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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 315 - 9 de Junho de 2013

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

 
 

Anjos de guarda

A doutrina dos anjos guardiães, pelo seu encanto e doçura,
deveria converter os mais incrédulos
 

“(...) E apareceu-Lhe um anjo do Céu, que O confortava.” - Lucas, 22:43.

 
Kardec narra a interessante história de Françoise Vernhes[1], cega de nascença, que um dia guiou uma tia (que enxergava), através dos caminhos lamacentos de uma sombria floresta, em tarde invernosa, onde havia necessidade de toda precaução para não caírem nos fossos. Nesta contingência, querendo a tia dar-lhe a mão, ela disse: “Não se incomode comigo, não corro risco algum, visto como tenho aos ombros uma luz que me guia. Siga-me, pois serei eu, cega, a guiá-la, minha tia”.

Posteriormente desencarnada, foi evocada por Kardec que lhe perguntou que luz era aquela; ao que ela ripostou: “Era o meu anjo de guarda que me guiava”.

Por heranças oriundas do caldo cultural judaico-cristão, inúmeras criaturas e até mesmo muitos que se dizem espíritas possuem ideias equivocadas a respeito do que se convencionou chamar “Anjo de Guarda”.  Seria um papel extremamente fastidioso, em especial para um Espírito Superior, estar de guarda todo o tempo, acompanhando de perto o seu tutelado, em geral, um ser indisciplinado, alienado, sem descortinos espirituais...  Na verdade, ele recebe a missão à semelhança de um pai ou mãe em relação aos filhos: para guiar o seu protegido pela senda do bem, dar-lhe conselhos, consolá-los nas aflições e levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.[2]

Mas, por acaso, os pais ficam vinte e quatro horas ao lado dos filhos?!

São Luís explica[3]: Mesmo estando o Espírito Protetor a muitos milhões de léguas distante de seu protegido, não deixa de oferecer-lhe ajuda todas as vezes em que ela se fizer necessária, pois as distâncias, por maiores que sejam, nada são para os Espíritos.

Kardec ensina2:

“(...) Nada tem de surpreendente a doutrina dos anjos guardiães, a velarem pelos seus protegidos, malgrado a distância que medeia entre os mundos. É, ao contrário, grandiosa e sublime. Não vemos na Terra o pai velar pelo filho, ainda que de muito longe, e auxiliá-lo com seus conselhos correspondendo-se com ele? Que motivo de espanto haverá, então, em que os Espíritos possam, de um outro mundo, guiar os que, habitantes da Terra, eles tomaram sob sua proteção, uma vez que, para eles, a distância que vai de um mundo a outro é menor do que a que, neste planeta, separa os continentes? Não dispõem, além disso, do fluido universal, que entrelaça todos os mundos, tornando-os solidários; veículo imenso da transmissão dos pensamentos, como o ar é, para nós, o da transmissão do som?”.

Ainda com o Mestre Lionês aprendemos[4]: “(...) Além do Anjo guardião, que é sempre um Espírito superior, temos Espíritos protetores que, embora menos elevados, não são menos bons e magnânimos. Contamo-los entre amigos, ou parentes, ou, até, entre pessoas que não conhecemos na existência atual. Eles nos assistem com seus conselhos e, não raro, intervindo nos atos da nossa vida.

(...) Deus, em o nosso Anjo guardião, nos deu um guia principal e superior e, nos Espíritos protetores e familiares, guias secundários”.

O Ministro Clarêncio não conseguiu sopitar uma expressão de surpresa com o amadorismo do conhecimento que André Luiz possuía sobre esses seres angélicos, suscitando-lhe o seguinte ensinamento[5]:

— “Os Espíritos tutelares encontram-se em to­das as esferas, contudo, é indispensável tecer algu­mas considerações sobre o assunto. Os anjos da sublime vigilância, analisados em sua excelsitude divina, seguem-nos a longa estrada evolutiva. Des­velam-se por nós, dentro das Leis que nos regem, todavia, não podemos esquecer que nos movimen­tamos todos em círculos multidimensionais. A cadeia de ascensão do Espírito vai da intimidade do abismo à suprema glória celeste.

