

764. Note-se que a indicação que dei destes casos supõe uma condição que não pode de forma alguma ser considerada como certa. Devemos supor, certamente, que a transmissão telepática se produzira imediatamente antes da morte ou no momento exato dela, mas que a impressão ficou latente no espírito do sujeito, para não aflorar na sua consciência senão após um curto intervalo, quer como visão de vigília, quer como sonho, quer sob outra forma qualquer.

765. Reconheçamos momentaneamente que esta hipótese se justifica. Que, com efeito, o momento da morte constitui, do ponto de vista do tempo, o ápice ao redor do qual se agrupam as experiências anormais que o sujeito experimenta a distância, e das quais algumas antecedem a morte, enquanto que outras a seguem; é, portanto, natural supor que a mesma explicação pode ser aplicada a todo o grupo e que em cada uma das divisões a força determinante é constituída pelo estado do agente, anterior à sua morte corporal.

766. Alguns casos de transmissão experimental de pensamentos confirmam, além disso, a opinião segundo a qual as “impressões transmitidas” podem permanecer latentes durante certo tempo, antes que o sujeito que recebe as perceba; e as recentes descobertas, relativas ao automatismo e à inteligência secundária tornam muito provável o fato de que a telepatia manifesta seus primeiros efeitos sobre o pedaço “inconsciente” do espírito. 

767. A esses dois argumentos devemos acrescentar que o período em que supostamente esteve latente foi, num elevado número de casos, um período durante o qual a pessoa impressionada se achava ocupada e sua atenção dirigida a outros objetivos; e nos casos deste gênero é muito fácil supor que a impressão telepática, para adentrar a consciência, necessita de um período de silêncio e recolhimento. 

768. Contudo, ainda que a teoria do latente possua muitas probabilidades, meus colegas e eu achamos não se poder elevar a dogma o que no momento só deve ser considerado como uma hipótese. De todas as investigações, as psíquicas são as em que é mais necessário evitar os erros, mantendo o espírito preparado para aceitar as novas interpretações dos fatos. E, no estado atual da questão, podem-se opor várias objeções sérias à hipótese de que as impressões telepáticas provenientes de pessoas falecidas só seriam suscetíveis de aflorar após permanecerem durante horas em estado latente.

769. Os casos experimentais que citei como análogos são pouco numerosos e seguros, e o período latente foi, além disso, cronometrado em segundos e minutos, não em horas. E ainda que, como já afirmei, a aparente demora observada em certos casos de aparições de mortos possa ser explicada pela necessidade de afastar o espírito e os sentidos do sujeito de outras preocupações, com o fito de que o fenômeno ocorra, conhecemos outros casos onde não ocorre isso e onde nada parece autorizar um relacionamento entre a demora e o estado do sujeito que recebe.

770. Desta forma, achamo-nos na presença da hipótese, que é a única que devemos considerar: trata-se de um estado (físico ou psíquico) do agente que se manifesta algum tempo depois da morte e do qual o sujeito toma, no mesmo instante e não antes, conhecimento da impressão.

771. Até aqui só fiz referência aos casos em que o intervalo entre a morte e a aparição foi suficientemente curto para tornar provável a teoria do latente. Segundo a regra adotada em Phantasms of the Living, esse intervalo não devia ultrapassar mais de 17 horas. Mas conhecemos alguns casos em que esse intervalo foi bastante ultrapassado e os em que o próprio fato da morte era desconhecido do sujeito, nos instantes da experiência. A teoria do latente não pode ser razoavelmente aplicada aos casos em que a aparição se acha separada por semanas ou meses do instante da morte, que é o último durante o qual uma ideia comum transmitida telepaticamente pôde ter acesso, próximo ao sujeito.

772. A existência destes casos, enquanto tende a estabelecer a realidade de aparições de mortos, devidos a causas externas, diminui o valor das objeções que se opõem ao conceito que considera as aparições etc., que seguiram de perto a morte, como de causa diferente às que coincidem com a morte e a antecedem, também de perto. (Proceedings of the S. P. R., V, pág. 403-408.)

