Iniciei-me no
Espiritismo pela
dor, encaminhada
por um senhor
que me emprestou
O Livro dos
Espíritos.
Nessa época eu
era umbandista
e, após alguns
anos de leituras
individuais,
percebi que o
Espiritismo me
fornecia outras
respostas, me
permitia avançar
nos
questionamentos
e me trazia um
conforto grande.
Optei por este
último, mantendo
um carinho e
respeito grandes
pela Umbanda. No
movimento
espírita,
conheci o Centro
Espírita de
Jacarepaguá (Rio
de Janeiro-RJ),
no qual iniciei
os estudos, e o
Centro Espírita
Eurípedes
Barsanulfo
(também em
Jacarepaguá).
Essas duas
instituições de
trabalho no bem
me
possibilitaram
conhecer o
trabalho de
Evangelização da
infância e
juventude, que
se estenderam em
participações no
que atualmente
denomina-se
SAPSE nas
comunidades de
Vila Sapê e
Anil, ambas em
Jacarepaguá, Rio
de Janeiro. Como
professora, um
dia fui
convidada a
atuar com as
Classes
Especiais/ DM
(como era
denominado na
época). Apesar
de não ter
formação
específica,
aceitei o
desafio e
iniciei estudos
para me adequar
à nova demanda.
Percebi uma
identificação
quase imediata e
um bem-estar
evidente com
esse trabalho. A
classe foi
crescendo em
qualidade graças
ao apoio
recebido da
direção da
escola e do
Instituto Helena
Antipoff, do Rio
de Janeiro, ao
qual serei
sempre grata.
Nos anos
oitenta, a
USEERJ convidou
pessoas ligadas
à questão do
companheiro
especial para um
encontro em que
seriam
discutidas
questões
voltadas a ele,
segundo a visão
espírita. Foi
memorável aquele
dia. Voltamos
para Jacarepaguá
animados e, ao
lá chegarmos, já
definimos um
encontro no
Eurípedes para o
outro dia e a
partir daí foi
iniciado um
grupo de estudos
de saudosa
lembrança que
resultou no
Grupo Dona Meca
(http://www.osdm.org.br/quem_somos.htm)
e GAPEB (http://gapeb.com.br/),
atuantes até os
dias atuais.
Ainda que as
últimas três
décadas tenham
trazidos avanços
inestimáveis nas
discussões
afetas à
inclusão e à
educação
especial no
campo da
educação formal
no Brasil, essa
discussão parece
caminhar a
passos lentos no
movimento
espírita, como
comprovam seus
artefatos
(cursos, livros,
eventos,
seminários). Que
fatores, em sua
opinião,
contribuíram
para esse
cenário?
Questão bastante
complexa e
delicada essa
que você me
coloca. Um dos
aspectos que me
chama atenção é
que,
independente de
estar nas
fileiras
espíritas, o
homem está ainda
atrelado às
questões que
aliam a
deficiência à
punição nos seus
mais diversos
matizes. Mesmo
cientes os
espíritas de que
Jesus
apresentou-nos
Deus como Pai de
Justiça, e acima
de tudo de Amor
e Misericórdia,
o primeiro
qualitativo
vinculado à
punição parece
falar muito mais
alto ainda em
nossas mentes.
Tem-se ainda a
cultura dos mais
diferentes povos
que reforça
causas ligadas à
punição divina.
Tudo isso, a meu
ver, atravessa
os movimentos
religiosos. A
resistência para
acessibilidade
em Casas
Espíritas é
ainda grande.
Poucas Casas têm
tradução
simultânea para
Libras em suas
reuniões
públicas e as
justificativas
carecem de
consistência.
Livros espíritas
em braile ainda
são muito poucos
(felizmente já
vemos os
audiolivros, que
suprem de
maneira razoável
os companheiros
com dificuldades
visuais). Rampas
nos prédios,
reflexões acerca
das
possibilidades
de crianças e
jovens com
comprometimentos
intelectuais e
de transtornos
do
desenvolvimento
(TGD)
frequentarem
encontros de
evangelização
infantil e
juventude de
forma efetiva e
real – essas são
questões que o
movimento
espírita precisa
refletir e
discutir. Os
Espíritos
superiores
deixaram
questões de
inclusão no
Pentateuco.
Precisamos sair
das verdades
parciais que nos
mantêm na zona
de conforto e
avançar. A
Doutrina
Espírita tem uma
contribuição
notável a
oferecer, quando
o movimento
espírita se
abrir aos
avanços em
Educação
Inclusiva que
estão se
observando na
sociedade em
geral.
