Um dia de Buda
Fruto de um
acidente
doméstico,
Aristeu teve
parte de seu
corpo queimado.
Foi grande a dor
na hora e
insuportável
depois, entre
bolhas e o medo
da infecção e do
estigma das
cicatrizes.
Aristeu, que
levava uma vida
pacata e
tranquila, se
viu às voltas
com os efeitos
daquele acidente
doméstico, que
mobilizou
família e amigos
na assistência
ao bom
companheiro.
Após o
atendimento
emergencial,
restou a ele dar
continuidade ao
seu tratamento
em um hospital
especializado em
queimados, onde,
dia sim e dia
não, ele seguia
o rito de
pomadas e de
unguentos, na
troca de
curativos sob o
olhar atento dos
profissionais de
saúde.
Na fila de
espera, na
antessala dos
ambulatórios,
Aristeu
observava
atentamente que
havia casos
piores que o
seu. De cada
dor, de cada
caso narrado,
descobria o
sofrimento de
seu irmão
desconhecido,
que ele ignorava
no conforto do
seu lar, vendo o
mundo e suas
agruras apenas
pela tela da
televisão.
Assim seguiu o
tratamento de
Aristeu, que
tratou seu corpo
e a sua alma,
que foi se
iluminando à
medida que via,
no olhar do seu
irmão, dor maior
do que ele
jamais imaginava
sentir. Nas
queimaduras
cicatrizadas
nasceu uma nova
pele. No seu
espírito,
regenerado,
nasceram novas
convicções e
visões de mundo.
*
Assim, nos
isolamos do
mundo, longe de
suas realidades,
e quando o
destino nos
empurra para
fora dos muros
de nossos
palácios, nos
defrontamos com
a doença, a
morte, a pobreza
e toda sorte de
provações.
A ideia de nos
pouparmos do
mundo, de seus
desafios, nos
impede de
crescer.
Preferimos o
paraíso da
redoma, crer que
o mundo seja uma
propaganda de
refrigerantes,
com jovens
sorridentes,
para se debulhar
em lágrimas nos
dramas das
telenovelas,
concluídos com
um apertar de
botões.
O mundo não e só
dor e
sofrimento... O
mundo não é só
alegria
esfuziante... O
mundo é um
mosaico de
histórias e
desafios, de
sorrisos e
lágrimas, que
nos conduzem a
um processo de
amadurecimento
como Espíritos,
na bendita
escola que
chamamos de
planeta Terra.
Negar a dor do
próximo não nos
isenta do
compromisso com
os nossos
irmãos. A chaga
mais proeminente
nos dias de
hoje, o
individualismo,
nos leva ao
isolamento em
castas
econômicas, nas
quais ignoramos
os desafios
alheios e
deixamos de
aprender com
isso.
Essa discussão
nos conduz a uma
profunda
reflexão, de
como conduzimos
nossos trabalhos
assistenciais na
seara espírita.
Que indicadores
estabelecemos
para classificar
esses trabalhos
como
satisfatórios?
Seria a
quantidade de
bolsas
distribuídas? O
volume de
recursos
arrecadados?
Será que
esquecemos nesse
sentido o valor
da troca, do
olhar, do
abraço? A
importância do
trabalho no bem
está no
aprendizado
profundo do
abraço que damos
no nosso irmão
em dor!
Em hipótese
alguma defendo
aqui o turismo
da caridade,
emblemático na
visita às
comunidades
cariocas pelos
estrangeiros,
como um safári
da pobreza.
Defendo a nossa
interação
interventiva e
pessoal no
trabalho do bem,
de forma a
falarmos e
ouvirmos, nas
visitas a
hospitais,
orfanatos,
asilos e toda
sorte de
instituições que
concentrem
pessoas
necessitadas,
tanto quanto nós
necessitamos de
ouvir aquela
palavra de
resistência e
luta, diante das
provas mais
agudas, que
virão, ou que
nos atormentam.
Sidarta Gautama,
o Buda, criado
no luxo e na
opulência, teve
a sua iluminação
ao sair de suas
suntuosas
dependências
para encontrar
as dores
humanas. Aristeu
também nasceu de
novo,
reformulando a
sua disposição
diante da vida.
De cada
experiência, de
cada dor,
colhemos o
aprendizado, mas
ofertamos também
a palavra amiga
e o sorriso de
esperança, em um
exercício
permanente de
amor, na
interação com o
próximo.
A nossa
iluminação se
faz quando
rompemos as
paredes que nos
isolam do mundo,
no encontro do
próximo. Às
vezes,
precisamos de
dias de Buda
para refletir
sobre essa
realidade.
Precisamos
trabalhar o
nosso coração,
torná-lo robusto
no amor, um
exercício que se
faz no encontro
com o outro, na
alegria e na
tristeza.