773. A hipótese do latente que encontramos aqui, no início de nossa pesquisa, é de importância relevante, embora, como veremos mais tarde, chega um momento em que não é capaz de englobar todos os fatos. Se pudéssemos traçar uma curva que expressasse o número relativo das aparições, antes e depois da morte, veríamos que este número aumenta rapidamente durante as horas que antecedem, para, gradativamente, diminuir durante as horas e dias que se seguem à morte. Após o primeiro ano, as aparições tornam-se raras e excepcionais.

774. “O momento da morte – diz Gurney – é o centro de um grupo de experiências anormais, das quais umas antecedem, enquanto outras seguem-se à morte.” Esta frase não deve ser interpretada como se Gurney tivesse desejado afirmar que a morte é a causa dessas experiências. As que se produzem antes da morte podem ser motivadas ou determinadas não pela morte em si, mas pelo estado anormal (coma, delírio), que a antecede. Possuímos, com efeito, muitos exemplos de fantasmas verdadeiros, que coincidiram com crises, como acidentes de automóvel etc., acontecidos a agentes distantes, mas que não foram seguidos de morte.

775. Encontramos, além disso, que em quase todos os casos em que um fantasma, verdadeiro ou não, antecedeu a morte do agente, a morte foi motivada por uma doença, não por um acidente. Existem poucas exceções a esta regra. Num caso citado em Phantasms of the Living (II, pág. 52), o fantasma aparece antecedendo-se de meia hora à morte súbita por afogamento; o sujeito que recebe mora numa granja de Norfolk, enquanto que a vítima, ou o agente, pereceu durante uma tempestade nas proximidades da ilha de Tristão da Cunha; e imaginamos que um erro de hora ou de observação bastava para explicar esta pretensa exceção à regra.

776. Em outro caso, tratava-se de uma morte violenta, suicídio; mas o estado de excitação mórbida em que se encontrava a vítima algumas horas antes da morte, isto é, no momento em que se deu a aparição, era só um estado de crise. Existem outros casos (não citados no Phantasms) em que o fantasma ou o duplo foi visto vários dias antes da morte acidental; mas os casos desse gênero são pouco numerosos para tornar viável a existência de um nexo causal entre a morte e a aparição.

777. Não é fácil chegar à certeza, no que concerne aos casos em que o intervalo foi cronometrado em minutos; porque se o sujeito está longe do agente, sempre podemos ter dúvidas quanto à exatidão com que foi anotada a hora e no que diz respeito à exatidão da observação; e, por outro lado, se o sujeito e o agente se encontram no mesmo lugar, podemos nos perguntar sempre se o fantasma observado não foi uma simples alucinação subjetiva.

778. Desse modo, possuímos vários relatos de gritos horrorosos ouvidos pelas pessoas que velavam o cadáver, logo após a morte aparente, ou uma espécie de halo luminoso ao redor do morto; mas tudo isso se produziu num momento bastante propício às alucinações subjetivas e se os fenômenos em questão não afetaram senão um indivíduo é difícil atribuir-lhes algum valor. No caso em que o fenômeno parece afetar diversas pessoas, pode-se tratar de uma transmissão de pensamento entre os espíritos das pessoas presentes, seja ou não o fenômeno devido à pessoa do morto.

779. Existem também outras circunstâncias nas quais, mesmo sendo a morte conhecida, uma alucinação advinda logo após pode ter um valor subjetivo. É o caso de uma mulher que sabia da morte de sua irmã, há várias horas e que, sem estar num estado de excitação mórbida, pensou ter visto entrar alguém na sala de jantar, abrindo a porta e fechando-a atrás de si. Ficou assustada ao ver que não havia ninguém no cômodo; passado algum tempo, verificou que podia existir alguma relação entre a aparição e a morte da irmã.