Será justo lembrar que estamos plasmando nossa individualidade imperecível no espaço e no tempo, ao preço de continuadas e difíceis experiên­cias.  A ideia de um ente divinizado e perfeito, invariavelmente ao nosso lado, ao dispor de nossos caprichos, não con­corda com a justiça. Que governo terrestre desta­caria um de seus ministros mais sábios e especia­lizados na garantia do bem de todos para colar-se, indefinidamente, ao destino de um só homem, qua­se sempre renitente cultor de complicados enigmas e necessitado, por isso mesmo, das mais severas lições da vida? Por que haveria de obrigar-se um arcanjo a descer da Luz para seguir, passo a passo, um homem deliberadamente egoísta ou preguiçoso? Tudo exige lógica, bom senso...

O Sol está com o verme, amparando-o na furna, a milhões e milhões de quilômetros, sem que o verme esteja com o Sol.

Anjo, segundo a acepção justa do termo, é mensageiro. Ora, há mensageiros de todas as condições e de todas as procedências e, por isso, a antiguidade sempre admitiu a existência de anjos bons e anjos maus. Anjo de guarda, desde as con­cepções religiosas mais antigas, é uma expressão que define o Espírito celeste que vigia a criatura em nome de Deus ou pessoa que se devota infini­tamente à outra, ajudando-a e defendendo-a...  Em qualquer região, convivem conosco os Espíritos fa­miliares de nossa vida e de nossa luta. Dos seres mais embrutecidos aos mais sublimados, temos a corrente de amor, cujos elos podemos simbolizar nas almas que se querem ou que se afinam umas com as outras, dentro da infinita gradação do pro­gresso. A família espiritual é uma constelação de Inteligências, cujos membros estão na Terra e nos Céus.  Aquele que já pode ver mais um pouco au­xilia a visão daquele que ainda se encontra em luta por desvencilhar-se da própria cegueira. Todos nós, por mais baixo nos revelemos na escala da evolução, possuímos, não longe de nós, alguém que nos ama a impelir-nos para a elevação. Isso pode­mos verificar nos círculos da matéria mais densa. Temos constantemente corações que nos devotam estima e se consagram ao nosso bem. De todas as afeições terrestres, salientemos, para exemplificar, a devoção das mães. O espírito maternal é uma espécie de anjo ou mensageiro, embora muita vez circunscrito ao cárcere de férreo egoísmo, na custó­dia dos filhos. Além das mães, cujo amor padece muitas deficiências, quando confrontado com os princípios essenciais da fraternidade e da justiça, temos afetos e simpatias dos mais envolventes, capazes dos mais altos sacrifícios por nós, não obstante condicionados a objetivos por vezes egoísticos. Não podemos olvidar, porém, que o admi­rável altruísmo de amanhã começa na afetividade estreita de hoje, como a árvore parte do embrião. Todas as criaturas, individualmente, contam com louváveis devotamentos de entidades afins que se lhes afeiçoam. A orfandade real não existe. Em nome do Amor, todas as almas recebem assistên­cia onde quer que se encontrem. Irmãos mais velhos ajudam os mais novos. Mestres inspiram dis­cípulos. Pais socorrem os filhos. Amigos ligam-se a amigos.  Companheiros auxiliam companheiros. Isso ocorre em todos os planos da Natureza e, fatalmente, na Terra, entre os que ainda vivem na carne e os que já atravessaram o escuro passadiço da morte. Os gregos sabiam disso e recorriam aos seus gênios invisíveis. Os romanos compreendiam essa verdade e cultuavam os numes domésticos. O gênio guardião será sempre um Espírito benfazejo para o protegido, mas é imperioso anotar que os laços afetivos, em torno de nós, ainda se encon­tram em marcha ascendente para mais altos níveis da vida. Com toda a veneração que lhes devemos, importa reconhecer, nos Espíritos familiares que nos protegem, grandes e respeitáveis heróis do bem, mas ainda singularmente distanciados da angelitude eterna.  Naturalmente, avançam em linhas enobrecidas, em planos elevados, todavia, ainda sen­tem inclinações e paixões particulares, no rumo da universalização de sentimentos”.                    


[1] - KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap. VIII, p. 417.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 491. 

[3] - Idem, ibidem, q. 495.

[4] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio: FEB, 2009, cap. XXVIII, item 11. 

[5] - XAVIER, Francisco Cândido. Entre a Terra e o Céu. 6. ed. Rio: 1978, cap. XXXIII, p.p. 213-216.


 


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