A discussão da
acessibilidade
passa pela
produção de
livros em Braile
(ou
audiolivros), a
tradução de
palestras para
Libras, além de
banheiros
adaptados e
rampas, entre
outras práticas.
Em sua opinião,
como estamos
nesses quesitos
no movimento
espírita
atualmente?
Temos avançado,
mas de maneira
muito tímida,
como colocado
acima. Estão aí
várias obras
subsidiárias de
autores
abalizados (como
Nancy Puhlmann
Di Girolamo) que
oferecem ótimas
oportunidades
para sairmos
dessa posição
que não se
coaduna com os
ensinamentos
espíritas, o que
nos pede ação
com
responsabilidade.
A ideia da
reencarnação,
indicando um
aspecto
provacional na
questão da
deficiência, não
deveria trazer
para nós,
espíritas, uma
abordagem
diferenciada da
questão do
especial?
Penso que sim,
pois não importa
se o companheiro
ombreado conosco
está em prova ou
em expiação, mas
sim que todos
nós estamos
reencarnados
para progredir.
Exemplos não nos
faltam de
trabalhadores
que, ao se
defrontarem com
provas acerbas
das mais
diversas, apenas
apoiaram o
companheiro e
seguiram
aprendendo. O
companheiro
reencarnado na
condição de
deficiente
sensorial, do
intelecto ou com
transtornos não
necessita de
análises sobre
as causas de sua
condição, mas de
oportunidades de
usufruir daquilo
que a Doutrina
Espírita traz e
que nos
proporciona
forças para
caminhar neste
mundo de provas
e expiações de
maneira mais ou
menos
equilibrada. Por
que aquilo que
me consola e
fortalece não
faria o mesmo
com esse
companheiro,
envolvido nessa
prova? Dá para
pensar...
O convívio da
pessoa com
deficiência na
mesma sala de
aula de
evangelização
com as crianças
e jovens ditos
normais é o
suficiente para
se efetivar a
inclusão, ou é
preciso de algo
mais em termos
pedagógicos?
Penso que é
preciso iniciar
abrindo as
portas das Casas
Espíritas para
acolher esse
irmão e suas
famílias. É
preciso vencer
as próprias
barreiras,
deixar de buscar
ancoragem em
falas ditas
espíritas que
carecem de
sustentação
doutrinária e
convidar essas
famílias, pois a
partir daí a
demanda levará a
equipe da Casa a
buscar respostas
às inúmeras
dúvidas que
chegarão. Se
Nancy Puhlmann
tivesse fechado
as portas à
primeira pessoa
que chegou à
Instituição
Beneficente
Nosso Lar em São
Paulo, por
faltar estofo
teórico a esse
acolhimento,
provavelmente
não seria para
nós hoje um
ponto de luz a
assinalar com
possibilidades
para esse
trabalho. E,
ainda olhando
para seu
exemplo, a
equipe de
trabalho não
ficou nesse
primeiro passo;
buscou alicerces
teóricos sempre
e cada vez mais
atuais na
ciência e na
pedagogia. Vejo
que após o
primeiro passo,
tanto para a
Casa Espírita
como para o
companheiro
especial que
chega, é
necessária a
busca junto à
literatura
espírita e
acadêmica para
alicerçar cada
vez mais essa
prática, a fim
de que ela não
fique apenas em
aproximação, que
no cotidiano da
Casa Espírita
configura-se em
algumas
situações à
criança ou o
jovem tendo
apenas o
convívio social.
A Doutrina
Espírita nos
afirma que somos
todos Espíritos
imortais, com
bagagem de
muitas vidas,
com conhecimento
acumulado. Vamos
falar ao
Espírito nos
encontros de
Evangelização, à
centelha que
brilha ali
naquele irmão
limitado na
presente
encarnação, e
esses
princípios, bem
como muitos
outros da
doutrina, nos
ajudarão a
crescer dentro
da decisão de
dar acesso a
ele. Na questão
pedagógica,
devemos ter
atenção às
peculiaridades
dessa pessoa e
da deficiência
que o
caracteriza
nesse momento e
de como a
pedagogia tem
contribuído para
criar canais de
comunicação
efetivos com
ele. Não se
trata de um
deficiente, mas
primeiramente de
uma pessoa que
traz uma
deficiência, o
que determina
diferenças
consideráveis no
olhar
pedagógico.
A casa espírita
deve se preparar
para lidar com
as diferenças ou
deve se
estruturar
apenas diante
dos casos
concretos que
adentram as suas
portas?
Vejo que quando
a Casa Espírita
se prepara
apenas para os
casos concretos
que chegam
estará
restringindo a
acessibilidade e
trabalhando de
forma a “apagar
incêndios”. Há
que planejar
para receber
essas pessoas,
assim como para
todas as
peculiaridades
humanas (a
pessoa idosa, a
criança e o
jovem especial,
aquele que
sofreu
limitações
sensoriais
durante a vida
física, a pessoa
surdo-cega, a
pessoa obesa ou
tetraplégica...).
Para isso há que
buscar também os
princípios do
Desenho
Universal,
tecnologia que
prevê espaços
para todos.
Entende-se por
Desenho
Inclusivo ou
Universal um
conjunto de
preocupações,
conhecimentos,
metodologias e
práticas que
visam à
concepção de
espaços,
produtos e
serviços,
utilizáveis com
eficácia,
segurança e
conforto pelo
maior número de
pessoas
possível,
independentemente
de suas
capacidades.
Nas visitas
assistenciais a
instituições
especializadas
no atendimento a
pessoas com
deficiência, que
reflexões
podemos suscitar
aos
trabalhadores
que participam
dessas visitas?
O que me ocorria
em algumas
visitas que fiz
foram: “Trata-se
de pessoas em
primeiro
lugar!”, “Não
tenha intenções
de descobrir seu
passado olhando
esse corpo.”, “O
que ele (a)
espera de mim?
Se eu residisse
aqui, o que
gostaria de
receber nesta
visita
fraterna?”.
Ocorria-me que
eu estava
entrando no lar
que muitos
daqueles
companheiros
conheceram nesta
encarnação, e
isto balizava as
minhas ações
ali. Penso ser
necessário
procurar também
orientar os
pensamentos de
forma positiva e
otimista, trocar
poucas ideias
com os
companheiros de
visitação para
olhar e buscar
estar com eles
(as) naqueles
momentos. Em
momento
posterior, se
possível fora da
instituição,
analisar o
trabalho junto à
equipe, evitando
especulações e
elevando um
pouco mais a
qualidade dessa
visitação. O
preconceito em
relação à pessoa
com deficiência
se materializa
em palavras e
gestos. De que
forma o
ensinamento
cristão pode nos
ajudar a
combater esse
preconceito? O
Evangelho não
nos diz para não
ver, mas que se
tenham olhos de
ver. Quando
deixamos de
estudar na Casa
Espírita e de
refletir
particularmente
nesse e em
outros
ensinamentos do
Mestre Jesus,
podemos cair na
falácia de ver o
argueiro no olho
do outro e
esquecermos a
trave no nosso
olhar, de
apontar o dedo
em direção ao
outro
permanecendo
confortáveis com
os nossos
defeitos morais
que muitas vezes
nos são tão
agradáveis!
Conviver com o
irmão especial
de maneira a
aprender com ele
é nos defrontar
(felizmente o
tempo todo) com
princípios como
estes.
Percebemos que o
companheiro está
em provas
difíceis, mas
essa análise não
pode engessar o
pensamento e a
ação buscando
justificativas
que não se
sustentam com o
estudo
doutrinário,
reforçando
atitudes
puramente
preconceituosas.
Enquanto olhamos
o outro,
perdemos a
oportunidade de
nos examinar
descobrindo
pontos que
precisam ser
burilados
através dessa e
de outras
atividades da
Casa Espírita,
que necessita de
trabalhadores
contentes!
Como palavras
finais, que
mensagem você
gostaria de
deixar para os
que trabalham
com a educação
especial na
seara espírita?
Que perseverem
neste campo
belíssimo de
trabalho,
buscando forças
primeiramente no
Cristo, que nos
deu a
oportunidade
desta encarnação
para que,
através do
livre-arbítrio,
experimentássemos
a bênção de
aprender com o
companheiro que
um dia se encheu
de coragem para
retornar ao solo
terreno e sabe
no fundo de seu
ser que
necessita das
mãos operosas,
mas que também
tem muito a
ensinar. Somos
parceiros nesta
jornada. Ele não
desistiu. Nós,
de nossa parte,
pedimos aos
amigos
espirituais que
estejam conosco
para conduzirmos
este belo labor
com toda a
equipe de
trabalho da Casa
Espírita!
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