780. Isso nos lembra o caso de Hill, que viu entrar na sua casa um vulto alto que, após tê-lo assustado e surpreendido, desapareceu sem que fosse possível seu reconhecimento. Mas um de seus tios, homem de estatura elevada, estava naquele momento moribundo e deve-se notar que Hill, mesmo sabendo desse fato, sua angústia não seria por si só suficiente para dar origem a essa assustadora aparição.

781. Há casos em que o sujeito viu a aparição de um amigo; logo após a morte deste último, teve outras alucinações verdadeiras e nunca qualquer alucinação subjetiva. Os sujeitos desta categoria supõem naturalmente que a aparição do amigo morto possui o mesmo caráter verídico que as alucinações anteriores, mesmo que a coisa não fosse evidente e sabendo-se da morte no momento da aparição.

782. Os casos em que a morte era desconhecida do sujeito são evidentemente mais eloquentes e dotam a aparição de um grau muito maior de veracidade. Um certo senhor Farler viu duas vezes, no espaço de uma noite, o fantasma gotejante de um de seus amigos que, como soube mais tarde, afogara-se na véspera.

783. A primeira aparição produziu-se algumas horas após a morte, podendo ser explicada pela impressão que permaneceu latente até o instante favorável à sua manifestação, isto é, a calma e o silêncio da noite. A segunda aparição pode ter sido uma repetição da primeira; mas, se prescindirmos da teoria do latente, fazendo a primeira depender (caso não passe de mera coincidência) de uma certa energia emanada da pessoa morta, após o seu falecimento, estamos autorizados a considerar a segunda aparição como igualmente verdadeira. O mesmo vulto foi visto, quinze dias depois, com sua roupa usual, sem qualquer vestígio do acidente.

784. Em outros casos, a aparição é una e sobrevém algumas horas após a morte. Vejamos a aplicação da hipótese do latente a esses casos. Onde não há alucinação propriamente dita, mas um sentimento único de mal-estar e angústia que advém algumas horas após a morte de um amigo distante, como no caso de Wilson (Phantasms of the Living, I, pág. 280), nos é difícil prever o que se passa. Algum estímulo comunicado ao cérebro do sujeito no momento da morte do agente pode-se manifestar lentamente à consciência. A demora pode ser atribuída mais a causas fisiológicas do que psíquicas.

785. Nas observações em que uma alucinação auditiva ou visual clara sobrevém durante a noite, horas após a morte, podemos admitir a hipótese de uma impressão telepaticamente recebida durante o dia e que permaneceu latente até o aparecimento de outras excitações, exteriorizando-se a seguir, sob a forma de uma alucinação, após o primeiro sono, por algum fato suscetível de excitar em nós o interesse ou a angústia e que, esquecido durante o dia, invade de repente nossa consciência com uma força e uma clareza notáveis.

786. No caso da Sra. Teale, pelo contrário (Phantasms of the Living, II, pág. 693), a alucinação sobreveio oito horas após a morte, quando esta senhora estava sentada, totalmente acordada, junto à sua família. Em outros casos trata-se de uma verdadeira “clarividência telepática”, de uma imagem transmitida pelo espírito do defunto, mas enviada após a morte, porque assistimos a uma visão de um acidente (e de suas consequências) muito mais completa do que a que pôde atravessar o espírito do moribundo no momento da morte.

787. Os casos desse gênero nos fazem pensar que o espírito do defunto continua presa das coisas terrestres e que é capaz de compartilhar com o sujeito as imagens que o preocupam. É o caso do famoso médico de Londres, morto no estrangeiro, num hospital do interior, deitado num quarto pobre, o qual surgiu a uma mulher dez horas após sua morte.

788. Vê-se que esses fenômenos não são suficientemente simples para que possamos considerá-los apenas do ponto de vista que os separa da morte.  (Continua no próximo número.) 


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita